Quase 3.400 crianças e adolescentes esperam por uma família adotiva no Brasil. Vivendo em casas de acolhimento espalhadas pelo País, elas deixaram a convivência com os pais biológicos e sonham com um novo lar. Nesta quinta-feira (25), comemora-se o Dia Nacional da Adoção, sancionado pela Lei nº 10.4447/2002. A data serve para discutir o tema, fazer um balanço dos avanços e apontar os desafios.
O último levantamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), demonstra que hoje no Brasil existem 4.380 crianças e adolescentes aptos à adoção e 33.923 pretendentes habilitados. Isso quer dizer que a cada 100 crianças disponíveis, o País tem 774 pretendentes habilitados a adotar.
Se existem mais pais interessados em adotar do que crianças na fila de adoção, porque a conta não fecha? Esse descompasso acontece por vários fatores. Um deles é a preferência por crianças mais novas. No Brasil, dos 33.923 pretendentes habilitados, apenas 93 aceitam adotar crianças e adolescentes na faixa etária de 14 a 16 anos, ou seja, 0,27%. Em Pernambuco, a situação é um pouco melhor para essa faixa etária, mas também é preocupante. Dos 850 pretendentes inscritos no SNA, 23 aceitam adotar crianças e adolescentes nessa faixa etária, o que corresponde a 2,7%.
O perfil preferido dos pretendentes no Brasil, quando se fala de idade, é de crianças entre dois e quatro anos. Do total de pretendentes habilitados, 10.962 preferem adotar crianças nesta faixa etária, o que corresponde a 32,3%. A opção é seguida da escolha por crianças entre quatroe seis anos, o que corresponde a 10.514 e a um percentual de 30,9%.
As estatísticas apontam que, após os 16 anos, ser adotado no Brasil é quase impossível. No País, dos 33.923 pretendentes habilitados, apenas 92 aceitam adotar adolescentes acima dos 16, o que significa 0,27%. Em Pernambuco, a estatística ainda é pior. Dos 850 pretendentes habilitados, inscritos no SNA, apenas um aceitaria adotar, o que corresponde a 0,11% do total.
Os dados mostram que a preferência dos pretendentes habilitados à adoção no País está na contramão da realidade dos serviços de acolhimento, onde um terço das pessoas disponíveis têm idades entre 14 e 16 anos. Do total de 4.380 crianças e adolescentes aptos à adoção no Brasil, 1.453 estão nesta faixa etária.
Prestes a completar 21 anos de magistratura e tendo dedicado quase todo esse período à Vara Privativa da Infância, a juíza Hélia Viegas, coordenadora da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), pontua que ao longo dos anos o Judiciário pernambucano vem sendo pioneiro, por meio do lançamento de programas, ferramentas e cursos para aprimorar o processo no Estado e aumentar o número das chamadas 'adoções tardias' ou 'necessárias' (de adolescentes).
"Alguns projetos que criamos foram adotados por outros Estados do País e até mesmo pelo CNJ. Uma das ações que tomamos foi estabelecer que os pretendentes à adoção participem de um curso de formação, que é uma exigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. O curso é oferecido pelo Judiciário gratuitamente, assim como todo o processo de habilitação", explica a juíza.
Outra ação para tentar contar a história de crianças e adolescentes de faixa etária mais elevada e sensibilizar os pretendentes adoção foi a implantação do Projeto Família: um direito de toda criança e adolescente. "Foi mais um projeto pioneiro do TJPE, que começou em 2009, numa época em que as redes sociais ainda não estavam propagadas. Nós enviávamos, por e-mail, fotos e um pouco da história das crianças e adolescentes disponíveis à adoção para que os pretendentes habilitados pudessem conhecer", conta a juíza Hélia.
Em 2016, com a explosão das redes sociais, o programa foi aprimorado e passaram a ser realizadas buscas ativas. A ferramenta permite contar a história de crianças e adolescentes e dar rosto e voz a cada um deles. De acordo com a coordenadoria da Infância e Juventude do TJPE, a iniciativa já promoveu 200 adoções no Estado até o momento.
A iniciativa do Judiciário pernambucano foi replicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir de maio de 2022, que lançou a ferramenta busca ativa no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), regulamentada por meio da Portaria nº 114/2022. a proposta é ajudar mais de 2 mil crianças e adolescentes em todo o País, que apesar de acolhidos e aptos à adoção, não encontram pretendentes habilitados.
