A eleição no Recife e o que ela significa para 2026

Eleição 2024 na capital tem ligação direta com a disputa pelo governo do estado em 2026 e as nuances do cenário atual podem ditar o próximo pleito

Publicado em 03/10/2024 às 13:01

É opinião comum entre analistas políticos que a eleição municipal é considerada um teste para a eleição geral, que acontece dois anos depois. No Recife, também é consenso que muito do que está sendo discutido no pleito atual vai reverberar em 2026, quando ocorrerá a disputa pelo governo de Pernambuco.

Diante de uma possível reeleição de João Campos (PSB), que acumula média de 75% de intenção de votos em todas pesquisas eleitorais publicadas até aqui, acredita-se que ele seguirá o curso natural de um gestor de capital bem avaliado e disputará o governo do estado em 2026.

Até agora, o socialista vem se esquivando do assunto sempre que é perguntado sobre uma possível candidatura ao governo. Ele diz que o foco é a reeleição no Recife. Apesar disso, é quase certeza que ele será o principal opositor de Raquel Lyra (PSDB) em 2026.

Levando em consideração que o candidato apoiado pela governadora, Daniel Coelho (PSD), vem aparecendo em terceiro lugar nas pesquisas, com porcentagens irrisórias diante do socialista, a chapa da situação terá que adotar uma mudança de postura para o próximo pleito.

A estratégia de fazer uma campanha inteiramente voltada a bater na imagem de João Campos, como foi visto, não surtiu efeito. Nem mesmo a polêmica envolvendo as creches municipais, incansavelmente explorada pelos opositores, foi capaz de minar a preferência do gestor junto ao eleitorado.

O cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco Arthur Leandro avalia que a chapa do governo não esperava ganhar a eleição, mas somente colocar João Campos em uma situação de recuo. Essa estratégia pode ter vistas no possível embate de 2026.

“Essa era uma eleição que a governadora não esperava ganhar. Ela precisava que o prefeito João Campos e sua campanha fossem acometidas por uma série de problemas e dificuldades de imprevistos, que tornassem a sua muito provável reeleição arriscada e incerta. Não foi o que aconteceu”, apontou.

Reforçando que a eleição deste ano é, de certa forma, uma prévia do pleito estadual de 2026, o especialista acredita que a decisão dirá como os espaços locais de poder estarão configurados daqui a dois anos.

“O voto é sempre conquistado localmente. A capacidade de influência do prefeito e das lideranças locais interferem na forma com que os ânimos se configuram na disputa nacional. Se a cidade é bem administrada e a pessoa tem a sensação de bem estar vivendo nela, isso interfere no modo com que essa pessoa percebe o governo. No caso, a governadora Raquel Lyra, ela deve ser candidata à reeleição em 26. Embora o eleitor tenha a percepção de que as competências são diferentes, o modo com que o governo local é conduzido interfere, sim, na disposição dele, porque interfere no modo com que ele vê a qualidade de sua vida”, contou.

Racha no palanque

Apesar de João ter a preferência da maioria dos eleitores, a relação entre o PSB e uma ala do PT de Pernambuco ficou estremecida nessa eleição municipal após o prefeito escolher Victor Marques (PCdoB) para disputar a vice-prefeitura. E esse destempero pode se estender até 2026.

Como se sabe, o Partido dos Trabalhadores desejava a vice de João para assumir a prefeitura do Recife após o prefeito deixar o cargo para disputar o governo do estado. Embora a escolha pelo comunista tenha passado pelo aval de Lula, caciques pernambucanos como o ex-prefeito João Paulo não engoliram a decisão. Ele chegou a dizer que o PT saiu “humilhado” da negociação.

Na última eleição estadual, vale lembrar, parte do PT ignorou o apoio de Lula a Danilo Cabral (PSB) e votou em Marília Arraes (Solidariedade), dada a forte ligação da ex-deputada federal com o presidente. No segundo turno, o racha se evidenciou e não foi suficiente para garantir a vitória dela, que saiu derrotada por Raquel Lyra.

Ainda que nessa eleição municipal os dois partidos estejam oficialmente no mesmo palanque — e que o entrevero por causa do vice não seja suficiente para abalar o desempenho de João —, nada garante que a coligação permanecerá unida em 2026.

A ver se o presidente Lula entrará em ação novamente para costurar uma chapa conjunta que agrade gregos e troianos.

Como fica a direita?

Gilson Machado (PL) até tentou, mas também não conseguiu descredibilizar o prefeito junto aos fiéis nesse período eleitoral. Embora tenha permanecido firme na segunda posição das pesquisas — demonstrando que o bolsonarismo ainda está vivo na capital — não chegou perto de ameaçar o prefeito, de acordo com os números.

O cenário foi diferente do que aconteceu em 2022, quando Anderson Ferreira (PL) ficou em terceiro lugar no primeiro turno da disputa pelo governo, com somente 2,4% a menos que Raquel Lyra. Naquela época, vale recordar, o bolsonarismo estava em evidência na disputa pela presidência e pode ter impulsionado o candidato do PL na briga local.

No pleito municipal, Gilson explorou fortemente a imagem de Bolsonaro, mas Lula não foi usado por João na campanha. Em 2026, quando a polarização deverá ser mais evidente, a briga poderá ter papel mais presente na disputa estadual, mesmo que não esteja nas cabeças.

“Nós tivemos a presença do bolsonarismo em Recife. O ex-presidente Bolsonaro teve uma votação expressiva [em 2022], embora insuficiente para lograr sucesso na capital e no estado de forma geral. Curiosamente, seu candidato Gilson Machado não conseguiu capturar. Ele [Bolsonaro] foi mais votado do que Gilson deve ser. Isso é uma característica do colégio recifense, que tradicionalmente se coloca no campo da esquerda, da centro-esquerda”, analisou Arthur Leandro.

Dois anos para se preparar

Embora a eleição para governador ainda esteja dois anos à frente, é improvável que outros atores políticos entrem em cena para modificar o cenário de um embate direto entre João Campos e Raquel Lyra. A não ser que haja uma surpresa.

O cientista político Arthur Leandro entende que o comportamento do eleitor é retrospectivo, ou seja, ele avalia o que aconteceu nos últimos anos e compara com a vida que tinha anteriormente para poder decidir seu voto. E isso passa por fatores como emprego, qualidade de moradia, segurança pública, violência, educação, entre outros segmentos que competem à administração pública.

Em 2026, haverá ainda o componente ideológico, ligado aos discursos de direita ou esquerda.

“Alguns vão dizer que a culpa de tudo que está errado é do PT e vão olhar até para números positivos como se negativos fossem, e outros vão dizer o seguinte que é preciso fazer tudo para evitar que o bolsonarismo volte. O componente ideológico é a moldura do componente retrospectivo, que é exatamente essa avaliação que se faz do governo e das condições reais de funcionamento das instituições e das condições de vida no país”, pontuou o cientista político.

“O outro componente é o componente prospectivo, ou seja, para onde a gente está indo, o que é que eu quero daqui a dois anos, o que é que eu quero daqui a quatro anos, o que é que esse candidato pode me oferecer ou não. Temos uma combinação de fatores”, completou.

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