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Ceratocone: controle e tratamento

Transplante de córnea deixou de ser a única opção para pacientes com essa doença - hoje, as técnicas são diversas

JC Online
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Publicado em 08/05/2017 às 6:00
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Transplante de córnea deixou de ser a única opção para pacientes com essa doença - hoje, as técnicas são diversas - FOTO: Reprodução
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Há alguns anos, quem recebia o diagnóstico de ceratocone imediatamente pensava que precisaria fazer um transplante de córnea. Uma a cada duas mil pessoas no mundo têm a doença, e ela continua sendo a principal causa de transplantes no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Ceratocone. No entanto, nem todo paciente precisa chegar até lá. As últimas décadas trouxeram diversas tecnologias para tratar o problema com sucesso antes de haver necessidade real de substituir a córnea pela de um doador.

“É mais ou menos assim: há algum tempo atrás, o sujeito aparecia com ceratocone. O médico ia recomendar para não coçar, ia passar óculos enquanto ele tinha boa visão. Daqui a pouco, quando os óculos não ficavam bons, o paciente entrava na lente de contato e ficava torcendo para que o ceratocone parasse de evoluir. Se evoluísse, ia para o transplante”, exemplifica o oftalmologista Álvaro Dantas, do Instituto de Cirurgia Ocular do Nordeste (Ícone).

O ceratocone é uma alteração na curvatura da córnea, causada pela perda de resistência de suas moléculas de colágeno. Ela vai deixando de ter formato esférico e ficando cada vez mais cônica, o que pode causar problemas refrativos como miopia e astigmatismo.

Mas até chegar à fase do transplante, existem diversas possibilidades de controle e correção do ceratocone. Acompanhamento médico, óculos e lentes de contato podem ajudar a corrigir a visão nos casos mais leves; o crosslinking ajuda a estancar a evolução, nos pacientes com quadro leve e moderado; o implante de anel regulariza a superfície da córnea, podendo até diminuir o grau causado pela alteração na curvatura do olho. Transplante, só em último caso.

Óculos e lentes de contato

No início, a curvatura ainda não se alterou muito, de modo que os óculos de grau resolvem os problemas refrativos causados pela doença. A recomendação é ter acompanhamento oftalmológico, já que ela pode evoluir ou não. “Às vezes, quando os óculos não compensam mais, você tem que usar lentes de contato rígidas para melhorar a deformação. Quando você coloca a lente de contato, você dá uniformidade à córnea”, explica Álvaro.

Pode chegar um momento em que óculos e lentes de contato sejam mais suficientes para uniformizar a córnea e corrigir o problema de visão. Foi o que aconteceu com o webdesigner Carlos Bartolomeu, de 29 anos. Antes de descobrir alterações na própria córnea, ele acreditava que a visão turva fosse normal. “Eu não tinha percebido [o ceratocone] porque sempre usei óculos, desde a adolescência. Pensei que fosse normal que os óculos não fossem suficientes”, conta.

Esse já foi o primeiro sinal da doença em Carlos: aumento progressivo e rápido do grau do óculos, até um ponto em que nenhuma lente corretora resolvia. Foi quando ele começou a avaliar outras possibilidades de tratamento. Além disso, também são fatores de risco a hereditariedade, alergias oculares, alto grau de astigmatismo e o hábito de coçar os olhos.

Crosslinking

O crosslinking é um procedimento cirúrgico que não tem o objetivo de regredir o ceratocone e melhorar a visão, mas sim de estancar a evolução da doença e evitar que ela progrida para formas mais graves. Com isso, ele diminui a probabilidade de o paciente precisar de um transplante no futuro. O uso dos óculos e das lentes de contato continua se fazendo necessário.

A ideia principal é aumentar a rigidez da córnea e fazer com que ela pare de se deformar. A operação é feita com anestesia tópica, com o uso de colírios. “A gente pinga a riboflavina, uma medicação leve de vitamina B2. Essa vitamina penetra na córnea e, com a luz ultravioleta, provoca uma reação, aumentando as ligações cruzadas das fibras colágenas. Desse modo, você aumenta a resistência dela. O objetivo é estacionar, ele não desfaz as anormalidades estruturais da córnea”, detalha Álvaro Dantas.

Antes, era preciso remover o epitélio (a superfície do olho, que se regenera) para aplicação do medicamento, e usar uma lente de contato rígida durante dias após a operação. Com a tecnologia de Crosslinking Avedro, usada pelo Ícone, essa remoção não se faz mais necessária. A aplicação da vitamina B2 transepitelial dá maior conforto ao paciente e evita que se remova qualquer tecido do olho, promovendo uma recuperação mais rápida e menos risco de infecções.

O crosslinking é indolor e também pode ser combinado com a cirurgia refrativa, para correção de miopia, astigmatismo e hipermetropia. “Dependendo da quantidade do grau tratado com laser, podemos decidir aplicar o crosslinking para reforçar a resistência da córnea afinada por ele”, detalha Álvaro.

Anel intracorneano

O implante de um anel regulariza a superfície da córnea, tornando-a mais firme e evitando a evolução da doença. O procedimento cirúrgico também melhora a visão, uma vez que ameniza a curvatura irregular e, consequentemente, o grau provocado pelo ceratocone. São duas etapas: primeiro, com laser de femtosegundos, cria-se o túnel intracorneano onde o anel será implantado. Em seguida, coloca-se o anel propriamente dito, na posição indicada para cada paciente.

“Quando você implanta o anel dentro do tecido corneano, você está regularizando-o. Ele força o tecido e faz uma armação, um esqueleto, dando força para a córnea. Tem um efeito ‘ortopédico’. A intenção é deixar a córnea mais regular para que o paciente tenha uma visão melhor e até mesmo um grau menor”, continua o médico. A peça pode ficar nos olhos para sempre, mas também pode ser removida se houver indicação.

Carlos, por exemplo, optou pelo implante. Apesar de diminuir o grau, é possível que o paciente ainda sinta necessidade de usar os óculos ou lentes de contato. “Minha visão melhorou um pouco mais, o grau até diminuiu, mas eu ainda fiquei dependente de óculos”, lembra Carlos.

O implante do anel pode ser associado ao crosslinking; enquanto um regulariza o formato da córnea, melhorando a visão e corrigindo em parte o ceratocone, o outro vai evitar que a doença progrida. Também pode ser feita antes de cirurgias refrativas ou implantes de lentes intraoculares, a depender do grau.

Carlos recebeu implante de anel para reforçar a córnea e aproveitou para corrigir toda a miopia que tinha antes de saber da doença – além de cuidar do ceratocone, ele implantou uma lente intraocular, a ICL Visian, para não precisar usar mais lentes corretoras. “Hoje eu consigo levar vida normal sem óculos nenhum, sem queixa nenhuma”, finaliza.

Transplante

O transplante pode ser feito de duas maneiras. Em uma delas, toda a córnea é removida e substituída pela córnea do doador. Na outra técnica, chamada de big bubble, a membrana mais interna da estrutura é preservada. “Isso dá uma resistência maior a rejeições. O ideal é deixar o endotélio preservado e só trocar as outras camadas”, pontua.

O transplante só é feito nos casos mais graves, quando os pacientes deixam de responder aos outros métodos e o ceratocone segue avançando. Segundo Álvaro, a fila de espera do banco de olhos é de cerca de dois meses. “Mas só em último caso, realmente. Hoje a história é outra”, finaliza o oftalmologista.

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