REFORMA

Nova reforma política liga o alerta de partidos que correm risco de extinção

Os reflexos do fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais, por exemplo, já puderam ser sentidos no pleito municipal de 2020, gerando apreensão de algumas legendas sobre como vão sobreviver à disputa em 2022

Imagem do autor
Cadastrado por

Cássio Oliveira

Publicado em 20/02/2021 às 8:00
Notícia
X

Entre as agendas de reformas aguardadas para esta nova legislatura da Câmara dos Deputados, a reforma política é uma das que prometem gerar um debate intenso no parlamento. Os reflexos do fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais, por exemplo, já puderam ser sentidos no pleito municipal de 2020, gerando apreensão de algumas legendas sobre como vão sobreviver à disputa em 2022. Partidos como Rede Sustentabilidade, PCdoB, Solidariedade, Avante, PV, PROS, PSOL, Novo e PRTB correm o risco de não elegerem representantes ou terem seus espaços de representação diminuídos.

>>Arthur Lira reativa Conselho de Ética e envia caso de Daniel Silveira para colegiado

>>PSB mira em Luciano Huck para 2022; João Campos é visto como ponte para essa aproximação

“Nós achamos que as regras de hoje com o percentual mínimo de votos, de 2% para deputado federal e mais o fim das coligações, é uma legislação autoritária. A coligação é fruto da composição política programática de alinhamento com os partidos do mesmo campo ou de campos próximos, faz parte da dinâmica política do Brasil. Então a gente luta para poder limpar a reforma política desse tipo de imposição”, afirma a vice-governadora de Pernambuco e presidente nacional do PCdoB, Luciana Santos.

Escolhida para ser relatora da comissão mista que vai tratar das mudanças do sistema eleitoral, a presidente nacional do Podemos, a deputada federal Renata Abreu (SP), afirmou que existe “um sentimento na Câmara pelo distritão ou distrital misto, mas não é consenso". Na reforma política aprovada em 2017, a Câmara dos Deputados chegou a rejeitar o sistema de distritão, que transforma os Estados ou municípios em um distrito eleitoral e os candidatos aos legislativos são eleitos pela maioria simples, acabando com os chamados “puxadores de votos”.

Outro ponto que tem sido questionado pelos partidos que correm o risco de não conseguirem garantir uma cadeira na Câmara dos Deputados, é a cláusula de barreira. Ela passou de 1,5% dos votos válidos para eleger um parlamentar, para 2% nas eleições de 2022. Esse desempenho tem impacto direto sobre o acesso dos partidos a recursos do fundo partidário e ao tempo de televisão e rádio

"Os pequenos (partidos) são contrários à regra da cláusula de desempenho porque estão ameaçados e eles usam o argumento de que essa regra é antidemocrática, pois compromete seus interesses. Todo partido de baixa ou nenhuma representação está muito preocupado com isso, mesmo os de esquerda, o PCdoB, por exemplo, mesmo com história no Brasil, atuação de cem anos, mas é partido ameaçado pela regra do coeficiente eleitoral", afirma o cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Arthur Leandro.

Para o professor e advogado André Costa, especialista em Direito Constitucional, as mudanças no que tange à coligação nas eleições proporcionais, são uma leitura clara da forma de representatividade dos partidos, que vão enfrentar dificuldades para se legitimar nesse processo. “A estrutura federativa é extremamente desigual, o que se fortalece mesmo no Brasil é a votação personalista, e a fidelidade partidária deu outro recorte. O problema no Brasil acontece não para discutir a representatividade, mas o salve-se quem puder”, afirma Costa.

Ainda segundo a análise do especialista, o sistema distrital misto seria o melhor caminho a ser referendado nesta reforma política, no entanto, ele ressalta que antes de propor mudanças, é preciso entender “a concepção do próprio país” sobre a forma de votação dos seus representantes. Se o presidencialismo de coalizão daria sustentação à implementação do voto distrital, traz uma nova perspectiva de parlamentarismo para a sociedade. “Não podemos perder o fio condutor da história, nós temos que ver no debate o vetor da discussão. Ela está acontecendo por quem e para quem? Não podemos perder o ponto de referência que precisa ser o estado democrático brasileiro”, defende André Costa.

