Recifense, mãe e deputada federal. Essas são as três características apontadas primeiramente por Marília Arraes ao falar de si. Candidata a prefeita do Recife (PT) na disputa do segundo turno que será definido neste domingo (29), Marília foi acrescentando novas camadas na sua narrativa ao longo da campanha: Resgate das gestões do PT no Recife, o Lulismo, um programa de governo voltado ao cuidado com as pessoas e o combate às desigualdades sociais e a experiência de 12 anos na política.
No segundo turno, a candidata manteve a sua postura crítica ao PSB e de associação do seu adversário João Campos à atual gestão municipal, mas adotou um tom mais ameno tanto na propaganda eleitoral como nos debates, afirmando que não entraria no mesmo jogo praticado pelo seu adversário. O socialista que apostou em uma ofensiva contra ela, passando pela sua filiação ao PT até por denúncias de irregularidades no seu mandato de vereadora.
Já desde o final do primeiro turno, Marília passou a fazer uma defesa mais incisiva das ações PT quando governou a cidade, entre os anos de 2001 e 2011, apesar de não citar diretamente os ex-prefeitos. As recentes declarações apoio à ela tanto de João Paulo (PCdoB) como de João da Costa (PT), acabaram por fortalecer esse discurso. Ela costuma citar o Programa Aluno nos Trinques, Recife Sem Palafitas, obras estruturais nos morros e construção de habitacionais, que promete retomar caso seja eleita prefeita do Recife.
"Esse cuidar das pessoas tem uma dupla conotação: é física e infraestrutural e a outra ideia de cuidar das pessoas são os programas sociais", resume o cientista político e professor da Faculdade Damas, Elton Gomes.
Passa também por essa linha o Programa Florescer. Através da construção de creches comunitárias, Marília quer zerar a demanda de vagas para crianças de 0 a 4 anos. De acordo com o programa, as mães das crianças poderão passar uma capacitação para trabalhar nesses equipamentos. A candidata vem defendendo que as creches beneficiam não só as crianças, mas também as mães.
O fato de ser mulher e mãe é apontado por Marília como uma credencial. "Sou mãe, recife nunca teve uma mãe, nossa prioridade serão diferentes", disse, no debate da TV Jornal, no dia 24 de novembro. Segundo o cientista político Arthur Leandro, com isso ela ganha espaço entre os que defendem pautas identitárias a partir do discurso da representação feminina "e de minorias que não são minorias numéricas, são minorias do ponto de vista do exercício de poder, de vocalização", disse. "Então Marília convence quando fala em favor do direito das mulheres, porque ela é mulher, claro, mas ela consegue também um diálogo com os segmentos do movimento negro, LGBT", completa o especialista.
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Outro carro-chefe da sua candidatura é o Programa Retomada, um modelo híbrido de empréstimo com auxílio popular. A proposta é oferecer uma linha de crédito de R$ 1 mil a R$ 5 mil microempreendedores. A prefeitura arcaria com 50% do valor e o tomador o restante, em 24 vezes sem juros. Os recursos virão de um fundo de aval abastecido com 1% da Receita Corrente Líquida Anual, estimada em R$ 50 milhões.
Elton Gomes questiona a viabilidade da proposta, considerando a situação econômica dos municípios, agravada pela pandemia da covid-19, e amarras jurídicas.
"Os municípios têm uma capacidade de arrecadação pequena, quem dirá entrar no mercado como doadores ou ofertadores de carteira de crédito. Não há dinheiro suficiente para emprestar e não se pode criar um dispositivo como esse, porque as leis orçamentárias não contemplam esse instrumento que diz que você vai destinar x por cento da Receita Corrente para disponibilizar sob a forma de empréstimo", diz Elton.
Na área da educação, Marília propõe não só zerar a fila de creches como melhorar os índices desta área, através, por exemplo, da formação continuada dos professores e da manutenção da infraestrutura das escolas. "Isso tem parâmetro com a realidade. Desconfie de especialistas de coisas que nunca aconteceram. A proposta para a educação é boa, a maneira como apresenta essa ideia de valorizar o serviço público", pontuou Elton Gomes.
APOIOS
A petista recebeu outros apoios além dos ex-prefeitos recifenses nesta reta final da disputa. Na lista, nomes como Armando Monteiro (PTB), o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Anderson Ferreira (PL), o presidente da Fundaj, Antonio Campos, o Podemos, partido da Delegada Patrícia, o seu candidato a vice, Léo Salazar, e até mesmo políticos de partidos da Frente Popular, como os vereadores Benjamin da Saúde (PSB) e Aline Mariano (PP).
Várias denominações políticas com algo em comum: Oposição ao PSB. "Mesmos os atores que não estão diretamente envolvidos com esta eleição de segundo turno, sabem que essa não é uma eleição sem consequência. Então Marília consegue mobilizar apoios menos porque o PT é o partido preferencial dessas lideranças, mas é basicamente porque eles não gostam do PSB, eles ambicionam a cadeira do governo do estado, as vagas de deputados e senadores e eles ambicionam as prefeituras, então Marília se torna meio aliada natural dos inimigos do PSB", pontua Arthur Leandro.
