Há mais de dez anos, está engavetado o projeto do Instituto Praia Segura que propunha a instalação de redes de proteção contra a chegada de tubarões até a beira das praias com mais risco de incidentes no Grande Recife. Mesmo longe de ser a solução do problema, foi visto pelo poder público, à época, como uma das medidas para evitar novos casos.
O plano é discutido desde 2006 pelo Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit), mas voltou a ganhar o debate após a morte da turista paulista Bruna Silva Gobbi, 18, mordida próximo ao Edifício Anabella, na orla de Boa Viagem, em 2011.
As telas, entre 100 a 200 metros, seriam instaladas em pequenas mais perigosas das praias de Boa Viagem, no Recife, e de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, e aguentariam até uma tonelada de impacto.
Elas permitiriam um “quadrado de proteção”, que impediria a entrada dos tubarões - sem machucá-los - ao mesmo tempo que permitiria os banhistas de curtirem a praia e os surfistas de praticar o esporte sem preocupações.
A tecnologia foi desenvolvida pela ONG inspirado pelo modelo utilizado em praias de Hong Kong, na China, que já não registram "ataques" há mais de 20 anos e aprovada pelo Cemit, instância do Governo de Pernambuco que coordenou, até 2015, estudos e monitoramento com as espécies.
Contudo, por questões burocráticas, o último teste não foi colocado em prática, segundo o Praia Segura. "Foram colocadas muitas exigências em um simples teste, o que dificultou a operacionalização do projeto em tempo hábil", explicou o advogado e presidente da ONG, Sérgio Murilo.
Em 2013, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) chegou a emitir uma recomendação pedindo pela implementação das redes, mas não foi cumprida.
Doze anos e dezoito incidentes após, o Praia Segura cobrou, nesta terça-feira (7), que a ideia saia do papel, junto a investigações sobre o que pode ter provocado os três casos registrados em menos de um mês no litoral do Estado.
Sérgio afirmou que entregará gratuitamente o projeto para a governadora Raquel Lyra (PSDB). "Sai muito mais barato do que o tratamento de saúde que o estado está dando às vítimas. É um trabalho preventivo. Temos que pensar que cada ataque desse tem um prejuízo humano e de imagem, porque mais uma vez Pernambuco foi noticiado pelo mundo dessa forma", opinou.
O geólogo Fábio Pedrosa, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), apontou que essa pode ser uma das medidas tomadas para dificultar a aproximação dos animais dos banhistas. "É muito difícil, a essa altura, reverter o nível de risco ao qual estamos expostos. O que cabe fazer é diminuir a vulnerabilidade à população que vai a praia", disse.
Já o então secretário de Defesa Social de Pernambuco, Wilson Damázio, disse ao G1, em 2013, que o repasse da verba para instalação das telas chegou a ser feito para a ONG, mas que ela não cumpriu exigências. "Além disso, faltavam as licenças dos órgãos ambientais e pedimos [ao Instituto] um projeto executivo mais robusto”, explicou.
O Praia Segura disse que houve, sim, a transferência de parte dos recursos, porém sem ter havido "sequer a assinatura de convênio entre as partes", e que só soube do depósito meses depois pelo gerente da instituição bancária. Depois disso, as tratativas não avançaram.
O JC entrou em contato com o MPPE e com o Governo do Estado para que comentem a proposta, mas não foi respondido até o fechamento da matéria.
POR QUE TUBARÕES TÊM MORDIDO BANHISTAS EM PERNAMBUCO?
Além da proposta, o Instituto Praia Segura também cobra uma investigação sobre o que pode ter motivado casos com um curto espaço de tempo entre um e outro na costa de Pernambuco. Por isso, pede a análise das dragagens do Porto do Recife (feita em 2022) e em um canal próximo à Barra de Jangada.
Isso porque, segundo a ONG, os sedimentos que ficaram em flutuação podem ter atraído tubarões em busca de comida para perto da população.
"Tem um verdadeiro deserto marinho nas praias urbanas, onde os peixes não encontram alimentos. Com a dragagem, vários sedimentos foram trazidos para a praia, como caranguejo, que serve de alimentação para o tubarão", disse.
Mas a problemática do Estado com os tubarões vai além. Segundo Fábio Pedrosa, é uma conjunção de fatores, entre eles, a topografia submarina da região, que possui um "canal natural" onde os animais ficam presos quando a maré abaixa.
Outro é a proximidade dos portos de Suape e do Recife. "Eles são predadores extraordinários, com olfato aguçadíssimo, então se aproveitam do rastro de lixo orgânico que vai sendo despejado pelos navios em suas rotas oceânicas,"
COMITÊ DE INCIDENTES COM TUBARÃO DESAPARELHADO
Há anos, o JC denuncia o desemparelhamento do Cemit. Sem mais monitoramento de tubarões, o órgão se restringiu, praticamente, à função de resgate. A presença de salva-vidas nas praias era pouca, placas informativas eram constantemente degradadas e a criação de novas políticas públicas foi nula.
O resultado disso foram novos casos. Em 20 de fevereiro, o surfista André Sthwart Luiz Gomes da Silva, de 32 anos, foi mordido na Praia dos Milagres, em Olinda. Ele recebeu alta hospitalar em 1º de março e se recupera em casa.
Em 5 de março, um adolescente de 14 anos foi alvo do animal em uma região proibida para banho, na altura Igrejinha de Piedade, também em Jaboatão. Ele chegou ao hospital no último domingo (5), onde teve a perna direita amputada devido à gravidade dos ferimentos.
Já em 6 de março, uma adolescente de 15 anos, teve o braço esquerdo arrancado pelo animal ainda no mar. Ela foi mordida em uma área permitida para banho, na Praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife. Ambos estão internados em estado estável.
Diante disso, o Governo de Pernambuco anunciou que ele será transferido da responsabilidade da Secretaria de Defesa Social (SDS-PE) para a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco (Semas), e que retomou a parceria com universidades para voltar a estudar o assunto.
Assim, de acordo com o presidente do Cemit, o coronel Robson Roberto, o assunto "saiu de um campo da segurança publica para um bem maior, envolvendo agentes técnicos do estado e do município para debater o tema de forma setorial e ampla, trazendo varias mãos para a mesa", disse.
INCIDENTES COM TUBARÃO EM PERNAMBUCO
Os três incidentes em menos de um mês no Estado entraram para as estatísticas do Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (CEMIT), que contabiliza 77 ocorrências desde 1992, sendo 67 no continente e outras 10 no arquipélago de Fernando de Noronha.
O Estado está sem realizar o monitoramento da costa pernambucana para acompanhar o comportamento dos tubarões desde 2014. O governo estadual tinha uma parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), mas foi cancelada.
Diante da frequência dos ataques, o governo do Estado se comprometeu a retomar o monitoramento, mas não informou datas nem detalhou como fará.
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