URBANISMO

Infraestrutura precária e abandono fazem a Rua Imperial, no Centro do Recife, contradizer o próprio nome

Criada nos tempos do conde Maurício de Nassau, Rua Imperial acompanhou degradação do Bairro de São José. Problemas de infraestrutura são frequentes, enquanto imóveis estão em intenso estado de depredação

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Katarina Moraes

Publicado em 09/01/2022 às 8:00 | Atualizado em 09/01/2022 às 17:02
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O que vem à mente ao pensar numa Rua chamada “Imperial”? Para a que fica no Centro, o nome remonta à história do Recife, já que a via de 2,3 quilômetros foi criada nos tempos em que o conde João Maurício de Nassau comandava a província de Pernambuco. Só que junto à maré do esquecimento que inundou o Bairro de São José nas últimas décadas, o título da rua que desemboca no Bairro de Afogados tornou-se um jocoso paradoxo do próprio significado, já que a “Imperial” escancara problemas de infraestrutura, de trânsito e sanitários que a colocam longe do luxuoso título que leva.



Hoje, a Imperial é basicamente reservada aos veículos automotivos. Não há ciclovia ou ciclofaixa, as calçadas são esburacadas e estreitas e nem só uma linha de ônibus passa por ela, segundo o Consórcio Grande Recife de Transportes. Mas não quer dizer que a avenida que liga o Centro à Zona Oeste é ideal para os carros - pelo contrário, é conhecida pelos constantes alagamentos que dificultam o trânsito. “Choveu, fica desse jeito. Isso vem de muitos anos e de muitas gestões. A gente que tem um veículo é capaz de perder o motor”, disse o motorista Jair Lopes, de 60 anos.

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Motorista Jair Lopes, de 60 anos, enfrenta alagamentos constantes na Rua Imperial - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

A reportagem do JC visitou a via em uma manhã de sol posterior a uma madrugada de chuvas. Na maior parte do Centro, a água já havia escoado por completo, exceto na Imperial. Nela e em algumas das ruas transversais o alagamento formava engarrafamentos. Segundo o especialista em recursos hídricos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Jaime Cabral, isso acontece pela rua ser naturalmente “muito baixa e com pouca declividade para a água escoar”, uma “característica que não se pode modificar”. No entanto, ele aponta que “o sistema de drenagem é precário e pode ser melhorado”.

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Alagamento na Rua Imperial, no bairro de São José, Centro do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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ROTINA RUIM Basta chover um pouco para a rua ficar alagada e complicar o trânsito. Muitas vezes, alagamentos ocorrem mesmo sem chuva - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Alagamento na Rua Imperial, no bairro de São José, Centro do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

As origens da Imperial também explicam parte do problema. O historiador Leonardo Dantas Silva, referência quando se trata de Pernambuco, explica em seu livro “Arruando pelo Recife” que a Rua teve origem de um “longo aterro construído ao tempo de Nassau, que servia de ligação entre as fortalezas Frederico Henrique (onde fica o Forte das Cinco Pontas) e Príncipe Guilherme (em Afogados)”. Mas o chamado “dique dos Afogados” foi arrastado pelas águas, até ser substituído por um aterro mais largo. Só em 1787, ganhou melhoramentos até sua urbanização definitiva.

Por nota, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) afirmou que “já possui um projeto concluído de drenagem para a via e que busca recursos para executar a obra”, sem dar mais detalhes.

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Alagamento na transversal da Rua Imperial, São José, Centro do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Patrimônio ferido

Ainda hoje a Rua Imperial faz parte do roteiro do desfile do Galo da Madrugada, maior bloco de rua do mundo, e é ponto de venda de automóveis usados nas madrugadas dos domingos. Mas, assim como o restante da área central da cidade, deixou de ser endereço de prestígio para moradia e sede de multinacionais. Agora, quem vai de uma ponta a outra da via se depara com uma série de imóveis desocupados, lojas fechadas e poucos pontos residenciais - a maioria que ainda existe, é de moradia precária. 

O comerciante Vilbert da Costa, de 73 anos, há mais de 30 anos possui uma loja de autopeças na Rua Imperial, e acompanhou bem as mudanças da rua. “Morei durante oito anos aqui. Era mais tranquilo, tinha vendas, padarias, o que fazia com que ela fosse mais movimentada”, relatou.

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Imóveis abandonados na Rua Imperial, no bairro de São José, Centro do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Imóveis abandonados na Rua Imperial, no bairro de São José, Centro do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Imóveis abandonados na Rua Imperial, no bairro de São José, Centro do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

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Os moradores e as grandes empresas se foram, esvaziando edificações construídas na transição entre os séculos XIX e XX, com diferentes estilos que variam do Art déco à arquitetônicos modernos, que estão em acelerado processo de degradação. “É uma pena, porque a Imperial tem muita história e memória para a cidade. É um caleidoscópio da ocupação do Recife, com remanescentes de construções significativas de diversos repertórios e estilos arquitetônicos”, pontuou o arquiteto e urbanista Roberto Salomão, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo em Pernambuco (CAU-PE).

No início da Rua, o casarão que abrigava a Escola Estadual Sérgio Loreto é um exemplo, ao ter virado um ponto de uso de drogas e ao estar entregue ao vandalismo. A casa teve o muro parcialmente derrubado, e o interior danificado. Até então, somente as imediações da Matriz de São José estão inclusas em um Setor de Preservação Rigorosa estabelecido pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Atualmente, o Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS) faz levantamento para saber quantos imóveis do Centro da cidade estão ociosos.

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Antiga Escola Estadual Sérgio Loreto, no começo da Rua Imperial, está abandonada - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

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"Ainda há tempo"

Já houve uma mobilização na gestão do prefeito João Paulo para recuperá-la, mas o Plano de Reabilitação Integrada e Conservação Urbana da Rua Imperial, que previa residenciais, incluindo habitações populares, comércios e serviços, nunca foi à frente. À época, foi levantado que a via tinha 450 mil metros quadrados de potencial construtivo. Agora, a aposta da Prefeitura do Recife é em uma reestruturação ampla dos três bairros do centro histórico, Recife, Santo Antônio e São José, por meio do Programa Recentro, que concede descontos e isenções de impostos para construção e recuperação de imóveis na área.

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Imóveis abandonados na Rua Imperial, no bairro de São José, Centro do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Todavia, ainda não está claro quais critérios serão utilizados para ocupação do Centro do Recife - o que ainda acende o alerta para a preservação do patrimônio histórico. “Vejo com muita esperança essa oportunidade de ter de volta um gabinete que venha a se preocupar e a olhar permanentemente para o Centro e definir ações específicas para ele. A preocupação é que a pressão para destruir e construir em cima faça com que venhamos a perder essa paisagem da Imperial, que já está bastante prejudicada e comprometida pelo abandono. Mas ainda dá tempo de ser resgatada; digamos que está no último sopro de vida, precisando de um investimento significativo”, concluiu Salomão.

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