A proposta de penas de até 40 anos de prisão para quem ‘atentar’ contra a vida de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), defendida pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu muitas e variadas críticas de constitucionalistas e criminalistas.
Muitos avaliaram que ela é mais simbólica do que prática. Especialistas ouvidos pelos jornal O Estado de São Paulo classificaram o pacote de projetos de leis que endurecem as penas para quem ‘atentar’ contra o Estado Democrático de Direito como ‘exacerbado’, ‘desproporcional’, ‘descabido’ e até ‘inconstitucional’.
Avaliaram que a proposta é legítima, mas destacaram que o Poder Legislativo brasileiro deve trabalhar para encontrar equilíbrio no texto do Executivo. Ou seja, ele não poderia ser aprovado como proposto. Também foi considerada excessiva por especialistas.
As íntegras dos projetos de lei ainda não foram divulgadas, mas o Ministério da Justiça disponibilizou um resumo. Segundo o texto, o projeto pretende aperfeiçoar os artigos 359-L e 359-M, ambos do Código Penal, e "dispor sobre as causas de aumento aplicáveis".
Na legislação em vigor atualmente, aprovada em 2021, não há uma diferenciação da pena para esses crimes a depender do tipo de participação do investigado. Essa legislação substituiu a Lei de Segurança Nacional, que vigorava desde a época da ditadura militar.
Outro destaque são as alterações sobre as medidas cautelares para busca e apreensão de bens e bloqueio de contas bancárias em caso desses crimes. A proposta autoriza que elas sejam feitas de ofício pelo juiz, ou seja, sem provocação de outras partes, além de incluir a União como possível solicitante.
O desembargador aposentado e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Marco Antônio Nahum afirmou considerar ‘exacerbada’ a previsão de até 40 anos de prisão.
“A exacerbação da legislação penal, em casos semelhantes, é política criminal que encontra respaldo no chamado “Direito Penal do Inimigo”. Trata-se de um modelo de política criminal que, logicamente, inspira uma dogmática penal e processual penal de combate do ordenamento jurídico contra indivíduos especialmente perigosos, como se o Estado não falasse com cidadãos que eventualmente violaram a lei”, explica.
“Por outro lado, o Estado Democrático tem o Direito Penal ‘como último recurso ou último instrumento a ser usado contra seus cidadãos", indica. Mas só é possível acionar esse recurso quando ‘fracassadas outras instâncias de controle social que possam resolver o conflito social’.
“Embora não se possa admitir que ação política de oposição implique em atividade criminosa contra as autoridades públicas, em especial aquelas que representam o Estado Constitucional, espera-se que o Poder Legislativo saiba encontrar o equilíbrio necessário para a nova proposta legislativa”, pondera.
O ex-magistrado pondera que a ofensa a um dos integrantes da Corte máxima não pode ser admitida ‘como uma singela troca de agravos entre cidadãos comuns’, considerando que há um ‘desrespeito decorrente da função institucional exercida pela vítima’, mas rememora os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Lembra, por exemplo, que há uma diferença entre as imputações e penas aplicadas em casos de homicídio tentado e o consumado.
Já a criminalista Carolina Carvalho de Oliveira destaca que o projeto do governo Lula ‘condiz com a proteção constitucional de um Estado Democrático de Direito, mas, precisa ser revisto pelas Casas Legislativas’: “seu texto deve respeitar os limites da justiça e não pode sofrer pressão política”.
“As reformas são sempre bem vindas ao ordenamento jurídico desde que construam a dinâmica de um país melhor no tocante a manutenção da democracia na balança da justiça. Assim, necessário se faz um fortalecimento da repressão, por óbvio, mas, sem se esquecer dos problemas que já existem em nosso ordenamento jurídico”, diz.
E segue: “Devemos destacar que o caráter preventivo e a tentativa de fortalecer os instrumentos jurídicos disponíveis são perspectivas positivas, entretanto, a mira a determinadas situações pode acarretar uma objetivação da lei”, ressalta.
O criminalista Sérgio Rosenthal considera que o endurecimento de penas para quem atentar contra o Estado Democrático de Direito, ‘da forma como proposto’, é ‘temerário e desproporcional’. O advogado destaca que trata-se de um delito ‘cuja definição se presta a muitas e diferentes interpretações’.
“Se a proposta de endurecimento das penas cominadas para quem atentar contra o Estado Democrático de Direito tiver alguma relação com o fato de turistas brasileiros terem discutido com o filho de um Ministro do STF no aeroporto de Roma, receio que em breve não viveremos em uma democracia”, avalia.