Ao longo dos últimos dez anos, Katy Perry se consolidou como uma das popstars mais precisas quando o assunto é produzir hits. Entre seus feitos estão recordes como a venda de mais de 100 milhões de singles e a produção de vários hits, incluindo o feito de se igualar a Michael Jackson com cinco músicas de um mesmo disco atingindo o primeiro lugar da concorrida parada musical americana. Porém, como têm mostrado artistas como Beyoncé e Rihanna, e Madonna e Janet Jackson antes delas, nem só de sucessos chicletes vive um ícone pop. Disposta a fazer a transição na sua carreira, Perry lançou ontem Witness, seu disco mais maduro e sonoramente ousado.
A jornada de Katy Perry até o lançamento de Witness foi conturbada. Após três discos que produziram dezenas de hits, ela tirou um período sabático. 2016, particularmente, foi de muitos altos e baixos para a cantora. No início do ano, assumiu o namoro com Orlando Bloom, terminando a relação em novembro. No mesmo período, Perry vivenciou o que classificou como um grande trauma: a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA.
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“Quando olho para trás, fico muito grata pela experiência da eleição por ter sido capaz de encontrar minha voz e de testá-la. Houve muito barulho quando me posicionei porque por um tempo eu fui a garota neutra. Não me incomodava quando alguém dizia ‘Ah, cala a boca e canta’”, disse ela, que apoiou Hillary Clinton, em entrevista.
A fala de Perry, de fato, é de uma autoanálise precisa. Até recentemente, sua estética colorida e referências a bichos de pelúcia e imagens “fofas” apelavam para crianças e pré-adolescentes. Aos 32 anos, no entanto, Perry busca agora o tipo de reinvenção que suas contemporâneas, como Rihanna e, mais recentemente Lady Gaga, têm feito, de se conectar com jovens adultos.
POLÍTICA
Dentro desse contexto, a cantora passou a anunciar Witness como um álbum de “pop com propósito”. O lançamento do primeiro single, Chained To The Rhythm, parecia apontar, de fato, para uma pegada política. A faixa, um dancehall com toques disco, fala sobre alienação política e o papel da música pop nesse processo. Nas apresentações do single, fez críticas explícitas às políticas segregacionistas de Trump e Theresa May, primeira-ministra britânica.
As faixas seguintes, no entanto, apontaram para outra direção: Bon Appétit, com os rappers Migos, surfa na onda da trap music e fala, basicamente, de sexo oral. Swish Swish, com Nicki Minaj, é uma (ótima) homenagem à house, sampleando Fatboy Slim e Roland Clark. (A canção, inclusive, é considerada uma resposta à Taylor Swift, rival de Perry e Minaj, e que, para “boicotar” Witness, disponibilizou sua discografia no Spotify na mesma hora em que o álbum de Perry foi lançado).
A mudança de discurso funcionou como um gatilho para as críticas e falar mal de Katy Perry virou uma espécie de esporte. Ela não é a primeira a enfrentar esse tipo de reação: Madonna, Christina Aguilera e Lady Gaga são exemplos de artistas massacradas quando tentaram diversificar seu repertório e reposicionar suas imagens.
As mensagens sociais estão lá, como em Bigger Than Me, mas são exceções. Questões mais recorrentes dizem respeito à própria jornada da cantora, tanto de autoconhecimento, como em Into Me You See e Pendulum, como suas desilusões amorosas, a exemplo de Save as Draft.
Na obra, ela desenvolve canções que não soam como hits óbvios, mas que crescem a cada audição, a exemplo Roulette, Hey, Hey, Hey e Power, estas últimas centradas em volta do empoderamento feminino. Mind Maze, produzida pelo duo canadense Purity Ring, é um pop futurista que deve surpreender os mais céticos em relação à disposição de Perry em se arriscar.
É perceptível uma tentativa de sair da zona de conforto, inclusive de forma extrema. Para lançar o disco, Perry está desde a madrugada de ontem em uma espécie de Big Brother, no qual os fãs podem acompanhar seu dia a dia, saber mais sobre ela e o processo de criação do disco. Uma forma, segundo ela, deles conhecerem tanto Katy Perry quanto Katheryn Hudson (seu nome de batismo e seu “eu” fora dos palcos).
O álbum é um passo positivo para a artista, que apesar de canções pop impecáveis, era uma artista sem densidade. Não é o manifesto anti-Trump que ela chegou a sugerir, mas é uma decisão ousada de uma das maiores estrelas pop da atualidade. A busca por conexão, por forjar um discurso próprio e encontrar seu lugar no mundo, permeia todo o disco e essa é uma vitória que Katy Perry pode celebrar.