Recentro: com incentivos para construção e reabilitação de imóveis, o que pode mudar no Centro do Recife?
Bairros estão inseridos na Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (ZEPH) da cidade, mas têm áreas passíveis para novas construções
Recife, São José e Santo Antônio. Os três bairros de onde surgiu a capital pernambucana são alvos de programa que pretende revitalizá-los; isto é, devolver, em uma década, o caráter habitacional, comercial e de lazer que um dia já tiveram. Apesar da região precisar, de fato, de um reavivamento, dada a situação de deterioração em que se encontra, o Recentro ainda deixa o alerta ligado sobre quais tipos de edificações serão vistas na área, que abriga um característico conjunto arquitetônico - atraindo turistas de todo mundo -, além de sobre como garantirá a diversidade de classe social dos moradores que está sendo proposta e como conseguirá realizar a missão de reocupar as dezenas de imóveis hoje ociosos.
Pelos bairros estarem inseridos na Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (ZEPH) da cidade, justamente pela importância histórica, a alteração da paisagem em geral é mais difícil; no entanto, há áreas de terrenos, galpões e postos de abastecimento desprotegidos e que podem abrigar novas torres - o que pode ser facilitado pelas isenções fiscais para construção, uma das medidas previstas pelo Recentro, que teve início em 1º de dezembro de 2021.
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A arquiteta e urbanista Iana Ludermir Bernardino, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que o bairro de São José pode ter um “boom” de construções semelhante ao da Rua da Aurora na década de 2010. “São José pode ter um maior nível de verticalização. O Bairro do Recife e o de Santo Antônio são mais consolidados, fora a Rua Imperial, por exemplo, que não é protegida”, alertou a especialista sobre a via que abriga um extenso conjunto de edificações de diferentes estilos que variam do Art déco à arquitetônicos modernos, mas que estão em um intenso estado de abandono, denunciado pelo JC ainda este ano.
Para o advogado especializado em direito imobiliário Marcelo Carvalho, é difícil que a área protegida seja ferida, porque “a fiscalização é bastante rigorosa”. Segundo ele, para realizar qualquer alteração em imóveis nessas regiões, é preciso ter “bastante cuidado e atenção a fim de evitar prejuízos e restrições que inviabilizem eventuais investimentos imobiliários”, e que deve-se buscar um “ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento da cidade e a preservação dos seus valores histórico-culturais”. “Entendemos que a regularização atende à proteção urbanística da área, no entanto, a análise de cada caso, quando da obtenção de licenças para construção e reformas, por exemplo, deve ser ponderada”, afirmou.
O novo Plano Diretor da cidade, aprovado no final de 2020, possibilitou uma maior transformação nos terrenos. Isso porque permitiu a união de três lotes para construir empreendimentos, alterou o tamanho do lote mínimo - permitindo edificações mais verticalizadas - e que as Zeis, Zonas Especiais de Interesse Social (áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda) que ficam às margens de corredores de transporte público, obedeçam critérios de verticalização semelhantes aos do resto da cidade, ou que sejam desapropriadas caso haja a intenção de realizar uma obra de interesse público.
Ao mesmo tempo, a atualização do principal instrumento para ditar como será o desenvolvimento urbano da cidade nos próximos 10 anos também impôs uma proteção à Comunidade do Pilar, situada no Bairro do Recife, tornando-a uma Zeis. “Antes era uma preocupação nossa; mas em alguma medida o Pilar agora está mais protegido por ter virado Zeis. Só que o próprio plano diretor que a instituiu assim dá uma flexibilização à proteção dessas zonas. Por exemplo, a prefeitura pode dizer que fará uma obra de interesse público e desapropriar”, alertou o arquiteto e urbanista e membro do Conselho da Cidade Vitor Araripe.
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Exemplos da mudança que já acontece na região, aprovados mesmo antes do Recentro, estão no Cais de Santa Rita e Cais José Estelita, por meio do projeto Novo Recife. Os armazéns 16 e 17 serão transformados em um centro de convenções com área de 15 mil m² e estacionamento de 230 vagas. Também é erguido um hotel-marina de quatro estrelas e 240 leitos e uma marina que vai comportar 180 barcos, com capacidade de veleiros de até 70 pés. Segundo apurou a coluna Mobilidade, que criticou a falta de um plano de circulação para a área, o orçamento de todo complexo é de R$ 150 milhões, com previsão de conclusão para setembro de 2023.