“Não queremos com esse projeto tentar mudar o direito de escolha do pretendente, de forma alguma. Todos têm o direito de escolher o filho de acordo com suas expectativas, vivências e projeções, mas ao desenvolver esse projeto tentamos ampliar a sua possiblidade de escolha. Muitas vezes quebramos paradigmas, criamos laços de afeto e amor antes inimagináveis pelo simples fato do conhecimento de uma história de vida ou de um rosto que traz sentimentos de ligação inexplicáveis”, pontua a coordenadora.
Pai por adoção e oordenador da Infância e Juventude de Pernambuco entre 2010 e 2020, o presidente do TJPE, desembargador Luiz Carlos Figueiredo, comemora o trabalho realizado pelo Tribunal, mas destaca que ainda há muito o que fazer.
"Precisamos melhorar muito ainda, mas instituímos e implementamos ações há algum tempo que têm conquistado resultados importantes hoje no campo da adoção. São projetos pioneiros que têm dado mais visibilidade à criança que vive na instituição de acolhimento, que contribuíram para acelerar o trâmite processual para adoção de crianças e adolescentes que estão nessas instituições e têm intensificado a propagação de informações que desmistificam a adoção de crianças mais velhas, por exemplo", reforça
O desembargador também comenta a importância de do trabalho realizado pelos grupos de adoção do Estado junto ao Judiciário, a exemplo do Grupo de Apoio à Adoção do Recife (Gead Recife) e da Associação Pernambucana de Grupos de Apoio à Adoção (Apega).
"Não podemos esquecer do papel determinante dos grupos de adoção do Estado junto ao Judiciário. Manter o patamar que alcançamos hoje é um desafio diário, buscado por meio da avaliação constante do que está sendo feito, do que pode ser melhorado e de que forma podemos inovar e conseguir um melhor resultado”, afirma.
O processo de adoção foi avançando ao longo da história no País. A Constituição de 1988 garantiu aos filhos adotados os mesmos direitos de filhos legítimos. Em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as regras de adoção foram aprimoradas, facilitando o processo para adotantes e adotados.
Criado em abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção permitiu ampliar o processo, por meio de uma ferramenta que ajudava juízes das varas de infância e da juventude a cruzar dados e localizar pretendes para adotar crianças aptas à adoção. O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) foi criado em 2019 e nasceu da união do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA).
Em 2019 consolidou-se o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), que permite ter uma visão geral da adoção no Brasil, garantindo amplitude ao processo, disseminando as políticas e disponibilizando dados estatísticos.
Para além de todos os avanços, um dos desafios é fazer entender que a adoção não é um Plano B e que as famílias precisam estar abertas a adotar crianças e adolescentes com os mais diversos perfis, sabendo que foram privados do convívio com a família biológica por várias razões (falta de condição financeira, maus-tratos, abusos e tantas outrs questões) e que estão em busca de amor e de uma perspectiva de futuro.
“Adoção é ato de amor, não de caridade. Adoção, como ato de filiação, que gera todas as responsabilidades inerentes ao poder familiar, implica o dever dos pais pela adoção dar não só o amor, mas garantir educação, saúde, alimentação e, no caso específico dos filhos pela adoção, estarem preparados também para acolher nas demandas e dores vivenciadas pela criança ou adolescente quando na sua família biológica”, destaca a juíza Hélia Viegas.
A professora universitária Eneri Albuquerque queria ter filhos, mas não engravidava. Já fazia 10 anos que estava casada com Paulo, mas a maternidade não chegava. Decidiu ir em busca dela. Junto com o marido, decidiram adotar. "Queríamos adotar meninas, independente de etnia e sem problemas de saúde", conta a professora, que teve a sorte de adotar duas menininhas quando elas tinham menos de um ano de idade.
"Fizemos todo o processo na Vara de Recife, responsável por adoções. Naquela época não existia o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. (SNA). Como elas chegaram com menos de um ano de idade, não foi demorado o tempo de espera para que viessem morar conosco. Como eram bebês não tivemos os desafios da adaptação", recorda.
Hoje Luana e Maria Luiza já são adultas. Com 24 anos, Luana é arquiteta. Maria Luiza tem 29 anos e é professora de inglês. "Dizemos a todo mundo que deseja adotar, que vale a pena, é uma experiência de muito aprendizado e crescimento pessoal para todos da família, quer seja a família nuclear, quer seja a família extensa", diz Eneri, que continua provando que adoção é amor, participando dos grupos de adoção Gead Recife e Apega.