Quadrinhos

Por dentro da cena de HQs, Sidney Gusman traz expertise à Bienal Geek

Editor da Mauricio de Sousa Produções, Sidney ministra dois painéis no evento, um sobre a HQ 'Jeremias Pele' e outro acerca do mercado de quadrinhos

JC Online
Cadastrado por
JC Online
Publicado em 24/05/2018 às 11:47
Foto: Rafael Roncato
FOTO: Foto: Rafael Roncato
Leitura:

Todo e qualquer fã assíduo de histórias em quadrinhos já ouviu falar em Sidney Gusman, um dos maiores especialistas da área no País. Hoje, ele coordena as Graphic MSP, da Mauricio de Sousa Produções, narrativas sequenciais que pendem para o lado nostálgico, buscando fisgar a geração de jovens e adultos que cresceram lendo os gibis e almanaques da Turma da Mônica. Nessas histórias, os personagens do bairro do Limoeiro são retratados de forma mais realista, como se não estivessem inseridos no conhecido mundo cor-de-rosa “mauriciano”. E é de Sidney, que vai estar no Recife nos próximos dias 26 e 27 para ministrar painéis na Bienal Geek, a grande responsabilidade de definir quem são os autores (sempre independentes) mais apropriados para a feitura dessas HQs.

Até então, já foram lançadas 18 Graphic MSP, sendo a última delas Jeremias: Pele, escrita por Rafael Calça e ilustrada e colorida por Jefferson Costa, com a edição de Sidney. Delicado e sensível, o quadrinho mostra como o racismo está intrincado na sociedade, sob a inocente concepção de um dos poucos personagens negros da Turminha que, apesar de ter sido um dos primeiros a ser criado por Mauricio de Sousa, sempre foi secundário, nunca protagonista.

“Esse livro é um tapa na cara. Na televisão, praticamente toda família negra é problemática, não tem uma feliz. O Jeremias está ajudando a mudar a ótica da própria MSP e ver esse movimento acontecer para mim é mágico”, conta Sidney, que no dia 26 fala na Bienal Geek sobre este projeto ao lado dos dois quadrinistas. Eles abordarão suas trajetórias, discorrendo sobre os processos criativos que envolvem a criação da arte e do roteiro e ainda os cuidados que se deve ter com a adequação de personagens previamente concebidos – ainda que o Jeremias não tenha sido muito explorado ao longo dos anos.

Antes mesmo de Stan Lee revolucionar a Marvel Comics com a criação do Quarteto Fantástico, em 1961, Mauricio de Sousa, em 1959, já publicava as suas tirinhas do Bidu nos jornais. De lá pra cá, criou o Franjinha, a Mônica, o Cebolinha, o Cascão, a Magali, a Tina, a Marina, o Chico Bento, o Astronauta, o Piteco, o Jotalhão, o Horácio, o Penadinho, o Louco, o Rolo, o Papa-Capim, o Pelezinho, o próprio Jeremias, entre outros, sendo festejado pelas crianças leitoras de revistas em quadrinhos do mundo inteiro (a priori, o seu público-alvo).

“O Mauricio está em uma posição em que ele poderia dizer ‘já sou dono do mercado infantojuvenil, não preciso do mercado adulto’, mas ele enxergou além”, comenta Sidney, acreditando que a iniciativa levou o público mais velho a voltar a consumir quadrinhos de todas as naturezas, dos comerciais aos autorais e experimentais. “Quando aquela pessoa que foi leitora de gibis se depara com um Astronauta adulto, como na nossa primeira Graphic, a Magnetar (2012), ela certamente se identifica ou acha, no mínimo, curioso. E uma coisa acaba levando a outra, os leitores vão atrás dos autores, descobrem outras produções nacionais e por aí vai”.

INDEPENDENTES

É como se o circuito comercial retroalimentasse o independente, e vice-versa. O que é excelente para os artistas nacionais, que por tantos anos ficaram às margens do mercado, tomado por produções “disneyanas” e por artistas estrangeiros agenciados pelos chamados syndicates, que distribuíam tiras aos jornais a preço de banana, numa concorrência desleal. Essa é outra questão que será abordada por Sidney na Bienal Geek, em palestra acerca do mercado de quadrinhos, marcada para o próximo domingo (dia 27), no Centro de Convenções.

“Temos que agregar em vez de contrapor. Não é à toa que todos os autores que busco para produzir as novelas gráficas da MSP são independentes”, afirma Sidney, ressaltando que ainda não é possível falar em um mercado independente no Brasil, tendo em vista que a maioria dos artistas não consegue sobreviver exclusivamente das suas produções. “É por isso que eu digo que autor autônomo é de certa forma um herói, porque é um faz-tudo. É quem cria e é muitas vezes também quem distribui, levando as HQs na mala para as feiras ou para o correio, quando vende online”.

