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'A Forma da Água' e o romance do cinema com os monstros

A história de amor singular entre uma espécie de tritão e uma mulher muda venceu a principal categoria do Oscar

Da AFP Frankie Taggart
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Da AFP
Frankie Taggart
Publicado em 06/03/2018 às 17:55
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A história de amor singular entre uma espécie de tritão e uma mulher muda venceu a principal categoria do Oscar - FOTO: Divulgação
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Em termos de carisma, está longe de ser Cary Grant, mas o anfíbio humanoide de "A forma da água" perpetua uma tradição de filmes de monstros que capturou a imaginação do público desde o início do cinema. 

A história de amor geneticamente modificado de Guillermo del Toro, entre uma espécie de tritão e uma mulher muda, reafirmou no domingo a popularidade do gênero, ao conquistar os Oscar de melhor filme e melhor diretor. 

Mas os filmes de monstros vão muito além do terror, indo da comédia e da fantasia à ficção científica, e Del Toro soube capitalizar esse romance do cinema. 

"Os monstros nem sempre são aterrorizantes ou malvados. Os monstros da Pixar em 'Monstros S.A.', assim como o personagem principal de 'Um hóspede do barulho', eram encantadores e doces", escreve John Landis, diretor de "Um lobisomem americano em Londres" (1981), em seu livro "Monsters in the Movies". 

"Inclusive o monstro mais famoso de todos, o Frankenstein retratado por Boris Karloff" em 1931, "é vulnerável e compassivo". 

O filme mudo alemão "O Golem" (1915), de Paul Wegener, é considerado o primeiro filme de criaturas, e "Nosferatu", um dos longas de terror mais emblemáticos da Alemanha, chegou sete anos depois. 

Nos anos 1930, os cineastas americanos se entusiasmaram com o tema e realizaram uma série de contos góticos com influência alemã, sobre Drácula, Frankenstein, a Múmia e o Homem Invisível. 

Décadas depois, filmes como "Jurassic Park: Parque dos dinossauros" (1993), "Cloverfield - Monstro" (2008), "O Caçador de Troll" (2010) e "Círculo de fogo" (2013), de Del Toro, foram sucessos de crítica e comercial. 

"King Kong" (1933), talvez a fera mais famosa de todas, se tornou um ícone cultural através de vários filmes, com as versões mais recentes, "King Kong" (2005) e "Kong: A ilha da Caveira" (2017), arrecadando mais de um bilhão de dólares no mundo todo.

PARANOIA NUCLEAR

O filme do pioneiro dos efeitos visuais Ray Harryhausen "O monstro do mar" (1953) marcou o começo da onda de criaturas dos anos 1950, capitalizando a paranoia nuclear da época. 

"O monstro da lagoa negra" (1954) serviu de inspiração para a aparência do humanoide anfíbio de Del Toro em "A forma da água". 

Kendall Phillips, professor da Universidade de Syracuse e autor de um livro sobre a retórica do terror no cinema americano, assegurou que a "alteridade" dos monstros nos assusta. 

Mas também provoca empatia, afirmou, porque "no fundo, todos nós às vezes nos sentimos um pouco inadaptados e como monstros". 

"King Kong é uma criatura horrível e ameaçadora que faz coisas perigosas, e no entanto você não consegue evitar ter certo nível de compaixão", disse à AFP. 

Mas os demônios nem sempre são sucesso no cinema, e entre os fracassos Phillips destacou "A múmia" (2017). 

A ideia era que a história de ação protagonizada por Tom Cruise lançaria a franquia "Dark Universe" da Universal, retomando todos os seus monstros clássicos, mas o filme obteve uma aprovação de 16% no site de críticas Rotten Tomatoes e perdeu cerca de 95 milhões de dólares.

"CARTA DE AMOR"

"É engraçado que no mesmo ano Guillermo del Toro lance um filme que é uma bonita carta de amor para essa época, que realmente captura o espírito de todos esses monstros belamente", disse Phillips à AFP. 

Para o acadêmico, "A forma da água" resultou ser o antídoto perfeito para as guerras culturais dos Estados Unidos e as contínuas mensagens de certos políticos sobre "temer o outro". 

"Temos este filme que conta uma bonita história de amor, sobre duas entidades que se sentem desconectadas e não parte do mundo, e de alguma forma são capazes de fechar essa brecha", disse. 

Mas nem todos os filmes que se destacam ganham o Oscar, e um dos maiores trunfos de "A forma da água", segundo críticos, é que é inofensivo. 

Embora não tenha sido tão querido como o favorito para melhor filme "Três anúncios para um crime", tampouco foi odiado. 

"Três anúncios para um crime" foi aclamada pela crítica, mas é provável que tenha obtido muitos votos negativos por como parece absolver um de seus personagens principais, um policial violento e racista. 

Daniel Montgomery, do site Gold Derby, disse que esperava que "A forma da água" ganhasse o prêmio de melhor filme apesar de seu "romance pouco convencional entre espécies". 

"Os filmes nem sempre precisam causar uma boa sensação para ganhar o Oscar. Olhem para ganhadores como 'Os infiltrados' (2006) e 'Onde os fracos não têm vez' (2007)", escreveu. 

"'Três anúncios para um crime' teria encaixado nesse molde mais obscuro. Mas em uma pesquisa de preferências, ser mais agradável pode ajudar".

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