Professor da Faculdade de Direito do Recife (FDR) e desembargador aposentado, Francisco Queiroz diz acreditar que a independência dos procuradores "foi para o brejo" com a decisão do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná de dissolver a Lava Jato em Curitiba. Desde a última segunda-feira (1º), apenas quatro procuradores sem dedicação exclusiva, lotados no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), estão responsáveis pelos casos da antiga força-tarefa.
Na percepção de Queiroz, as investigações ligadas à Lava Jato há tempos não deveriam estar concentradas em Curitiba, mas é necessário fazer ponderações com relação ao modo como a força-tarefa foi encerrada. "Essas apurações criminais relativas a todas essas fraudes que aconteceram não deveriam, no meu entender, ter sido concentradas em Curitiba. Se criou quase que um juízo universal das ilicitudes no âmbito federal. Por exemplo, ocorreram fraudes e ilicitudes em compras relacionadas com a Refinaria Abreu e Lima (em Pernambuco) e terminou-se criando uma vinculação probatória e mandando para Curitiba. E isso aconteceu com o Brasil quase todo, como se Curitiba fosse o juízo universal da corrupção", observou o docente.
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O problema dessa configuração, argumenta Queiroz, é o fato de que ela deu superpoderes à vara de Curitiba, na figura do ex-juiz Sergio Moro, e criou um grupo de procuradores especializados apenas nesta matéria, aumentando significativamente os custos para a manutenção deles na cidade. "Havia e há no Brasil vários procuradores com plena capacidade de fazer esse tipo de apuração. Nós temos a ramificação da Lava Jato no Rio de Janeiro, em Brasília e todas elas estão atuando muito bem", disse.
Na visão de Queiroz, no entanto, a forma como o fim da força-tarefa foi conduzido indica mais um interesse em não dar continuidade às investigações do que propriamente um desejo em reorganizar os trabalhos. "A sensação que se tem no momento é de que o procurador-geral (Augusto Aras) talvez não esteja tão interessado na apuração desses crimes. Por razões quaisquer, o procurador é uma pessoa visivelmente vinculada à atual presidência da República, então aquela autonomia que se exigiria de um procurador me parece que ele não tem", declarou o professor.
"Em resumo, eu acho que poderia haver uma redivisão das Lava Jatos por região, por exemplo, não essa concentração nas mãos do procurador-geral. A independência dos procuradores foi para o brejo", concluiu Francisco Queiroz.
A Lava Jato do Paraná
A Força Tarefa da Lava Jato do Paraná tem quase sete anos de atuação com a deflagração de 79 fases. O saldo durante o período é de 1.450 mandados de busca e apreensão, 211 conduções coercitivas, 132 mandados de prisão preventiva e 163 mandados de prisão temporária contra 533 acusados, o que levou a 278 condenações (das quais 174 foram contra nomes únicos) e um total de 2.611 anos de pena. Além disso, o grupo entrou com 38 ações civis públicas. Dessas, três foram contra partidos políticos (PSB, MDB e PP), com um termo de ajuste de conduta firmado.
A Lava Jato também atuou em parceria com órgãos de investigação internacionais, através de 735 pedidos de cooperação internacional - 352 passivos (pedidos a outros países) e 383 passivos (pedidos de outros países ao MPF). Também houve o compartilhamento de provas obtidas com outros órgãos do País, a exemplo do Tribunal de Contas da União (TCU), Advocacia-Geral da União (AGU) e Receita Federal.
Os 209 acordos de colaboração (chamadas de delações premiadas) e 17 acordos de leniência (com empresas) possibilitaram a devolução de R$ 4,3 bilhões e R$ 15 bilhões, respectivamente, aos cofres públicos.
Com a sua dissolução, a Lava Jato do Paraná passou a integrar o Gaeco do MPF a partir do dia 1º de fevereiro. Quatro ex-integrantes da Força Tarefa, com mandatos até agosto de 2022, foram transferidos para o Gaeco, que já tinha outros cinco membros. Da nova formação com nove procuradores, cinco deles vão dar andamento aos casos do acervo da Lava Jato.
Outros dez membros da extinta Força Tarefa - que não integrar o Gaeco - vão permanecer até 1º de outubro de 2021 designados para atuar em casos específicos ou em caso de eventual necessidade.
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