Ainda conforme o especialista, apesar das dificuldades enfrentadas pelos autores da linha alternativa, o cenário de quadrinhos nunca esteve em um momento tão criativo como este. “O que falta é que mais gente consiga ter acesso aos quadrinhos, que mais editoras invistam nesse mercado. Hoje, nas bancas, é difícil para um autor ter seu produto exposto, sobretudo quando se leva em conta a caótica distribuição em um país da dimensão do Brasil”, pontuou, considerando a inserção de HQs em plataformas de leitura online, a exemplo da Social Comics, uma saída interessante para a circulação.

“É tudo muito novo, mas há um caminho sendo trilhado. Alguns artistas conseguem viver da sua própria lojinha online, como o Carlos Ruas (Um Sábado Qualquer), que tem uma quantidade assustadora de fãs”, comenta. Para Sidney, outro ponto interessante parte das plataformas online de financiamento coletivo. “Ainda assim, para angariar fundos, o quadrinista antes precisa se fazer visto. E tem muitas editoras que esperam o autor conseguir recursos para enfim oferecer uma parceria”.

Sobre o cenário pernambucano de HQs, historicamente conhecido pela excelência dos seus chargistas e cartunistas, Sidney diz ter “muita gente boa” por aqui, mencionando João Lin e Mascaro, autores da extinta revista Ragu, que participaram da MSP 50 e MSP +50, respectivamente, álbuns desenvolvidos em homenagem aos 50 anos da carreira de Mauricio, completados em 2009.

"Cheguei a fazer um prefácio para uma caixinha da Ragu, sou muito fã daquele projeto. Uma pena que eles não estejam mais produzindo quadrinhos”, comentou, acrescentando ter achado interessante o projeto Recife Assombrado, de André Balaio e Roberto Beltrão. “Cheguei até a indicar o quadrinho porque achei bárbara a ideia”.

Editor recruta novos talentos para projetos

O que Sidney Gusman representa para os quadrinistas da cena tida como “marginal” é justamente a chance da visibilidade. Dada sua experiência, criticando HQs na imprensa desde os anos 1980, ele recebe a torto e a direito em seu e-mail projetos de quadrinistas pedindo por reviews e sugestões. E ele garante que lê todos, a seu tempo.

Os projetos que ele mais gosta e “bota fé”, divulga em seu canal do YouTube, nas redes sociais ou no Universo HQ, site especializado no ramo no qual atua como editor-chefe. É por toda essa credibilidade que Mauricio deposita nele a confiança para escolher a dedo os autores das Graphic MSP. E Sidney garante, humildemente, que até hoje não errou a mão.

“Eu sempre busco as pessoas que eu leio. Como acompanho o mercado e, modéstia parte, conheço bem os personagens do Mauricio, ele me dá certa liberdade. O primeiro critério no processo de seleção, contudo, é o artista estar super a fim de participar do projeto”, afirma, comentando que as reações dos artistas ao serem convidados são sempre incríveis.

Antes de enveredar para a crítica e edição de HQs e projetar quadrinistas no cenário nacional, Sidney, formado em educação física, trabalhava como repórter esportivo em rádio. “Nos anos 1980, eu estava fazendo jornalismo. Foi quando começou um boom de matérias sobre quadrinhos, e eu era leitor. Passei a procurar freelas, até que consegui o primeiro e nunca mais larguei. Logo depois, fui contratado pela Editora Globo para atuar como redator (onde trabalhou em títulos como Sandman, Fantasma e Marvel Force)”, conta, apontando que o estalo de que queria ser editor se deu em 1992.

“Eu fui para a Itália e fiz um estágio informal na Sergio Bonelli editora. Lá, eu via o Sergio editando quadrinhos de verdade, não só revisando texto. Ele dava sugestões de roteiro, falava das proporções das artes. Aí pensei: ‘quero fazer isso também, conversar com artistas’. Hoje é o que faço e é surreal as pessoas saberem quem eu sou por isso”.

Isso significa que as 18 Graphic MSP têm alguma sugestão ou solução de Sidney e os leitores nunca irão saber o quê, a não ser que os próprios autores contem. Outra coisa que muita gente não sabe, além do fato de o Sidão, como é carinhosamente chamado, ser apaixonado por esportes, é que ele tem dois projetos de novelas gráficas engavetados há cerca de dez anos.

“Ter que parar para escrever é um negócio maluco, mas são obras que eu preciso botar para fora. Vou deixar de ser o estilingue para ser uma vidraça”, brinca. Sem revelar títulos, ele afirma pretender tirar as histórias da gaveta até 2020. Até lá, inclusive, as Graphic MSP estão garantidas.

“Já tenho quatro programadas para o ano que vem, que irei anunciar na Comic Con Experience (CCXP), em dezembro, e outras duas já preparadas para 2020. As próximas a sair, em ordem, são Horácio, de Fábio Coala (julho), Cebolinha, de Gustavo Borges (setembro) e a quarta do Astronauta, outra vez de Danilo Beyruth e Cris Peter (dezembro, na CCXP)”, conclui.

Foto: Rafael Roncato
O jornalista e editor da Mauricio de Sousa Produções Sidney Gusman - Foto: Rafael Roncato
Foto: Divulgação
Cena da HQ 'Jeremias Pele', que aborda o racismo de forma sutil e ao mesmo pungente - Foto: Divulgação

Últimas notícias