Ao JC, a Prefeitura do Recife disse que, para facilitar o conhecimento sobre critérios para reforma e construção de imóveis na área que abrange o Programa Recentro, “o Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS), por meio da Gerência Geral de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC), vem elaborando fichas técnicas com parâmetros urbanísticos a serem observados, levando em consideração as características do conjunto edificado (gabarito, material de acabamento, ritmo de aberturas, volumetria, coeficiente de aproveitamento, taxa de solo natural, entre outras) por quadra”. Sem informar prazo, a Prefeitura disse que as fichas serão disponibilizadas ao público através do Portal de Licenciamento Urbanístico, facilitando o acesso às informações por parte dos atores interessados.
Déficit habitacional pode ser diminuído?
Uma das principais apostas do Recentro é a revitalização das centenas de imóveis já existentes e que hoje estão em processo de decadência, enquanto 71 mil famílias na cidade moram em lugares impróprios ou não têm onde morar. O estudo “Moradia no Centro: da reflexão à ação”, feito pela ONG Habitat Brasil, apontou que, de 112 analisados , 37,5% edifícios no bairro de Santo Antônio estão ociosos, ou seja, totalmente desocupados ou com menos da metade de sua área ocupada, e que na área onde estão poderiam ser implantadas 2.106 unidades de habitação popular, medida que atacaria parte do gigante problema do déficit habitacional no Recife.
“Temos que criar estratégias de fixação da população residente, que não pode ser expulsa por processo de enobrecimento, porque todas as vezes que há um processo muito qualificador do espaço urbano, acaba tendo como consequência um aumento no preço dos aluguéis e dos imóveis. É preciso criar programas de habitação social e prioritariamente por meio da reabilitação dos imóveis ociosos existentes, porque poderíamos resolver simultaneamente uma questão social, habitacional e de qualificação do patrimônio histórico. Mas o que se faz geralmente é construir imóveis novos, como o Habitacional do Pilar”, disse Iana.
Atualmente, o Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS) faz levantamento para saber quantos imóveis do Centro da cidade estão ociosos. A Prefeitura do Recife informou ter dado início ao estudo de Parceria Público-Privada (PPP) para habitação social, com o objetivo de ofertar, no mínimo, 450 unidades habitacionais prioritariamente na área central, voltadas para famílias com renda máxima de três salários mínimos.
Revitalização dos imóveis em desuso. É possível?
Com o intuito de atacar o desuso de imóveis, o Recentro concedeu desconto de 100% no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para recuperação total, de 50% para reparos e manutenção por 5 anos para uso não residencial, e 8 anos para residencial. Já os programas de habitação popular terão isenção por 10 anos. Para recuperar imóveis nas Zonas Especiais de Preservação Histórica (ZEPHs) e instalar hotéis e atividades culturais, comunitárias e educacionais, e negócios voltados à beleza e à higiene pessoal, a alíquota do Imposto Sobre Serviços (ISS) será reduzida de 5% para 2%. Também haverá isenção total do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI).
Só que para a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi), é preciso mais que esses incentivos para que as reformas em imóveis sejam adotadas em larga escala no Centro, porque reabilitar unidades imobiliárias é um mecanismo “complexo e caro”, que pode não ser quisto a depender do custo. “Esse processo envolve uma série de análise, técnicas construtivas. No Centro tem imóveis com situação documental complexa, que precisam de regulações fundiárias. Essa é uma situação estrutural gravíssima, fazendo com que se gaste mais com uma intervenção do que para uma nova construção”, pontuou Sandro Guedes, consultor urbanístico da Ademi.
Por enquanto, segundo Sandro, o setor não vem focando energias no Centro do Recife, devido à “demora na aprovação do projeto da outorga onerosa” - cujo projeto foi enviado em 7 de fevereiro. O mecanismo permitirá a construção de edifícios acima da altura máxima prevista desde que uma contrapartida seja paga. O projeto ainda falta ser enviado pela Prefeitura do Recife à Câmara dos Vereadores, que deve acontecer até o final de fevereiro. “O setor olha para o Recentro com bons olhos, mas o mercado está focado em coisas mais urgentes, que tiram um pouco o foco disso, já que estamos há um ano sem poder licenciar novos projetos. Além disso, levam anos para saírem do papel, então só devemos ver mudanças no Centro muito a frente”.