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Com auxílio emergencial prorrogado, candidatos já tentam 'pegar carona' em programa para turbinar campanha

Especialistas, porém, avaliam que apenas se associar ao auxílio não será suficiente para decidir a eleição

Marcelo Aprígio
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Marcelo Aprígio
Publicado em 01/09/2020 às 18:36 | Atualizado em 02/09/2020 às 0:00
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Criado em abril, o auxílio estava previsto para durar apenas três meses. Porém o governo decidiu prorrogar o programa até dezembro, mas com um valor menor, R$ 300 - FOTO: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
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Moldado à revelia do Palácio do Planalto, o auxílio emergencial de R$ 600 tornou-se o maior programa social de um governo que chegou ao poder com a promessa de reduzir o tamanho do Estado, mas precisou socorrer milhões de pessoas que, de um dia para outro, ficaram sem renda. Além de mitigar a catástrofe econômica, o benefício impulsionou a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em meio à pandemia do novo coronavírus e a poucos meses das eleições municipais. Criado em abril, o auxílio estava previsto para durar apenas três meses. Diante deste cenário, porém, o governo decidiu prorrogar o programa até dezembro, mas com um valor menor, R$ 300

A decisão foi tomada nesta terça-feira (1º), após reunião entre Bolsonaro e líderes partidários no Palácio da Alvorada, e entrará em vigor com a publicação de uma Medida Provisória.

Para André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a medida deve ajudar a sustentar o consumo nos próximos meses e aliviar a queda do Produto Interno Bruto (PIB) no ano. “A prorrogação do auxílio deve dar um impulso no consumo das famílias e na atividade de comércio e indústria, o que ajudará a diminuir os impactos negativos sobre o PIB, que teve sua maior queda desde 1996 no segundo trimestre”, afirma ele, se referindo à retração de 9,7% observada no indicador entre abril e julho.

De acordo com Braz, até o fim do ano, o programa deve fazer circular cerca de R$ 100 bilhões, o que representa cerca de 1,4% do PIB nacional. Ele explica ainda que a porcentagem de impacto foi calculada com base no acumulado do PIB brasileiro nos últimos quatro trimestres, de R$ 7,2 trilhões. “Apesar disso, a despesa extra pode levar o governo a causar um rombo inédito nas contas públicas próximo a R$ 1 trilhão em 2020”, diz André Braz.

De acordo com projeção feita a partir de números fornecidos pela Caixa e pelo Ministério da Economia, a liberação de cada uma das próximas parcelas de R$ 300 deve ter custo de ao menos R$ 25 bilhões. O valor total do programa deve ficar próximo a R$ 360 bilhões, o maior gasto do governo na pandemia.

Na avaliação de especialistas, a extensão do auxílio emergencial não trará apenas um novo impacto na economia brasileira, mas poderá mexer com a disputa eleitoral deste ano, quando candidatos mais alinhados ao bolsonarismo tentarão pegar carona na medida anunciada pelo presidente.

“O auxílio emergencial está permitindo que Bolsonaro tenha um crescimento, sobretudo, no Nordeste, e isso tem sido notado por vários candidatos que já ensaiam uma associação com o programa e com o presidente", frisa o professor e cientista político Arthur Leandro, afirmando que postulantes a uma cadeira de vereador tendem a ser mais beneficiados que aqueles que disputam prefeituras.

Avaliação parecida faz a cientista política Priscila Lapa. Segundo ela, ganhos de rendimento são aspectos que tradicionalmente influenciam na decisão do voto. É o chamado voto econômico. Para se ter noção do tamanho do auxílio emergencial, só em Pernambuco, mais de 3,5 milhões de pessoas foram beneficiadas pelo programa. No Estado, somados os valores repassados chegam a R$ 10,4 bilhões, o que representa 5,8% do distribuído em todo o Brasil.

“A capacidade de o candidato conseguir associar o seu nome ao auxílio [emergencial] pode ser muito positiva nas urnas, por mais que nada tenha a ver com o poder municipal”, argumenta ela, destacando a popularidade de uma medida que pode ter relativa importância nessas eleições.

APENAS AUXÍLIO NÃO BASTA

Tanto Arthur, quanto Priscila, ressaltam que isso, porém, não será suficiente para catapultar candidatos bolsonaristas aos cargos disputados. “Isso acontece, basicamente, por dois motivos: o presidente já sinalizou que não vai entrar em campo na primeira etapa do processo, e eleição municipal é sempre focada em temas locais”, diz Lapa. Em publicação na última sexta-feira, Bolsonaro disse que não irá "participar, no 1° turno, nas eleições para prefeitos em todo o Brasil", alegando que tem muito trabalho na Presidência.

Segundo Arthur, quem apostar em fazer de temas nacionais sua plataforma política na disputa deste ano pode não colher os louros nas urnas.“As pessoas vão querer discutir asfalto, se a escola está funcionando, qual a situação do posto de saúde. É esse o foco da disputa local”, pontua ele, afirmando que, com os holofotes virados para o dia-a-dia do cidadão e os problemas das cidades, a transferência de voto de Bolsonaro no pleito municipal tende a ser marginal. “Auxílio emergencial, identitarismo e ideologias podem render votos, mas isso não se aplica às eleições municipais, isso se aplica a 2022”, diz.

Adversário de Bolsonaro, o senador Humberto Costa (PT), vê melhora na aprovação do presidente em Pernambuco com o pagamento do auxílio, mas não acredita que o programa vá ajudar candidatos mais à direita na eleição. Para ele, o impacto do auxílio emergencial tem um “prazo de validade”, já que ele não se sustentará em R$ 600 até dezembro. "O auxílio não se consolidou tanto a ponto de influenciar o processo deste ano. Pelo menos, não como os bolsonaristas acreditam, porque as pessoas sabem que vai acabar em dezembro, que está com um valor muito menor e que a situação do país continua ruim", avalia.

Já na visão do vereador Renato Antunes (PSC), eleitores que rejeitavam Bolsonaro por temer perder o Bolsa Família agora aprovam o governo por ter pago o auxílio emergencial na pandemia. Segundo ele, isso pode não ser traduzido em votos para candidatos mais alinhados ao presidente, mas, certamente, é um problema para a esquerda. “Isso [o auxílio] não fortalece candidatos à direita, mas enfraquece e quase aniquila o discurso progressista de que o presidente não tinha um olhar social”, diz Antunes, afirmando que os mais pobres foram os que mais sentiram os efeitos positivos do programa.

O vereador acredita ainda que a redução no valor do auxílio não será questionada pela população. “As pessoas vão entender que o presidente fez certo. Temos que cuidar das contas públicas. Além disso, se estamos voltando gradualmente às atividades, nada mais justo que haver uma redução paulatina em um benefício de caráter emergencial”, argumenta.

YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
De acordo com o diretor executivo do Sinepe, a sugestão é de que, com o retorno, as atividades fiquem 50% presenciais, e 50% remotas - FOTO:YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM

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