No meio das coroas de flores enviadas pelos muitos amigos da classe teatral, uma delas trazia a assinatura da cantora que ele mimetizou como ninguém: "Homenagens de Maria Bethânia". Da diva da MPB a muitos atores, diretores e produtores, não foram poucos os que choraram, nesta sexta-feira, a morte precoce do ator, diretor e cenógrafo pernambucano Henrique Celibi.
Batizado como Valdenou Henrique de Moura, Henrique Celibi foi enterrado no Centro do Recife. Antes de percorrer o Cemitério de Santo Amaro, o velório foi marcado por cânticos e toques do candomblé - Celibi era também filho de santo. "Como eu, Celibi também era um Egbomy (em nosso culto essa expressão quer dizer "irmão mais velho"). Ele, de Oxum. Eu, de Iemanjá...Quando alguém morre em nosso culto, muitos rituais são feitos para que o espírito encontre um lugar de paz, para que entenda, para que, acompanhado por Iansã, deixe o aiyé", havia publicado, numa rede social, o também ator Marconi Bispo, um dos amigos de Celibi que, de branco, cantavam e tocavam no cortejo fúnebre.
Aos 14 anos, Celibi foi adotado pela trupe do Vivencial Diversiones, o hoje cultuado grupo teatral que, no Recife que se esforçava para respirar debaixo das botas da ditadura militar, enfrentava a repressão com esquetes e desbunde. Logo depois de entrar para o grupo, quando ainda se escondia no armário no caso de batidas policiais, começou a fazer as antológicas dublagens da cantora baiana Maria Bethânia - uma marca de sua carreira e do teatro underground do Recife.
Sem familiares próximos - sua mãe faleceu quando ele tinha ainda 16 anos - Celibi foi velado por muitos amigos de profissão. Um nada pequeno extrato da cena teatral pernambucana esteve no funeral. Do diretor Antônio Cadengue à atriz e produtora Paula de Renor. Da jovem produtora Luciana Bispo à atriz Hilda Torres e o ator e diretor Marcondes Lima.
Na quinta à noite, Marcondes atuou como uma transexual na peça Ossos, do Coletivo Angu de Teatro, durante o festival Trema! "Ontem foi difícil fazer Estrela, em Ossos, sentindo as leves mãos de Celibi sobre a minha cabeça. Adereços com plumas e penas. Prometo não deixar que seu destino pese sobre meu peito", declarou Lima.
Remanescentes do Vivencial Diversiones eram também só tristeza nesta sexta-feira em que o Recife enterrou Celibi - o menino da Ilha do Maruim, em Olinda, que, dono de um poder de comunicação cênica além da média, foi responsável, dentre outros, pela criação da personagem Cinderela que se transformaria no estrondoso sucesso da carreira do amigo Jason Walace.
"Estou muito triste. Mas Celibi foi, além do ator genial, o homem que nos ensinou sempre a superar as dificuldades", disse, à porta do velório, o ator Américo Barreto, espécie de tutor de Henrique Celibi após a morte de sua mãe. "Eu perco um filho. Ele era um heroi", dizia, emocionada, Ivonete Melo, a antiga musa do Vivencial.
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CORTE
Henrique Celibi morreu, aos 53 anos, na manhã da última quinta-feira. O laudo oficial ainda não foi divulgado, mas os amigos contam que ele teria se cortado no vidro do box do banheiro. Ligou ainda para o Samu e pediu aos vizinhos. Com a demora do socorro, acabou por perder sangue demais e teve duas paradas cardíacas, já na Unidade de Pronto Atendimento de Olinda, onde ainda chegou lúcido.
Com aquele vidro em sua veia femural, o Recife perde um de seus criadores cênicos mais inquietos. Um dos cenógrafos da escola de samba carioca Beija-flor de Nilópolis, Celibi tinha, entre os planos, nada menos que refundar o próprio Vivencial Diversionais, promovido a objeto cult sobretudo depois do filme Tatuagem, de Hilton Lacerda, inspirado na trupe.
"Tatuagem tem uma atmosfera “Vivencialesca” e só. Acho o filme certinho demais, nós éramos muito mais anárquicos", disse, pouco atrás, Celibi, numa entrevista ao JC.