Da ocupação ao afeto: a história do Morro da Conceição

Primeiras celebrações da Festa do Morro eram organizadas pela elite pernambucana e evento de inauguração do monumento contou com 20 mil pessoas

Publicado em 03/11/2024 às 0:00

Evocar à memória o Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife, é pensar nas ladeiras e escadarias tomadas de fé, cultura e história.

Há cerca de dois meses, a capital pernambucana e todo o país viram a euforia pela Festa do Morro dar lugar ao luto. Duas pessoas morreram e 25 pessoas ficaram feridas após o desabamento do teto do santuário.

O que era uma tarde de solidariedade, com a entrega de cestas básicas para a comunidade, se tornou uma tragédia que uniu o Recife pela memória de Maria da Conceição da França Pinto, de 62 anos, e Antônio José dos Santos, de 58.

A celebração de 120 da Festa do Morro será marcada pela homenagem e acolhimento aos familiares e amigos das vítimas, mas também pela força de toda a comunidade.

O Santuário de Nossa Senhora da Conceição será reconstruído pelo Governo do Estado de Pernambuco, que firmou um termo com a Arquidiocese de Olinda e Recife para garantir o repasse dos recursos da realização das obras. A Prefeitura do Recife garantiu a remoção da estrutura do local após o acidente.

 

Junior Souza/JC Imagem
Tragédia deixou dois mortos e diversos feridos no Morro da Conceição - Junior Souza/JC Imagem

Da ocupação ao afeto

O morro, que já teve outros nomes, como Morro da Bela Vista, Morro do Bagnuolo e Outeiro da Bela Vista, incorporou ao Recife calendários festivos e religiosos, valores históricos e econômicos e um novo traçado urbano.

A região que já foi ponto de ataque holandês começou a ser ocupada com o aumento da densidade populacional e das migrações vindas do interior de Pernambuco.

De acordo com a arquiteta e urbanista Adriana Figueira, “houve no Recife um movimento contra o mocambo que tinha como objetivo realocar a população carente para áreas distantes do centro da cidade”.

Com isso, os ocupantes criaram uma relação de luta e afeto pela terra. “As pessoas ficaram lá e depois enfrentaram várias dificuldades, como não ter acesso ao esgoto ou à água”, afirmou Adriana. “A colocação da imagem veio fortalecer nas pessoas o sentimento de proteção por morarem próximas à Nossa Senhora da Conceição, fortalecendo a luta de classe, de ficar na terra e não serem expulsos”, completou.

Acervo Fundaj
Cartão postal do Morro da Conceição - Josebias Bandeira - Acervo Fundaj

Somado à construção da Avenida Norte, o Morro da Conceição foi uma das alternativas de moradia popular na capital pernambucana.

Mas a história do Morro da Conceição também se confunde com o monumento da padroeira afetiva do recifense e com o santuário. Assim, o que antes era uma área que abrigava um altar e uma capela limitados apenas por uma cerca, se tornou um povoado rapidamente.

Ao longo do tempo, os acessos às ladeiras precisaram ser construídos para garantir que os fiéis e devotos peregrinassem até a imagem da padroeira.

Acervo Fundaj
Registro de Katarina Real, em 1963, da subida ao alto do Morro da Conceição - Acervo Fundaj

“O Morro da Conceição, que, antes de 1904, era apenas o Morro da Bela Vista, passou a apresentar uma característica particular – o monumento – e, desta maneira, transformou-se em um pólo de atração, o que provocou uma crescente alteração de seu traçado”, destacou Adriana Figueira em sua pesquisa de mestrado, intitulada “A Grande Mãe”.

Na área mais alta do bairro, acontecem a festa do dia 8 de dezembro, as romarias ao longo do ano, festividades juninas, futebol, manifestações culturais e feiras.

“Inicialmente a praça era o lugar mais plano e livre, pois as encostas eram tomadas pela vegetação. Depois, quando começou a ser desmatado e ocupado por casas, não restando mais vazios, à exceção dos caminhos, como também hoje em dia, a praça permaneceu como o melhor lugar do encontro e da concentração”, explicou a arquiteta.

Durante sua pesquisa, Figueira entrevistou residentes do Morro da Conceição e pontuou que, no imaginário das pessoas e no inconsciente coletivo, a padroeira e as casas representavam o bairro.

SANTUÁRIO

Na parte mais alta do morro, para onde todas as atenções são dirigidas, está o santuário. O sítio privilegiado transformou a dinâmica da região quando foi construído, em 1904. A partir de então, o local passou a ser chamado de Morro da Conceição.

O monumento da padroeira afetiva do Recife chegou à parte mais alta do Morro para a comemoração do 50º aniversário do dogma da Imaculada Conceição e a capela foi construída dois anos depois.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Festa do Morro atrai mais de um milhão de pessoas todos os anos - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

As primeiras celebrações da Festa do Morro eram organizadas pela elite pernambucana. O evento de inauguração do monumento contou com a participação de cerca de 20 mil pessoas.

O evento atraiu devotos de todo o país e, em 1976, a Igreja Matriz do Morro da Conceição foi inaugurada. Por volta de 1980, um conjunto de acendedores de velas ao redor do monumento e o palanque festivo permanente foram construídos para abrigar a celebração.

Durante dez dias, a popular Festa do Morro da Conceição atrai mais de 1 milhão de pessoas em uma mistura de ritmos, espiritualidade e tradição.

Desde 2022, a Festa do Morro é considerada pela pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) um Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco.

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