controle extorsivo

O que é um miliciano e por que a família Bolsonaro é associada a esse termo

O termo geralmente é ligado ao presidente por seus opositores; atribuição se baseia em indícios de proximidade de Bolsonaro e seus filhos com membros desses grupos criminosos

Imagem do autor
Cadastrado por

Do jornal O Povo para a Rede Nordeste

Publicado em 02/06/2021 às 17:25
Notícia
X

Atualmente, no Brasil, a configuração de milícia se caracteriza como grupos compostos por agentes e ex-agentes da lei, além de civis, que exercem controle sobre determinados territórios urbanos, afastando a ação de facções que comandam o tráfico de drogas. Em troca de “segurança”, no entanto, esses grupos praticam um tipo de controle extorsivo.

 

No Rio de Janeiro, principal Estado de atuação dessas forças, em algumas comunidades, as milícias monopolizam a oferta de bens de consumo básicos, como gás, água e serviços de internet e TV a cabo piratas, esses grupos respondem ainda por assassinatos por encomenda e grilagem de terras. Porém, ainda cabem mais categorias nessa lista.

Rio de Janeiro, em abril de 2019, expôs o envolvimento desses grupos em serviços imobiliários. As construções, que eram irregulares, foram levantadas pela milícia que comandava a região. Mais de 20 pessoas morreram na queda dos edifícios.

Segundo o Ministério Público, o chefe da milícia em Muzema é o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, preso em 2019 na operação Os Intocáveis. Pereira também é investigado por participação no Escritório do Crime, grupo de matadores profissionais ligado ao assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), em 2019.

Em reportagem do jornal O Globo em 2005, a jornalista Vera Araújo revelava em primeira mão como grupos de agentes e ex-agentes assumiram o controle de 42 favelas na Zona Oeste carioca, afastando a ação do tráfico. O material, no entanto, já explorava a ascensão de uma nova faceta do crime organizado, que disputava o poderio sobre comunidades carentes com um verniz de credibilidade, uma vez que estes alçaram como justiceiros, restabelecedores da ordem. Pesa ainda o caráter institucional desses agentes e ex-agentes públicos.

A dificuldade em se combater a milícia está justamente no seu poder de atuação junto ao Estado e sua capacidade de infiltração no poder público. Em um artigo de 2007, as pesquisadoras Alba Zaluar e Isabel Siqueira Conceição descrevem as milícias como grupos de “policiais e ex-policiais (principalmente militares), uns poucos bombeiros e uns poucos agentes penitenciários, todos com treinamento militar e pertencentes a instituições do Estado, que tomam para si a função de proteger e dar ‘segurança’ em vizinhanças supostamente ameaçadas por traficantes predadores”.

Em 2008, a CPI das Milícias, presidida pelo deputado Marcelo Freixo (Psol), na Assembleia do Rio Janeiro, indiciou 225 pessoas, entre elas alguns políticos. Dentre os envolvidos estavam Natalino José Guimarães (DEM-RJ), deputado estadual eleito em 2006; Jerônimo Guimarães Filho (MDB-RJ), eleito vereador em 2001; Josinaldo Francisco da Cruz (MDB-RJ), vereador em 2004; Luiz André Ferreira da Silva (PR-RJ), vereador na eleição de 2004; Geiso Pereira Turques (PDT-RJ), vereador por três mandatos consecutivos, desde 2004. Os dois primeiros, irmãos Guimarães, foram condenados por integrarem a Liga da Justiça, uma das mais famosas facções de milicianos. O ex-deputado foi apontado como um dos líderes da formação.

Bolsonaro e a milícia

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), militar da reserva, no entanto, parece ter aberto novos precedentes para ação dessas forças junto às esferas políticas. Fotos do presidente com figuras desses grupos criminosos dão indícios de aproximação. Nasce daí o principal argumento de que Bolsonaro supostamente também seja um membro.

 

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
O professor de artes maciais Josinaldo Lucas Freitas, o Djaca - acusado pelo assassinato de Marielle Franco - ao lado do presidente Jair Bolsonaro. - REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

O presidente, por exemplo, já posou ao lado de dois dos acusados de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco: o professor de artes maciais Josinaldo Lucas Freitas, o Djaca. Ao passo que laços familiares o ligam a Ronnie Lessa, ex-sargento do Bope, apontado como executor do crime contra a parlamentar. Lessa é vizinho do presidente no condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro. Especula-se que a filha do ex-caveira tenha namorado o filho mais novo do presidente, Jair Renan.

