No pequeno município de Vicência, na Zona da Mata de Pernambuco, a 87 quilômetros do Recife, o Papai Noel é figura secundária: é a família Gomes de Araújo que é a mais esperada às vésperas do Natal.
A tradição iniciada há quase 35 anos ainda leva, anualmente, o que todos os moradores das comunidades ribeirinhas da cidade deveriam ter garantido: direito à alimentação e ao lazer.
Tudo começou com a matriarca Josefa Gomes, que distribuía há mais de três décadas entre dez e quinze bonecas para as crianças que acompanhavam os pais nas compras do frigorífico da família. Faleceu cedo, mas deixou com o marido o espírito de solidariedade natalina.
Quando o calendário apontava a chegada de dezembro, João Coutinho, hoje com 95 anos, se vestia de bom velhinho, colocava os filhos em uma caminhonete e saia pelas ruas da cidade entregando doces e chamando os pequenos a se divertirem em frente à sua casa. Lá, fazia brincadeiras e distribuía presentes, doados por amigos e conhecidos.
Aos poucos, os oito filhos - José Carlos, Pedro, Paulo, Socorro, Ceça, João, Fernando e Francisco - foram se envolvendo ainda mais na ação, que ficou cada vez maior e não parou nem mesmo na pandemia da covid-19 ou com a morte de um deles, Fernando.
“Meu tio era muito presente nessa ação, mas faleceu em 2019 em um acidente de trânsito. O que nos manteve em pé foi saber que ele quer que continuemos”, disse a neta de seu João, Nina.
As necessidades nos últimos tempos, contudo, mudaram. Em vez de brinquedos, são distribuídas, hoje, cestas básicas - neste ano, foram 342. “Ele dava só umas lembrancinhas. Depois entramos com cesta básica, lanches e presentes”, contou o pai de Nina, Francisco de Assis. “Teve um ano que levei 20 colchões e vi o pessoal trocar por cestas. Então, esse ano só levamos cestas”, disse.
Empresário do ramo de automóveis no Recife, Francisco recebe os mantimentos de outros empreendedores e leva até a terra da família. “O custo é um pouco alto, então temos apoio de muitos amigos que participam com doações”, falou Francisco.
Um dia antes do Natal Solidário dos Gomes de Araújo, ele bate de porta em porta nas comunidades mais pobres de Vicência para saber do que cada um precisa e faz a entrega de senhas. No domingo, então, elas vão até a Escola Municipal, cujo ginásio é disponibilizado para a distribuição das cestas.
“Meu avô fazia algo menor; ao longo do tempo foi tomando uma proporção maior. Hoje é muito gratificante, junto com a mobilização das pessoas. Desde que me conheço por gente, escuto sobre essa ação do meu avô”, disse Nina.
“Minhas lembranças são de gratidão. É muito bacana ver a alegria no olhar de cada criança e de cada família. infelizmente não conseguimos acabar com a fome de todos, mas tentamos dar um pouco de conforto para um Natal a elas”, concluiu.
Apesar da ação não ter mais a participação do patriarca, pela idade avançada dele, segue sendo tão certa como a ceia de Natal. “Quem faz isso não somos nós, somos escolhidos para distribuir”, afirmou seu Francisco de Assis, numa humildade que transparece no nome que carrega.