TECNOLOGIA

Entenda por que ciência brasileira cresceu tanto no Twitter

A pesquisa aponta que o engajamento ajudou a impulsionar o interesse por um dos itens mais importantes de proteção contra a covid-19: as máscaras PPF2

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Do jornal Correio para a Rede Nordeste

Publicado em 04/10/2021 às 15:03
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Se precisar desenhar, eles desenham. Ou postam fotos, gráficos, imagens de satélite, memes, charges. Na batalha diária por divulgar a ciência e fazer o conhecimento chegar ao maior número possível de pessoas, os cientistas brasileiros vêm se saindo vitoriosos. Na última semana, um relatório inédito do Science Pulse, uma ferramenta gratuita criada para ajudar jornalistas e o público em geral a encontrar conteúdos científicos, mostra que a ciência brasileira cresceu no Twitter em 2021 – e o engajamento ajudou a impulsionar o interesse por um dos itens mais importantes de proteção contra a covid-19: as máscaras PPF2.

Os dados de monitoramento de 1,5 mil cientistas mostram que, enquanto nos Estados Unidos os pesquisadores ganharam mais campo nas redes em 2020, aqueles que postam em português tiveram atuação ainda mais significativa em 2021. A vantagem disso, além de qualificar o debate nas redes, é mostrar outra face dos cientistas, diferente daquela ideia de que eles vivem trancafiados em laboratórios. Lembram de Tíbio e Perônio, a dupla de jalecos do Castelo Rá-Tim-Bum? Pois é, os cientistas agora parecem ainda mais descolados.

Eles continuam nos laboratórios, mas também nas redes. E não é preciso ser um especialista em epidemiologia, imunologia ou microbiologia para saber o que pensam e produzem os grandes pesquisadores sobre esses temas, tão em evidência agora na pandemia. Mais recentemente, dá até para compreender um pouco das pesquisas de astrônomos e astrofísicos direto da fonte – ou seja, acompanhando o que escrevem nas redes os próprios pesquisadores e interagindo com eles. E há demanda para isso, como constata o relatório.

“O indicador Índice Science Pulse (ISP) combina número de tuítes, número de usuários entre os que nós monitoramos e engajamento. O primeiro significa que os perfis de ciência estão publicando mais. Agora, quando o engajamento acompanha, quando as pessoas estão curtindo, comentando, dando RT, isso significa que tem o outro lado da equação, que tem uma demanda de quem está nessa rede pela informação, por conhecimento daquele conteúdo”, aponta Lucas Gelape, analista de dados do Science Pulse.

O relatório foi publicado na última semana com apoio do Instituto Serrapilheira e antecipado pela Agência Bori.

Mas, por que o Twitter? O que tem lá que faz a rede tão popular para a divulgação científica? Para Lucas, a explicação pode estar na mistura entre o imediatismo e a presença de muitos acadêmicos. Alguns inclusive, que chegaram recentemente.

É uma rede que tem muitos acadêmicos, que usam para discutir trabalhos, para conhecer. Eles já estavam lá, às vezes sem fazer divulgação científica, e do ano passado para cá, passaram a fazer. Tinha uma rede forte já consolidada e que foi essencial para que isso crescesse e outros nomes surgissem também”, aponta Lucas.

Para a biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra (@mellziland), coordenadora da Rede Análise Covid (@analise_covid19), o Twitter facilita discussões e descobertas. “O Twitter é interessante pela questão de poder publicar pequenos textos, ou em formato de fios em que um assunto muitas vezes complexo pode ser discutido de uma forma mais resumida e simples. Como temos muitos cientistas do mundo todo nessa rede, muitos publicam alguns resultados, dados antes mesmo da publicação em uma revista científica”, afirma.

Interação cientista-público

A interação do público em geral com cientistas aumentou muito de 2020 para cá – isso é algo a se comemorar, segundo Mellanie.

“Isso é maravilhoso, poder ver que as pessoas querem acompanhar e discutir com os cientistas. Que podem tirar dúvidas diretamente com eles. Isso aproxima a ciência da sociedade, algo que é um objetivo permanente que tenho em minhas ações”, comemora.

O perfil de Mellanie no Twitter, com mais de 65 mil seguidores, figura entre os dez perfis de cientistas brasileiros com mais autoridade e articulação nas redes, segundo relatório publicado no final do ano passado pelo Science Pulse e pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados. Ela aparece ao lado de outros nomes bastante influentes, como os microbiologistas Atila Iamarino e Natalia Pasternak, os epidemiologistas Otavio Ranzani e Denise Garrett e a jornalista Luiza Caires, editora de Ciências do Jornal da USP, e dos perfis da própria USP e da Fiocruz (veja abaixo lista com dicas de perfis para seguir).

Para o astrônomo Thiago S. Gonçalves (@thiagosgbr), pesquisador do Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Twitter é uma excelente rede para a divulgação científica, inclusive por conta do imediatismo das interações. “Definitivamente, a ciência brasileira está muito ativa nas redes e isso é bom de ver”, comemora.

Ele atribuiu esse aumento da atividade ao crescimento das redes e à iniciativa de alguns cientistas que a desbravaram. A partir do sucesso de alguns nomes, outros pesquisadores decidiram explorar meios menos tradicionais de divulgação científica, diferente das palestras, textos e livros.

