Habitação

Desabamento no Janga foi mais um pedido de socorro para prefeituras e Governo olharem políticas habitacionais

Desabamento de um prédio no Conjunto Habitacional Beira-Mar vitimou 14 pessoas e deixou outras sete feridas

Carol Guerra
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Carol Guerra
Publicado em 14/07/2023 às 20:34 | Atualizado em 14/07/2023 às 20:37
RENATO RAMOS/JC IMAGEM
Justiça determina a demolição do bloco D7 do Conjunto Beira-Mar, que desabou e matou 14 pessoas, no Janga - FOTO: RENATO RAMOS/JC IMAGEM

O desabamento de um prédio do Conjunto Habitacional Beira-Mar - que resultou na morte de 14 pessoas -, alertou, mais uma vez, para um problema que não é novidade: o déficit habitacional e problemas relacionados à ausência de políticas públicas que assegurem a vida dos moradores.

De acordo com a Organização Habitat para a Humanidade, o déficit habitacional é o índice que mede a quantidade de famílias que vivem em condições precárias, em coabitação, com muitas pessoas no mesmo imóvel ou que precisam destinar mais de 30% da renda para pagar o aluguel.

BRUNO CAMPOS / JC IMAGEM

default - BRUNO CAMPOS / JC IMAGEM

Um levantamento da Fundação João Pinheiro, que calcula o déficit habitacional no Brasil desde 1995, apontou que 5,876 milhões de brasileiros vivem nesta condição. Contudo, a pesquisa foi realizada antes da pandemia. Ou seja, o número de pessoas que se enquadram neste perfil pode ser maior.

Em Pernambuco, existe a necessidade de construção de 326 mil moradias para atender uma urgência imediata. A projeção da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e da Ecconit Consultoria Econômica é de que, até 2030, esse número aumente para 597 mil habitações.

Como explica Luís Emmanuel, coordenador do programa de Direito à Cidade do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), o déficit habitacional é vivido de forma diferente.

“A habitação social é marcada pelos fatores: mãe solo, geralmente negras ou pardas, na periferia, em locais que não tem nenhum tipo de urbanismo voltado para habitações. São lugares que estão ocupados irregularmente, pessoas que estão trabalhando na informalidade e pessoas que têm um lapso educacional muito forte”, esclarece.

CIRIO GOMES/JC IMAGEM

Resgate de vítimas após desabamento no Janga, em Paulista - CIRIO GOMES/JC IMAGEM

Com relação às políticas públicas idealizadas, Luís reforça que as medidas tomadas pelo poder público são, em sua maioria, excludentes.

“O direito à habitação e à moradia é vivido de uma forma completamente diferente, em extremos. As políticas públicas, hoje, voltadas para cidade e moradia, praticamente mantém essas pessoas na invisibilidade. A política pública, quando ela é concebida, não mantém as pessoas nas suas localidades, é o que a gente chama de gentrificação”, afirma.

Para além dos problemas sociais, a falta de moradia caminha ao lado da ausência de outras frentes, entre elas a falta de infraestrutura. Como aponta ainda a Habitat, a construção de moradias precárias - geralmente em áreas de risco - não contam com segurança ou policiamento.

Um exemplo desse caso foi a tragédia ocorrida em Paulista, na última sexta-feira (7). Antes, no dia 27 de abril, parte do Edifício Leme, em Olinda, desabou deixando onze pessoas mortas. 

A ocupação irregular dos prédios interditados também chamou a atenção para a necessidade da demolição dos imóveis que apresentam risco de desabamento. De acordo com o último levantamento do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep), realizado em 2009, a Região Metropolitana do Recife somava 226 prédios em alto risco.

Destes, 133 imóveis estavam distribuídos no Recife, 19 em Paulista, 22 em Jaboatão dos Guararapes e 52 em Olinda. De acordo com Carlos Wellington, coordenador do levantamento realizado pelo Itep, o estudo apontou os riscos, mas as gestões municipais não concluíram as etapas necessárias para restauração dos imóveis.

“A metodologia previa três etapas. A primeira delas era caracterizar e dar um grau de risco. Naquela época, 5.300 edifícios foram investigados e receberam as fichas de caracterização de grau de risco. A segunda etapa do levantamento consistia em fazer laudos dos prédios que apresentavam o maior grau de risco. Deveriam ter contratado o Itep para fazer a segunda etapa. Na terceira etapa, se os laudos apontassem para um projeto de reforço, também deveria ser feito um novo projeto, dependendo risco. Então, as prefeituras pararam na primeira etapa”, declarou.

O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (Crea-PE), Adriano Lucena, alerta para a ausência de uma definição relativa aos imóveis que apresentam riscos para a população.

