A última vez que um aliado do ex-governador Mendonça Filho (DEM) venceu uma eleição para prefeito do Recife foi há 24 anos, quando Roberto Magalhães, então filiado ao PFL, assumiu o comando do Executivo municipal. Naquele momento, o grupo político do hoje candidato a prefeito estava em sua melhor fase no Estado, tanto que viria a eleger, dois anos mais tarde, a chapa formada entre Jarbas Vasconcelos (MDB) e o próprio Mendonça para a chefia do governo de Pernambuco. Hoje, enquanto apresenta à população suas propostas de gestão, Mendonça evoca esse passado - ainda que não diretamente - e promete “devolver o Recife aos recifenses”, além de tornar a cidade novamente “boa para se viver”.
Durante uma live do Diretório Acadêmico do curso de Administração da Universidade de Pernambuco (UPE) na última segunda-feira (21), por exemplo, Mendonça disse ser merecedor do voto da população do Recife porque, caso seja eleito, uma das suas prioridades será fazer a capital pernambucana “voltar a ser uma cidade alto astral”. “Aqui é uma cidade com mais de um milhão de habitantes e problemas complexos nas áreas de habitação popular, saneamento básico, trânsito e mobilidade. Estou formando uma boa equipe em parceria com a minha vice, Priscila Krause, que será a minha colaboradora direta na prefeitura, para que o Recife possa ter um caminho de recuperação do espaço perdido regional e nacionalmente. Para que o Recife volte a ser uma cidade alto astral, boa pra se viver, amigável ao jovem, boa para as pessoas de meia idade e na melhor idade, é isso o que eu gostaria de ofertar para o eleitor recifense”, afirmou o democrata.
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Quem mora no Recife e tem mais de 30 anos, provavelmente não vai ler essa declaração de Mendonça Filho sem se lembrar, ao menos vagamente, de uma campanha batizada de “Recife Alto Astral”, criada durante o segundo governo de Jarbas na cidade, em 1993. A propaganda, que tinha como objetivo principal resgatar a autoestima do recifense, era ilustrada por um personagem com as formas de um coco verde e amarelo e fez muito sucesso.
Se a intenção de Mendonça é ou não recuperar no recifense essa lembrança, não há como saber. A reportagem tentou entrar em contato com o candidato e com o cientista político que integra a equipe que está elaborando o seu programa de governo, mas não teve resposta até a publicação desta matéria. Idealizador do projeto “Recife Alto Astral” dos anos 1990, o cientista político Antônio Lavareda diz não poder comentar o caso específico da chapa do DEM no Recife por desconhecer detalhes da estratégia da campanha, mas afirma que, de maneira geral, é comum que candidatos dialoguem com o “inconsciente coletivo” para conquistar votos em um pleito.
“Cultivar valores, ícones e até mesmo personagens do passado que são importantes na memória coletiva, no inconsciente coletivo, na história de uma localidade é tão significativo que na convenção republicana que recentemente sagrou a candidatura do presidente Donald Trump à reeleição ele citou o ex-presidente Abraham Lincoln três vezes. Tudo isso porque ele é um ícone do Partido Republicano e o principal expoente da legenda, que faz uma ponte com o eleitorado afro-americano porque foi o responsável pelo fim da escravidão nos Estados Unidos”, explica Lavareda.
O cientista político observa, ainda, que este tipo de recurso eleitoral costuma ser adotado em momentos de grande tensão ou durante crises econômicas. “Este é um recurso típico das campanhas em determinados momentos históricos. Momentos em que a sociedade está sendo submetida a grande estresse, crises econômicas, às vezes após sofrerem com algum desastre natural. Quando isso ocorre, geralmente as eleições posteriores voltam seus olhares para o passado. Esse exercício regressivo faz parte da gramática das campanhas eleitorais mundo afora”, pontua Lavareda.
O cientista político Vanuccio Pimentel, professor da Asces/Unita, diz não saber se este tipo de narrativa conseguirá encontrar eco entre a população atualmente, mesmo que ela tenha sido bem-sucedida no passado. “Nos anos 1990 havia um outro momento político e histórico. Nós tínhamos acabado de elaborar uma nova Constituição, estávamos deixando para trás tempos obscuros, começamos uma nova República, então fazia todo sentido evocar o 'Recife Alto Astral'. Apesar de todos os problemas que estamos enfrentando hoje, eu não sei se eles são equivalentes aos daquela época. Para mim, falta certa criatividade à campanha”, crava o docente.
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