DIVERSIDADE E INCLUSÃO | Notícia

Primeira mulher trans a participar de reality show no País busca reconhecimento em Pernambuco

Diva Menner é exemplo de mulher trans, negra e da periferia que conseguiu visibilidade nacional no mundo artístico, graças a seu talento como cantora

Por Adriana Guarda Publicado em 20/11/2024 às 8:00 | Atualizado em 26/11/2024 às 11:36

A noite daquela terça-feira, 27 de outubro de 2020, foi como um renascimento. Quando a recifense Diva Menner subiu no palco do The Voice Brasil (da TV Globo), provocou uma explosão. De quem era aquela voz, aquela interpretação, aquela extensão vocal, aquela técnica, aquela emoção? Nas audições às cegas, quatro cadeiras viraram para a primeira mulher trans, negra e periférica a participar do reality show.

A estreia, em rede nacional, estava carregada de significados. A visibilidade abria portas para outras pessoas trans. Naquela temporada do The Voice fazia apenas um ano que Diva tinha feito sua transição de gênero. Sepultava o cantor que existia até ali para trazer Diva Menner ao mundo.

SURGE UMA CANTORA

Foi um processo complexo. O primeiro desafio foi deixar para trás o menino e o homem que, de certa forma, serviam de escudo contra o preconceito e a transfobia. Até 2019 existia um cantor, um menino que começou a fazer aulas particulares de canto, aos 12 anos, pagas pela mãe, Dona Cida, e depois estudou canto lírico durante 7 anos no Conservatório Pernambucano de Música.

“Eu tive que jogar para o alto uma vida inteira que eu tinha construído para conseguir conectar meu corpo a minha alma. Ou fazia isso ou seria uma pessoa infeliz, sem alma. Desde criança eu me sentia diferente dos meus amigos e não me aceitava na condição física de homem. Eu comecei sendo gay, como a maioria das mulheres trans começa. Depois a gente percebe que não é isso também. Não é questão de sexualidade”, revela. Apesar da transformação ser física, a mudança acontece de dentro para fora.

MARCO NA TRAJETÓRIA

Diva conta que a transição provocou uma reviravolta na sua vida, como se tivesse girado uma chave. “O The Voice foi um marco na minha vida. Fui classificada até a semifinal e depois fui contratada por uma produtora de São Paulo. Morei um tempo no Rio e estou há 2 anos em São Paulo, fazendo shows, sendo convidada para atuar em filmes e espetáculos”, destaca.

A cantora comenta que há 5 anos nem se imaginava uma mulher trans nessa condição. “Recebo muitas mensagens de outras pessoas trans, perguntando como foi meu processo”. Espero que mais pessoas se inspirem na minha trajetória, porque as mulheres trans são muito marginalizadas, vulneráveis e suscetíveis à violência. As portas do mercado de trabalho se fecham para essas mulheres trans, negras e da periferia. Basta dizer que, por falta de oportunidade, as minhas amigas são prostitutas”, afirma.

Divulgação
Diva Menner é cantora profissional, com 7 anos de estudos de canto lírico no Conservatório Pernambucano de Música - Divulgação

BOLHA DE PERNAMBUCO

Apesar do sucesso que faz o centro-sul do País, Diva lamenta a falta de reconhecimento na própria terra natal. “Dei de cara com muitas portas fechadas no Recife em 2020 e 2021, mas entendo que eram anos de pandemia, difíceis para o mundo artístico, mas depois o circuito continuou fechado para mim. Nas festas de Carnaval, São João e outros eventos só são contratados os mesmos artistas”, critica. Ela ressalta que o público LGBTQIAPN+ é grande e consome, justificando a presença de artistas da comunidade nos palcos.

Diva diz que Pernambuco se mostra mais preconceituoso do que outros estados. Sou uma artista nordestina, preta, travesti e periférica, vinda de baixo e lutando para me destacar. Aqui em São Paulo, percebi que meu trabalho é mais valorizado. Não que não tenha preconceito, mas é diferente. É difícil ver que, muitas vezes, os próprios conterrâneos não reconhecem o talento local. Essa mentalidade colaborativa ainda falta em Pernambuco, o que prejudica a diversidade e o surgimento de novos talentos”, defende.

RÉVEILLON DO RECIFE

Um dos desejos de Diva Menner é celebrar o ano novo no réveillon do Recife. O empresário da cantora chegou a procurar a Prefeitura para sugerir o nome da cantora como atração, mas não deu resultado. Diante da negativa, a comunidade LGBTQIAPN+ está preparando sua própria festa: a Virada Transforma Pride, um braço do festival para a comunidade, que acontece anualmente. A proposta é trazer Diva Menner para turbinar a passagem de ano.

Entregar o palco para Diva brilhar é brindar a diversidade, é desmantelar o racismo, é dar chance ao belo, é dar visibilidade a uma cantora profissional, fabulosa. Só quem nunca ouviu Diva Menner desconhece o que queremos dizer.

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