Marília liderada a coligação Recife Cidade da Gente, formada pelo PT, PSOL, PTC e PMB. A aliança com o PSOL foi consolidada a partir da indicação do advogado João Arnaldo para compor a vaga de vice da petista. Já o apoio do ex-presidente Lula, segundo Arthur Leandro, pode ser considerado neutro. O petista pediu votos para a candidata, gravou para o seu programa eleitoral. Não veio presencialmente ao Recife por ser do grupo de risco da covid-19.
"Lula traz votos e tira votos. No momento atual não se explora a imagem de Lula basicamente porque quem vai votar em Marília por ser do PT já sabe que Lula está com ela. Agora, essa proporção de eleitores, seja de indecisos, seja de eleitores que dizem que vão votar nulo ou em branco, tendem a rejeitar o nome de Lula, então o fato de Lula estar ao lado de Marília não a ajuda para esse momento como se esperava que ajudasse", explicou.
Uma denúncia contra Marília que tem estremecido a sua candidatura é uma ação de improbidade no Ministério Público para investigar a "existência de funcionários fantasmas" no seu gabinete, sobre os mesmos fatos relatados em um inquérito policial arquivado pelo MPPE em 2018. Há também um áudio atribuído ao deputado federal Túlio Gadêlha sugerindo que ela se utiliza da prática de rachadinha. O parlamentar negou o fato e pediu perícia do áudio.
"Isso gera um ruído perante o eleitorado que é negativo, até porque o tempo de reação da direção de campanha de Marília tem sido lento. Você não pode deixar o seu eleitor, seja o eleitor atual, seja o potencial, ter uma versão alternativa dos fatos. Se você deixa sem resposta, o silêncio é interpretado como validade daquilo que está sendo dito, então é necessário dar uma resposta no sentido de silenciar o adversário", disse Arthur Leandro.
ARTIGO
A pedido do Jornal do Commercio, a candidata a prefeita Marília Arraes (PT) escreveu um artigo sobre suas pretensões para o Recife para os próximos quatro anos, caso seja eleita.
O Recife vai voltar a ser o Recife
O Recife é uma cidade que tem o sorriso como marca registrada. Nos morros, no centro, na periferia, por todos os cantos, a gente se acostumou a ver energia e garra nas pessoas, mesmo com todas as adversidades. Porque o Recife não abaixa a cabeça. Nos últimos anos, percebemos que a alegria em ser recifense foi dando vez a um sentimento de abandono, que, com a nossa candidatura, se transformou em uma onda de mudança.
O Recife precisa de cuidado. Precisa de um olhar minucioso e carinhoso sobre seus problemas, que afetam a população no dia a dia. São questões que não se podem empurrar com a barriga ou fazer de conta que não existem. Moradia digna, transporte público de qualidade, creches que possibilitem às mulheres terem sua independência e às crianças um espaço para que sejam cuidadas.
Nos próximos quatro anos, não vamos reinventar a roda. Vamos usar o que temos de melhor - nossa criatividade, nossa capacidade de superar as dificuldades, nossa autoestima - para devolver ao povo do Recife o que ele merece e precisa: qualidade de vida.
A começar pela questão da moradia. Um gestor comprometido com a melhoria de vida do povo não pode fechar os olhos e dormir tranquilo sabendo que existem milhares de pessoas vivendo em condições subumanas. Nas palafitas que voltaram a tomar conta das beiras dos rios nos últimos oito anos. Nas encostas que ameaçam cair a cada gota de chuva.
Vamos trabalhar para dar a cada pessoa que está nessa situação a possibilidade de viver dignamente. Com o programa Palafita Zero, vamos buscar recursos para acabar com essa ferida, construindo residências dignas para essa população e não simplesmente levando-as para locais distantes: os residenciais serão construídos perto de onde elas moram, porque as raízes de convivência e pertencimento precisam ser mantidas.
Nos morros e nos altos, nossa proposta é erradicar os pontos de risco, com obras estruturadoras, que envolvem engenharia, pedra, cal e cuidado. Lonas plásticas e tinta colorida não resolvem o problema. O que dará tranquilidade aos moradores dessas comunidades é um trabalho sério e comprometido com a qualidade de vida.
Eu sou mulher e mãe. Milhares de mulheres e mães do Recife sofrem na pele diariamente um problema que deve ser resolvido com urgência: a falta de vagas nas creches. Sendo mulher e mãe, vou trabalhar todo dia para que a gente ofereça espaços para que essas mulheres e mães possam deixar seus filhos, com estrutura adequada e atendimento humanizado, e possam buscar sua independência. Porque, em 2020, lugar de mulher é onde ela quiser.
É como andar de bicicleta. A gente não desaprende. É o mesmo com o sorriso do recifense. Ele está já aparecendo. Ele se abre quando vê a possibilidade de resgatarmos a nossa cidade das mãos do atraso, do abandono, do descaso. E é com esse sorriso quente e escancarado que nós vamos nos abraçar para tornar o Recife aquela cidade que a gente se acostumou a ser e não esqueceu de quem é. Recife Cidade Inteligente, cidade da gente.
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