O primeiro ato do deputado federal Arthur Lira (PP-AL), como novo presidente da Câmara dos Deputados, em anular a eleição da Mesa Diretora, prejudicando o bloco do seu então adversário Baleia Rossi (MDB-SP), tem sido visto como uma espécie de presságio da relação que o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) terá daqui para frente com os partidos que fazem oposição ao governo federal. Esse tensionamento no ponto de largada do mandato, poderá inclusive, complicar a agenda mínima de interesse do governo Bolsonaro.
- Com apoio de Bolsonaro, Arthur Lira é eleito presidente da Câmara em primeiro turno
- Arthur Lira anula bloco de Baleia Rossi e determina nova eleição para cargos da Mesa Diretora
- Parlamentares pernambucanos repercutem eleição de Lira à presidência da Câmara
- Paulo Câmara parabeniza Rodrigo Pacheco e Arthur Lira por vitórias nas eleições do Senado e da Câmara
- Centrão de Lira é o mesmo de Eduardo Cunha que nem sempre entrega o que vende à vista
- Marília Arraes vê 'golpe' de Arthur Lira em primeiro ato como presidente da Câmara
- Bolsonaro irá à sessão de abertura do ano Legislativo em aceno a Lira e Pacheco
Mesmo com em menor número, a bancada da oposição tem acesso a instrumentos que podem obstruir as pautas, principalmente se houver desejo de celeridade da parte do governo, a exemplo das reformas administrativas e tributárias. Pautas como estas e a revisão do teto de gastos precisam de três quintos dos votos do plenário, ou 308 deputados. Embora tenha ficado perto disso, Lira teve 302 votos na corrida pela cadeira de presidente.
"Se ele continuar optando por essa postura de enfrentamento e de acirramento com a oposição, isso pode interferir, sim, nas votações da Casa. O regimento da Câmara, como não poderia deixar de ser, preserva muito as minorias. Partidos pequenos conseguem obstruir ou atrasar a votação de propostas importantes. Se você cria uma acirramento com toda a oposição, você terá dificuldade", avalia o deputado federal Augusto Coutinho (Solidariedade).
Coutinho lembra, porém, que ainda é cedo para afirmar que esse primeiro desentendimento entre Lira e a oposição vá inviabilizar a votação das reformas. "Arthur tem experiência no Parlamento para saber que é preciso sentar e discutir", afirma.
Num sinal de que a oposição pode não se adequar fácil ao gesto de Lira, o deputado federal Tadeu Alencar (PSB) tuitou ontem que se o novo presidente da Câmara "quer guerra, ele terá". Ao JC, o socialista disse que não dá para minimizar o gesto de Lira, já que ele é o segundo na linha de sucessão de um presidente criticado pela condução da pandemia. "As dimensões deste ato são incalculáveis", disse Tadeu.
"Não queremos ver o período de Eduardo Cunha repetido, que adulterava resultados, ignorava minorias. Nós queremos validar o processo eleitoral. É isso que vai determinar a relação destes partidos com a nova presidência da casa e, naturalmente, poderá afetar as pautas que o governo queira apreciar. Esses 10 partidos também tem outros tantos milhões de votos, e nós devemos uma resposta. Foi estabelecido um nível de enfrentamento e tensão logo na largada, onde o maior interessado em ter uma conciliação na casa era o deputado Arthur Lira", projeta o socialista.
Para Daniel Coelho (Cidadania), o gesto de Lira tensiona as relações na Casa, mas não deve ser visto como um tema da divisão entre oposição e governo. "É assunto de luta de espaços e cargos entre partidos. No fim, é ruim para todo parlamento, que já está muito desgastado", diz.
Coelho afirma, porém, que a manobra de Lira se assemelha às feitas por outros grupos políticos em busca de protagonismo na Câmara. "Já participei de vários momentos da Câmara. Governo Dilma, Temer e Bolsonaro. A mesma prática, mesmo formato de relação com os deputados. Difícil ver moral de alguém para reclamar desse formato. Cada dia, o parlamento fica mais distante dos interesses do povo, ficando preso em uma luta interna, que para o cidadão comum, parece um grande teatro", cravou.
Especialistas
Especialistas ouvidos pelo JC fazem ponderações a respeito do que a atitude de Lira, considerada por oposicionistas como “antidemocrática” e “autoritária”, pode desencadear ao longo destes próximos dois anos.
"Nesse primeiro momento, essa demonstração de força se deu por esse ato. Que é, claro, altamente contestável, e tem gerado polêmica, porque já começa a trazer um pouco de conflito. Mas é bem característico dessa época política que a gente vive atualmente. É praticamente uma premissa do momento político desse ciclo, desde 2018, que é ter conflito”, analisa a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), Priscila Lapa.
Para o cientista político e historiador Alex Ribeiro, a postura de Lira pode ser interpretada como um claro aceno ao presidente da República. “Essa eleição mostra, a curto prazo, que o comando do legislativo poderá seguir o método do Executivo, de ter uma relação distante com os atores políticos da oposição”, afirma. Ainda segundo Ribeiro, o governo precisará agir através de duas frentes, a primeira ceder cargos a parte do centro que esteve com Arthur Lira na eleição, e a segunda via é fazer acenos para pacificar as casas legislativas e, desta forma, levar as pautas que interessam adiante.
Outras variáveis também estão sendo colocadas na mesa e não devem ser observadas apenas pela anulação da eleição da Mesa Diretora, já que as negociações e acomodações estão intensas. É preciso lembrar que no bloco de oposição, também há partidos de centro direita que se uniram em torno da candidatura de Baleia Rossi, mas que diante da derrota, podem ter uma abertura maior para futuras negociações. “Não acho que esse ato, embora tenha sido forte, vá desabonar a boa relação que Lira vai tentar construir no parlamento. A questão da agenda vai depender do que será posto em votação nestes primeiros 100 dias. E isso tem haver com o que foi acordado com o governo e com sua base de deputado”, afirma o cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ernani Carvalho.
“As dificuldades que Bolsonaro pode vir a ter nesses dois anos dizem respeito à crise econômica, ao momento de pandemia e da postura que o governo adotou e que o Legislativo, provavelmente, não quer seguir essa postura, independente de quem seja o comandante. Então tem muito mais a ver com esse ambiente de um momento atritado entre o Executivo e o Legislativo, do que propriamente em quem comanda a Casa”, declara Priscila Lapa.
Comentários