“Quando você constrói um prédio, você precisa fazer reparo na parte hidráulica, reparo na parte elétrica, reparo nas fachadas. A gente não tem essa cultura. O poder público não coloca no seu orçamento um valor estimado para fazer essas manutenções. Isso tem um custo para a sociedade. No caso do prédio-caixão, essas paredes têm função estrutural. Quando você faz alguma intervenção na parede, ela muda o recebimento de carga. Além dos problemas da fundação, ela vai deteriorando a própria estrutura da parede e vai perdendo essa capacidade de receber carga”, afirma.

Lucena reforça que o Conselho tem alertado os órgãos públicos com relação aos perigos apresentados pelos imóveis interditados.

“A gente tem alertado os órgãos públicos para buscar alternativas. A primeira delas é que essas pessoas não podem morar nesses prédios. Segundo, a gente tem que ter alternativas para que essas pessoas consigam morar em um local seguro”, finaliza.

O que afirmam as prefeituras

A reportagem entrou em contato com as prefeituras da Região Metropolitana do Recife, que englobam os municípios do Recife, Olinda, Paulista, Jaboatão dos Guararapes, Itapissuma, Itamaracá, Igarassu, Abreu e Lima, Araçoiaba, Camaragibe, São Lourenço da Mata, Ipojuca e Moreno. Dos 14 municípios, apenas cinco retornaram aos questionamentos.

Recife
A Prefeitura do Recife afirmou, por meio de nota, que realizou - em 2023- mais de 4.100 vistorias nas áreas planas da cidade relativas a todos os tipos de edificações, e que 102 imóveis interditados hoje e que foram identificados com risco após as vistorias realizadas pelas equipes técnicas.

A gestão da capital comunicou ainda que muitos desses imóveis já são objetos de ações judiciais movidas pelo município para a realização das obras. Ainda segundo a prefeitura, deste montante oito encontram-se ocupados, havendo tratativas judiciais para a desocupação.

Com relação à habitação, a prefeitura do Recife informou que estão em curso na capital ações para construção de 2.500 unidades habitacionais, que estão em fase de obras, licitação e projeto.

“Estão em andamento as obras de 448 unidades do habitacional Vila Brasil, no bairro da Ilha Joana Bezerra, e 600 unidades do habitacional Encanta Moça, no Pina. O Habitacional Sérgio Loreto, no bairro de São José, com 244 unidades, deverá ser entregue até o final do ano”, informou.

Olinda
A prefeitura de Olinda informou que existe uma relação de imóveis interditados, desde 2001, que totalizam cerca de 110 unidades, com grau de risco crítico.

A Prefeitura de Olinda comunicou que, por meio de sua Procuradoria, moveu as ações cautelares para as seguradoras responsáveis pelos prédios para que realizassem a guarda e vigilância de prédios em alvenaria autoportante, os chamados “prédios-caixão”.

GUGA MATOS/JC IMAGEM

Edifício Leme desabou no dia 27 de abril, em Olinda, deixando seis mortos - GUGA MATOS/JC IMAGEM

“A medida foi determinada por meio das ações securitárias promovidas pelos mutuários de tais edifícios. A vigilância e controle destes espaços de natureza privada, evitando indevidas ocupações, é da responsabilidade das respectivas seguradoras”, afirmou.

Igarassu
A Prefeitura de Igarassu comunicou, por meio de nota, há apenas uma interdição no bloco 1A, do residencial Santa Cruz, no bairro Cruz de Rebouças, com duas famílias habitando.A gestão municipal afirmou que a equipe da Defesa Civil está providenciando a resolução do problema, com foco na segurança e na vida desses moradores.

Ipojuca
De acordo com a Prefeitura de Ipojuca, a Defesa Civil do município e a Secretaria de Controle Urbano possuem seis processos em abertos para demolição integral ou parcial de residências que estão com algum risco na estrutura, seja por problema estrutural ou em área de risco.

Ainda segundo a gestão, em todos os seis processos, os moradores já foram notificados, sendo um deles já sendo executada a obra de demolição por parte do proprietário.

Paulista
A Prefeitura de Paulista informou que está realizando um novo cronograma de vistorias. Até a última terça-feira (11), 106 imóveis foram vistoriados, desde 2007. Destes, 18 interditados fazem parte do conjunto Beira-Mar.

O que diz o Governo de Pernambuco

Na quinta-feira (13), o secretário estadual de Planejamento, Gestão e Desenvolvimento Regional, Fabrício Marques revelou que, a partir do empréstimo de R$ 1,7 bilhão obtido pelo governo de Pernambuco, em contrato de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (Finisa) assinado no dia 12 de julho, o governo tem o compromisso de entregar 50 mil moradias. O empréstimo será destinado para obras de infraestrutura em todo o estado.

 

 

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