“As redes sociais são um excelente meio. Você tem esse feedback mais imediato e é uma maneira muito interessante de fazer essa divulgação para um público grande, você atinge muita gente ao mesmo tempo e também consegue passar a sua mensagem. Uma coisa que eu gosto muito nas redes sociais é porque eu consigo ter um retorno imediato do que eu posto e isso me ajuda a guiar as minhas próprias atividades”, defende.

Nem tudo é pandemia

Ao final desta reportagem, há uma lista de 20 perfis de ciência que valem a pena seguir. Além de Thiago, há mais três perfis da área e astronomia e astrofísica, e isso não é por acaso. Os pesquisadores desse tema são cada vez mais ativos e atraem um número grande de seguidores. “Os astrofísicos têm uma comunidade muito forte, a gente monitora alguns deles”, afirma Lucas Gelape.

Para Thiago Gonçalves, isso não foi algo planejado. Mas, com o tempo e com o sucesso de alguns pesquisadores na rede, um grupo formado principalmente por alunos e alunas de pós-graduação foi se organizando em iniciativas como a @AstroThreadBR, um perfil no Twitter só com fios de astronomia. Lá dá para conhecer as imagens mais famosas da astronomia, aprender sobre asteroides, anéis de fogo e a capacidade que estrelas têm de destruir seus próprios planetas.

É tanta variedade de informação científica na rede que dá até para entender por que o kiwi tem um ovo tão desproporcional ao tamanho de sua espécie. Sim, existe uma ave chamada kiwi e o ovo é enorme – ocupa cerca de 20% de toda a massa corporal do kiwi mãe. O fio no qual o biólogo e mestre em ecologia Dhiordan Lovestein (@DhiordanLove) explicou essa peculiaridade teve mais de 10 mil interações – só no primeiro tuíte. E ele não fala só disso.

Os mais de 10 mil seguidores de Dhiordan acompanham postagens sobre temas diversos da Biologia, particularmente sobre evolução de comportamentos, plantas tóxicas, educação sexual e peculiaridades animais.

"As pessoas têm muito interesse por aquilo que é super comum e que elas possuem algum contato, como os ipês, tatuzinho de jardim, a planta comigo-ninguém-pode, o prazer anal, orgasmos. Mas também temas incomuns, como a forma que animais usam plantas medicinais, o pênis dos insetos, osteoporose no osso do pênis dos ursos polares, a primeira ejaculação...”, enumera.

Dhiordan explica que os temas que geram algum sentimento – seja de repulsa, curiosidade, choque ou mesmo uma lembrança são os que mais movem o público. “Porque as pessoas têm histórias para contar sobre aquilo, existe um contato direto que as move a interagir, comentar, retuitar. Ou elas ficam curiosas, às vezes chocadas ou surpresas e acabam interagindo bastante”, explica ele, que é novo no Twitter – entrou em setembro de 2020. Antes, fazia divulgação científica no YouTube, no canal Eterna Busca.

Em busca de valorização institucional

Por falar em busca, o que os divulgadores científicos do Twitter buscam, ultimamente, é valorização – e apoio institucional. É que a divulgação científica, embora em franco crescimento nas redes e cada vez mais procurada pelo público, não é valorizada pelas instituições de pesquisa.

“Divulgação científica não é algo valorizado pela academia, não conta como produtividade. As pessoas que já vinham fazendo, faziam e fazem muito na garra. Não é um trabalho fácil”, afirma Lucas Gelape, analista de dados do Science Pulse e responsável pelo relatório.

Para o astrônomo Thiago S. Gonçalves, que também é coordenador de imprensa da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), a luta por valorização é diária. “Acho muito louvável a iniciativa dos alunos e das alunas de pós-graduação [na divulgação da astronomia], mas, infelizmente, têm poucas iniciativas por parte dos institutos de pesquisa das universidades”, diz.

Ele acredita que, embora o crescimento da divulgação científica nas redes seja visível, ainda há muita gente que não viu as vantagens disso.

“A divulgação científica ainda é vista como uma coisa menor nos comitês de avaliação, que dão pouco valor a essas iniciativas. A minha briga é apoiar um pouco mais essas iniciativas de forma institucional”, defende.

A biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra espera que a atividade possa crescer ainda mais. “Ela foi peça-chave e tem crescido muito desde 2020 para cá, e espero que cresça cada vez mais, com mais colegas encontrando um ambiente positivo e saudável para cooperar e crescer junto. Essa ponte que a divulgação faz entre ciência e sociedade é crucial”, diz.

“A gente faz muita ciência, o Brasil é um dos países que mais produz ciência, mas o nosso orçamento de divulgação é muito baixo. A ciência é fundamental para a soberania do país, e se a gente não divulga, as pessoas não sabem. A gente não usou a conhecimento científico para guiar as políticas públicas na pandemia e a gente viu o desastre que foi. Se o público não está engajado nesse debate cientifico, isso fica muito mais difícil, fica mais fácil inclusive espalhar fake news sobre tratamento precoce e outras coisas, e a gente está vendo isso”, completa Thiago.

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