Outro suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle é o ex-PM Élcio Queiroz, que foi ao menos apresentado a Jair Bolsonaro, em 2011, ano em que ambos aparecem abraçados em uma foto. Segundo o Ministério Público, ele dirigia o carro do qual Ronnie atirou contra a então vereadora. "Tenho foto com milhares de policiais civis ou militares de todo o Brasil", declarou Bolsonaro.

 

DIVULGAÇÃO
Bolsonaro ao lado do ex-PM Élcio Queiroz. - DIVULGAÇÃO

O histórico do filho 03, Flávio Bolsonaro (Patriota), na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), porém, é ainda mais comprometedor. Em 2005, durante seu mandato como deputado estadual, Flávio condecorou o ex-policial do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega com a medalha Tiradentes, a mais alta honraria do Legislativo fluminense. O então deputado também prestigiou o major Ronald Paulo Alves Pereira, que recebeu moção honrosa quando já era investigado como um dos autores de uma chacina de cinco jovens na antiga boate Via Show, em 2003, na Baixada Fluminense. Ambos são suspeitos de integrarem o já citado Escritório do Crime.

Adriano foi morto em uma ação policial no interior da Bahia, em fevereiro de 2020. Em um capítulo mais recente que aponta as relações do clã Bolsonaro com a milícia, o jornal The Intercep Brasil destrincha investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro, que identificam gravações em que criminosos ligados ao miliciano morto teriam tentado contato com Jair Bolsonaro, apelidado como “o cara da casa de vidro”. A suspeita é de que a referência seria à residência oficial do presidente em Brasília. A mãe e a ex-mulher do miliciano morto também foram assessoras do gabinete de Flávio na Alerj.

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
Flávio Bolsonaro e o pai Jair ao lado de PMs presos em operação do Ministério Público. - REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

Ainda segundo reportagem do Intercept Brasil, outros dois policiais que participaram de campanha de Flávio Bolsonaro foram presos na Operação Quarto Elemento, comandada pelo Ministério Público e deflagrada em agosto de 2018, que investigava uma quadrilha de policiais especializada em extorsões. São eles: Alan e Alex Rodrigues, que aparecem em foto no Instagram publicada por Flávio.

Em 2007, Flávio já havia dito em discurso na Assembleia do Rio, que não achava "justa" a "perseguição" de milícias por parte de "entidades ligadas a direitos humanos". "Não podemos simplesmente generalizar, dizendo que esses policiais, que estão tomando conta de algumas comunidades, estão vindo para o lado do mal. Não estão", afirmou.

O próprio Jair Bolsonaro chegou a defender em público a atuação das milícias quando os grupos já eram conhecidos no País pela violência. Em 2008, o então deputado federal afirmou que elas deveriam ser "legalizadas". "Elas oferecem segurança e, dessa forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. É o que se chama de milícia. O governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro, deveria legalizá-las", disse ele à rede BBC.

Também em 2018, Bolsonaro criticou o relatório final da CPI das Milícias da Alerj, quando o documento foi entregue à Câmara dos Deputados. Ele afirmou, na ocasião, que era necessário diferenciar "milicianos que organizam a segurança da comunidade" daqueles que exploram a "venda de gás ou o transporte alternativo". "Não podemos generalizar. (...) É um relatório covarde."

Já em julho de 2018, quando já figurava na liderança de algumas pesquisas eleitorais, Bolsonaro se distanciou do assunto e disse, em entrevista ao jornal O Globo, que as "milícias acabaram se desvirtuando".

Primeira-dama

Em abril deste ano, a Justiça do Distrito Federal condenou sete policiais militares a 10 anos de prisão por organização criminosa, sendo um deles o primeiro-sargento João Batista Firmo Ferreira, tio da primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro. Os militares foram presos no âmbito da Operação Horus, deflagrada em maio de 2019 pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e que desarticulou o grupo envolvido em grilagem de terras. Esse é o terceiro parente de Michelle envolvido com o mundo do crime. Ela já teve uma avó presa por tráfico de drogas e a mãe investigada por falsificação ideológica.

Tags

Autor