Com o voto distrital misto, os eleitores têm dois votos, um seria para candidatos do distrito e outro para os partidos. Nesse sistema, os votos são computados em todo o estado ou município, seguindo o quociente eleitoral, e os votos majoritários são encaminhados para os candidatos do distrito. O mais votado, escolhido pelos partidos políticos, vence.


FUSÃO OU FEDERAÇÃO

Com o risco de não garantirem representantes nas eleições de 2022, alguns partidos estão intensificando debates internos sobre como vão sobreviver às normas eleitorais em vigência. No caso do PCdoB, a presidente nacional Luciana Santos já confirmou que existe uma ala dentro da sigla que é a favor da fusão. No entanto, a dirigente comunista tem falado abertamente que a melhor saída seria a federação partidária. Atualmente o partido possui uma bancada com sete deputados federais.

 

BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
Luciana Santos. A vice-governadora de PE é a atual presidente nacional do PCdoB - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

A proposta, que permite os partidos políticos se unirem para disputar as eleições proporcionais em federações partidárias, desde que essa união dure toda a legislatura, sob pena de perda de recursos do Fundo Partidário e de tempo de propaganda de TV e rádio, foi rejeitada em 2017.

“Você vai possibilitar uma coligação mais perene, porque ela será uma federação por quatro anos. Então você força o entendimento dos partidos que têm mais afinidade política e que vão poder defender um projeto de país, ainda mais nesse momento tão grave que estamos passando de ameaça democrática”, explica Luciana. Ela também afirma que as conversas sobre o tema estão em andamento com o PSB - onde tem sido levantada a alternativa de fusão - , e com o PT e PDT.

 Para o advogado constitucionalista, Acácio Miranda, esse modelo de sistema não traria diferenças reais como alternativa ao fim das coligações. “A federação partidária é uma alternativa ‘placebo’, porque eles devem lançar candidaturas conjuntas em todo território ou tem a possibilidade de se separarem em determinadas circunstâncias. E não necessariamente os líderes partidários terão afinidades”, avalia Miranda.

Ainda segundo o advogado, todos os pontos da reforma política deveriam ser amplamente debatidos com o envolvimento da sociedade civil para que se encontre uma configuração condizente com as demandas dos eleitores e eleitores.

Porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade, Pedro Ivo Batista também defende o sistema de federação partidária e propõe um debate ainda maior: as candidaturas cívicas, que não precisariam de uma organização partidária para se eleger.

“A natureza política requer alianças programáticas com valores e princípios. As coligações que tinham antes, não tinham parâmetro, era a disputa pelo poder. Fazer alianças em cima de um programa, de projetos, com partidos que têm proximidade programática e ideológica são importantes para o país", afirma Batista. A Rede, que tem apenas uma representante na Câmara dos Deputados, a deputada indígena Joênia Wapichana, é contra a fusão de partidos. “Mesmo neste sistema eleitoral, nós vamos batalhar para fazer mudanças profundas que melhorem o sistema eleitoral para o cidadão”, concluiu.

Para o PSOL, que tem uma bancada com 10 deputados federais, a expectativa é que o partido cresça nas próximas eleições. O presidente estadual do PSOL de Pernambuco, Severino Souto, afirma que não há expectativa nem por fusão e nem por federação partidária dentro da sigla. “ Nós temos cumprido nosso papel e batido nossas metas de crescimento político”, destaca. Ele acredita que o processo de discussão em torno da reforma política passa pelo elemento de desvirtuamento do processo da democracia e de acesso a ela, culminando também em um desvirtuamento do sistema partidário.

Foto: Joênia Wapichana/Direitos Reservados/Agência Brasil
A deputada federal Joênia Wapichana é a única representante da Rede Sustentabilidade na Câmara dos Deputados - Foto: Joênia Wapichana/Direitos Reservados/Agência Brasil

Tags

Autor