Enquanto os dedos de Antonino Tertuliano dançam sobre as cordas do contrabaixo, dezenas de jovens artistas da Orquestra Criança Cidadã olham, admirados, a prova viva de que é possível chegar longe através da arte. Nascido no Coque, um dos bairros com índice de desenvolvimento humano mais baixos do Recife, o músico compõe, hoje, a Orquestra Filarmônica de Israel, uma das mais concorridas do mundo.
A história começou em março de 2006, quando ele tinha 13 anos e a escola onde ele estudava recebeu a apresentação de um quinteto de cordas. Ali, era o início do projeto social idealizado pelo juiz de Direito João José Rocha Targino, que passavam pelos colégios da região para convidar os pequenos a participarem.
Encantado, Antonino participou do teste de percepção ritmica e solfejo para integrá-lo e passou. Nos primeiros dois anos, tudo não passou de um hobbie. “Foram anos de experimento e de diversão com a música”, contou. Depois disso, tudo mudou. Ele escolheu que aquele seria também o seu futuro. “Tive a convicção de que iria fazer música. Após isso, foi muito trabalho”.
A orquestra deu a ele não só conhecimentos artistícos. O projeto que hoje atende 400 jovens da periferia fornece, também, auxílio psicológico, médico e alimentar na capital pernambucana, em Ipojuca e em Igarassu. Ensina também disciplina, respeito e compromisso. Um combo que rendeu — e ainda rende — muitos frutos.
O primeiro foi colhido em 2010, quando ele foi aprovado para estudar música no curso de bacharelado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e para integrar a orquestra jovem do Conservatório Pernambucano de Música. Um ano depois, contudo, a faculdade foi trancada quando ele passou no concurso para integrar a Orquestra Sinfônica de Goiania. “Foi transformador e tudo muito precoce”, disse.
Após quatro anos em Goiania, o artista decidiu voltar a estudar e foi aprovado com bolsa integral na The Buchmann-Mehta School of Music, em Israel. No ano de 2019, Antonino participou do último concerto do professor Zubin Mehta, um maestro internacionalmente renomado, após 50 anos dele à frente da orquestra. “Foi algo icônico”.
Os dois anos de graduação acabaram e o recifense partiu em busca do mestrado em 2021. Foi aceito em duas universidades, na Alemanha e na Suíça. O voo estava agendado para a segunda-feira, mas ele decidiu tentar novamente a seleção da Filarmônica de Israel na sexta-feira anterior. Depois de seis audições, ele passou e mudou todos os planos.
“Em nenhuma eu passava do primeiro estágio. Nessa eu já tinha entregue as fichas, não iria esperar tanto dessa audição. Nas outras, eu focava que devia dar exemplo ou em quem estaria me avaliando, sempre com expectativas que sobrecarregavam a minha parte artística. Nessa, foi diferente. Sem pressão. Foi um momento de: vai lá e mostra tua música”. Funcionou.
Desde então, o músico integra o corpo de membros da instituição e faz, em média, de 120 a 160 turnês por ano. Os ensaios são de domingo a domingo, cerca de 6h por dia — com a equipe ou em casa, sozinho.
GUERRA EM ISRAEL
Com a ajuda de muitas mãos, ele conseguiu vencer a primeira guerra, a da desigualdade social e de oportunidades gritante do Brasil. “Eu me sinto um privilegiado pelas pessoas que vieram na minha trajetória. Tenho muitos amigos musicistas e não musicistas que moldaram e me ensinaram a tomar decisões que fizeram eu me tornar quem eu sou”, disse.
Agora, enfrenta a segunda. Ele não estava em Israel quando a guerra contra a Palestina começou, em 7 de outubro, mas muitos de seus amigos e conhecidos sim. “Tinha um café na rua da minha casa que foi bombardeado e três pessoas morreram. Eu sempre ia nele. Não sei se já tinha visto as pessoas que morreram, mas isso mexeu comigo”, relatou.
Há conhecidos desaparecidos, mortos, feridos. Além disso, ele explica como o conflito transcende as perdas físicas e materiais. “Minha casa tem seguro, se for atingida, vou receber por tudo. Mas não é o valor em dinheiro, mas sentimental. Tenho instrumentos lá que, se eu perder, não vou conseguir outros.”
CONCERTO PELA PAZ
Neste final de semana, Antonino veio a Roma junto com 25 alunos da Orquestra Criança Cidadã para se apresentar para o Papa Francisco na conferência Charis 2023, no Concerto pela Paz. Para ele, voltar a tocar junto à escola que mudou sua vida é se “conectar com o Antonio de 2006, quando tudo iniciou e era um desafio”.
“Quando nos planejamos em fazer esse concerto, não havia guerra entre Israel e Hamas. Encorajei a ideia, ajudei a encontrar músicos russos e ucranianos e, hoje, está servindo para mim também como um apoio e levarei para Israel a mensagem de que esperamos dias melhores e que a paz prospere o quanto antes”.
A história de Antonino encantou o cineasta pernambucano Amaro Filho. Ele gravou a primeira parte do documentário “De Coque a Tel Aviv, a ascendência de um artista” em Pernambuco. A segunda estava programada para o próximo mês, em Israel, mas os planos terão de aguardar. Sem dúvidas, em breve, não só jovens músicos terão o recifense como inspiração, mas todo o mundo.