O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso com críticas à "estabilidade fiscal", ao defender que é preciso colocar a questão social na frente de temas que interessam, segundo ele, apenas ao mercado financeiro. O petista também questionou por que ter meta de inflação e não ter meta para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
"Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal desse País? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste País?", questionou, em discurso no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, ganhou força na equipe de transição a opção de retirar as despesas do Auxílio Brasil do teto de forma permanente, o que desagradou o mercado. Para o setor financeiro, a saída que vem sendo negociada pela equipe de transição, que também teria de ser feita via PEC, pode deteriorar a trajetória de sustentabilidade da dívida pública.
Os investidores reagiram automaticamente ao discurso desta quinta-feira (10). Às 11h55, durante a fala de Lula, o Ibovespa, principal índice da B3, caía 2,63%, aos 110.596,89 pontos, após ceder 3,42%, na mínima aos 109.696,71 pontos.
O dólar disparou no mercado doméstico de câmbio e fechou no maior nível desde julho. Com oscilação de quase 17 centavos entre a mínima (R$ 5,2454) e a máxima (R$ 5,4148), a moeda americana encerrou a sessão em alta de 4,14%, cotada a R$ 5,3966.
À tarde, Lula retrucou o movimento do mercado financeiro: "Nunca vi um mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso com quatro anos do [governo] Bolsonaro".
Segundo o petista, é preciso mudar a forma de encarar determinados gastos que são feitos pelo poder público. "É preciso mudar alguns conceitos. Muitas coisas que são consideradas como gastos neste País, precisam passar a ser encaradas como investimento. Não é possível que se tenha cortado dinheiro da farmácia popular em nome de que é preciso cumprir a meta fiscal, cumprir a regra de ouro", disse Lula.
Críticos à expansão sem controle das despesas afirmam que a responsabilidade fiscal é o que permite mas gastos para o social ao se economizar com a conta de juros da dívida.
O presidente eleito lembrou que, durante seus dois mandatos, entre 2003 e 2010, o Brasil respeitou as metas fiscais, os índices de inflação e deixou o País com superávit, em vez de dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Lula reafirmou, como fez na campanha eleitoral, que o país tem que retomar a credibilidade, a estabilidade e a previsibilidade. "A sociedade não pode ser pega de surpresa", disse o petista.
Em sua primeira visita ao local onde se instalou a equipe de transição, Lula disse que os bancos públicos, como o BNDES, também precisam voltar a olhar para os temas sociais e que os financiamentos promovidos hoje por essas instituições devem ser readequados.
Lula disse que a Petrobras não será fatiada e que o Banco do Brasil e a Caixa não serão privatizados.
Lula se emocionou e chegou a interromper sua fala quando citou um trecho do discurso que fez em sua vitória de 2002, ao comentar o tema da fome, que voltou à pauta nacional. "Se quando eu terminar esse mandato cada brasileiro estiver tomando café, almoçando e jantando, eu terei cumprido, outra vez, o meu papel", disse o presidente eleito. "Restabelecer a dignidade do povo é a única razão de eu voltar. Se quando eu terminar esse mandato, cada brasileiro estiver tomando café, almoçando e jantando, terei cumprido minha meta."
O presidente eleito afirmou ainda que pretende conversar com o agronegócio para entender "qual é a bronca" do setor com sua eleição, já que este pagava juros menores durante a gestão petista em relação ao cenário atual. O agro foi um dos principais setores a apoiarem a reeleição de Jair Bolsonaro.
Lula também criticou os pagamentos de dividendos a acionistas para a Petrobras, enquanto os investimentos, disse ele, ficam com uma menor parcela. O presidente eleito criticou o pagamento de dividendos futuros previstos para acionistas. "Qual é a ideia? Esvaziar o caixa da Petrobras, para que a gente não possa fazer nada."
Durante toda a sua fala, Lula mencionou o nome de Bolsonaro em poucas ocasiões, como no momento em que comentou a viagem que fará ao Egito na próxima segunda-feira (14) para a COP 27. "Já vou ter no Egito mais conversa com lideranças mundiais num único dia, do que o Bolsonaro teve em quatro anos", comentou. "Vamos recolocar o Brasil no centro da geopolítica internacional. Vocês não têm noção da expectativa que o Brasil está gerando no mundo", afirmou o presidente, que disse ter recebido, em um único dia, 26 ligações internacionais para felicitá-lo em sua vitória.
O relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou ontem que a equipe da transição trabalha com a ideia de retirar todo o Bolsa Família do teto de gastos "para sempre" na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, negociada para viabilizar que o novo governo de Lula fure a regra constitucional que limita o crescimento das despesas à variação da inflação. A previsão é de que o Bolsa Família turbinado com um bônus de R$ 150 por criança de até seis anos custe R$ 175 bilhões em 2023.
"A ideia é que seja permanente, que haja um compromisso da sociedade brasileira com os mais carentes, com os mais pobres, e que eles possam sentir que há uma segurança e que estarão excepcionalizados para sempre esses recursos", afirmou Castro a jornalistas, após sair de uma reunião na residência oficial do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que contou também com a presença do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e de líderes partidários.
Segundo Castro, para afastar a ideia de que a proposta é um "cheque em branco", o texto deve especificar "claramente" os valores destinados a cada medida negociada pela equipe do presidente eleito.
A ideia da equipe de transição é retirar do teto o que estava destinado no Orçamento ao Auxílio Brasil em 2023. Com isso, os R$ 105 bilhões previstos no Orçamento enviado ao Congresso pelo governo Bolsonaro poderiam ser usados para outros fins.
O relator disse ainda que a equipe do governo de transição trabalha também para ampliar os gastos quando houver receitas extras. A proposta é que o limite seja de 2% das receitas extraordinárias. "Por exemplo, se houver uma receita extraordinária, que não são das receitas que estão previstas, o governo federal vai poder gastar 2% da receita corrente líquida até esse valor em crédito extraordinário".