Além de ficar marcado como o ano da vacina contra a covid-19 no Brasil, 2021 promete trazer consigo algumas definições relacionadas à disputa presidencial de 2022. Até o momento, apesar das muitas especulações de bastidores, só é possível dar como certa a participação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no pleito, mas muitas coisas devem ocorrer ao longo dos próximos 12 meses com potencial para mudar completamente esse cenário e nos dar pistas de como o eleitor vai se comportar quando retornar às urnas.
De acordo com o Ibope, em dezembro o governo Bolsonaro registrou aprovação de 35% entre os brasileiros, mais ou menos a média alcançada por ele nos demais meses do ano, mesmo em meio à pandemia. Uma outra pesquisa realizada em dezembro, desta vez pelo PoderData, mostra que, caso a eleição ocorresse naquele mês, o presidente venceria todos os oponentes apresentados, entre eles o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
Esses resultados, no entanto, não colocam Bolsonaro em uma posição confortável, afirma o cientista político Arthur Leandro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Segundo ele, com a crise sanitária que existe hoje no País e os problemas econômicos que o Brasil está tendo que enfrentar, os índices conquistados pelo presidente nas pesquisas provavelmente têm influência direta do auxílio emergencial, que chegou ao fim em 2020.
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“A literatura política mostra que há uma tendência do eleitor mais vulnerável do ponto de vista econômico ser governista, e isso se explica porque esse eleitor teme perder os benefícios que recebe para sobreviver. Dito isto, creio que há uma possibilidade grande de a popularidade do presidente ser revertida junto à população mais pobre, já que boa parte da aprovação que ele recebeu ao longo de 2020 estava ligada ao auxílio emergencial. O cenário de 2021 não é auspicioso para o presidente da República”, diz Leandro.
Ainda de acordo com o docente, com a popularidade com tendência de queda, dificuldades para levar vacina a toda população e graves problemas econômicos a sanar, restará ao presidente dar ênfase às suas já conhecidas polêmicas para tentar chegar à eleição com algum grau de competitividade. “É possível que o presidente tente tirar o foco dos problemas mais estruturais do País, da recuperação econômica, da retomada do emprego, da atração de investimentos para se envolver em polêmicas”, completou Arthur Leandro.
Apenas nesses primeiros 10 dias do ano, o presidente Bolsonaro já acumula várias declarações controversas. Ele já afirmou que o País estaria “quebrado” e, por conta disso, não conseguia “fazer nada”; já afirmou, após a invasão ao Congresso norte-americano, que em 2022 o Brasil pode ter “problema maior” do que o dos Estados Unidos; já chamou o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, de “canalha” e “sem vergonha”, isso para citar apenas alguns dos gestos do chefe do Executivo nacional em 2021. Enquanto isso, nenhuma ação concreta do governo federal foi anunciada para iniciar a vacinação no País ou socorrer as cerca de 25 milhões de pessoas que tinham no auxílio emergencial sua única fonte de renda.
Partidos de centro e de esquerda, por sua vez, não pretendem dar vida fácil a Bolsonaro até o fim do seu mandato, o que pode vir a atrapalhar os planos de reeleição do capitão da reserva. Uma das principais estratégias desse grupo de legendas, que conta com partidos como o DEM, PT, PSB, Cidadania e MDB, por exemplo, é levar o deputado federal Baleia Rossi (MDB), ao comando da Câmara dos Deputados. O movimento evitaria que Arthur Lira (PP), apoiado pelo presidente, ocupasse o cargo, evitando que o Planalto tenha maior facilidade para tocar no Congresso projetos do seu interesse.
“Maiores projeções para 2021 só poderão ser feitas depois que a gente souber quem vai ser o presidente da Câmara, porque isso pode atrapalhar ou ajudar significativamente o governo, já que o que está em jogo é justamente o controle da agenda legislativa. Dependendo de quem ganhar, a gente vai saber, por exemplo, se as reformas tributária e administrativa, que são um conjunto de pressões que existem em cima do presidente, vão andar ou não”, declarou o cientista político Vanuccio Pimentel, professor da Asces/Unita.
Apesar da articulação montada em torno do candidato à presidência da Câmara dos Deputados, o cientista político Elton Gomes, da Faculdade Damas, não crê que essas forças políticas, tão heterogêneas, se alinhem para o lançamento de um único nome nas eleições do próximo ano. “Há uma flagrante falta de capacidade na oposição de criar uma frente única para enfrentar o governo Bolsonaro. Hoje a oposição está muito fragmentada, profundamente dependente do Partido dos Trabalhadores e muito apegada à figura do ex-presidente Lula (PT) - que assim como Bolsonaro sofre muita resistência -, e por conta disso o debate público se enfraquece. Há o PT completamente empenhado em aniquilar qualquer nascimento de alternativa eleitoral ao centro da esquerda, e Bolsonaro trabalhando para aniquilar qualquer possível candidato que surja ao centro da direita, haja visto os entreveros dele com o Doria ou com o Moro”, pontuou.
Na pesquisa do PoderData mencionada no início do texto, Luciano Huck e Sergio Moro, apesar de perderem para Bolsonaro, são os nomes mais competitivos para bater o presidente em uma disputa eleitoral. Nomes da esquerda como Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT), respectivamente, viriam logo em seguida. O político que apresentou a pior performance no levantamento foi João Doria, que abriu uma diferença de 16 pontos percentuais no cenário de segundo turno em que aparece ao lado do presidente.
Na avaliação de Vanuccio Pimentel, no decorrer de 2021 é possível que um nome mais alinhado à centro-direita consiga se cacifar politicamente e venha a se tornar o principal oponente do presidente no próximo pleito. “O que fica claro é que para derrotar Bolsonaro é necessária uma candidatura de centro ou de centro-direita, que consiga se aproximar mais do eleitor dele. Eu acho que a esquerda, sozinha, mesmo que se junte em torno de um único candidato, não vai ter condição de ganhar porque, para isso, seria necessário que a classe média votasse massivamente neste candidato, o que já aconteceu, mas não sei se acontecerá novamente”, declarou o especialista.
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