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Chico Buarque volta à música após seis anos com o álbum 'Caravanas'

Sem se expor demais, o cantor e compositor saiu da toca e coloca nas prateleiras (reais e virtuais) a partir da sexta-feira (25), o 23º álbum de estúdio

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Publicado em 23/08/2017 às 7:58
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Sem se expor demais, o cantor e compositor saiu da toca e coloca nas prateleiras (reais e virtuais) a partir da sexta-feira (25), o 23º álbum de estúdio - FOTO: Foto: Leo Aversa/Divulgação
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Chico Buarque, seis anos depois, volta à música de fato. E o faz com o pé na porta, sem cerimônias, ainda que com a cadência que lhe cabe aos 73 anos de idade. Sem se expor demais, o cantor e compositor carioca saiu da toca e coloca nas prateleiras (reais e virtuais) a partir desta sexta-feira (25), Caravanas, o 23º álbum de estúdio. Com ele, morde e assopra. Afaga e sofre de desamor. E pincela subliminarmente uma visão política, enquanto navega por mares tranquilos organizados, por vezes singelamente, por Luiz Claudio Ramos, o diretor e produtor do álbum. Há planos para uma turnê pelo País, mas, até o momento, nada foi confirmado.

Chico é calor e frio aqui, é Tua Cantiga, uma canção de amor delicada, e As Caravanas, o beguine, um jazz latinizado dos anos 1930, transmutado em funk. Opostos que se unem, se alinham e costuram, do início ao fim. O retrato de um artista que já foi à frente de seu tempo, foi ultrapassado por ele e hoje flana, livre, por um espaço no qual sabe o que faz, sem correr riscos. Sem avançar demais. Nem de menos.

Soma-se meia dúzia de anos desde Chico, o álbum, até então último disco do carioca. Rumores para lá, rumores para cá. Ele está gravando um disco? Perguntavam-se todos. Estava, mas tudo foi às escondidas. Desde 2015, pingava, com mala, cuia e banda, para gravar uma ou outra canção. Foi tudo feito a conta-gotas, oposto ao das produções recentes, quando se reunia diariamente para registrar as canções, em uma rotina que dizia ser extenuante. Chico, afinal, não tem mais pressa.

E no processo de erguer-se do silêncio e exílio musical de que gosta - é bom lembrar -, Chico se cercou dos seus. Ramos está a seu lado há décadas e o auxilia na construção das camadas, poucas, responsáveis por dar suporte à voz frágil. Afetivo, ele tem consigo os netos. Moça e moço crescidos, Clara Buarque e Chico Brown, ambos filhos de Carlinhos Brown com Helena Buarque, atuam em Dueto e Massarandupió, respectivamente. No caso do guri, a música é dele, que mandou ao avô algumas composições. A canção quase não enviou por considerá-la "a mais infantil" foi a selecionada.

Na parceria com Clara, Chico regravou Dueto, canção originalmente registrada ao lado de Nara Leão, em 1980. Ao ter presença da neta e ao substituir versos de "pravda" e a "vodca" por nomes de redes sociais das novas formas de comunicação - que incluem e-mail, ligações por Skype e por aí vai -, Chico soa como alguém que vive um tempo que não é dele, mas o faz com graça. Diverte-se junto. A ponto de incluir Rafael Mike, do grupo de funk Dream Team do Passinho, para criar o beatbox nos momentos mais acalorados de As Caravanas. Sim, Chico subiu o morro. E colocou o funk para tocar na sua música de protesto.

Construiu Caravanas (e não confunda esse título do disco com a música responsável por encerrar o álbum, de nome As Caravanas) aos pouquinhos, em visitas periódicas ao estúdio da gravadora Biscoito Fino. Seu disco e sua visão para os tempos extremos e divisórios. O Chico, de seus 73 anos, que canta o hoje. O louco século 21 tem um Chico mais lúcido a olhar bem para ele. Frente a frente com o agora, Chico é outro. Aceita o inevitável - o tempo, esse canalha - e ainda se assume a favor da paz em tempos de ódio, como o faz em As Caravanas, a canção mais contestadora, irônica e sagaz do carioca em anos.

Porque, em um disco no qual se canta tanto sobre amor, Chico é sarcástico num discurso usurpado. Sacana, ele se porta como um burguês carioca a ver as "caravanas", como ele compara, de ônibus que trazem moradores dos morros e das periferias do Rio às praias da zona sul, como Copacabana, Leblon, etc. É tão ácido que, talvez, haja quem não entenda o discurso. E isso também é interessante para um artista que já provocou a ditadura com versos escancaradamente óbvios, como em músicas como Deus Lhe Pague, ou ainda escondeu suas críticas no jogo de palavras - Cálice é uma aula do início ao fim no quesito.

Mostra que Chico, aquele que conhecíamos, ainda está lá, em algum lugar. Nas faixa que encerra o disco, ele deixa essa persona mais contestadora escapar daquele lugar confortável no qual se deita, cujas harmonias podem ser complexas, mas são macias, não pinicam e não causam dores nas costas.

O mundo não exige mais nada de Chico Buarque. Sua discografia está feita e estabelecida. Ainda assim, ele eventualmente coloca a cabeça para fora da toca. E quando o faz, é sempre Chico. Essencialmente Chico.

O Chico de agora tem amores impossíveis

Um Chico Buarque que, décadas atrás, já disfarçou as críticas sociais e aos militares, e já as escancarou. Defendeu arduamente seus interesses políticos, apunhalou o "cale-se". E, agora, aos 73 anos, é um retratista da sociedade ao seu redor. Apaziguado, talvez. Mas calma é a voz da idade. Não há pressa e vividez, como no Chico que batia com Construção e avançava enfurecido com Calabar. Caravanas é, portanto, o retrato do Rio de Janeiro - e do Brasil - que Chico vê quando caminha pelas praias da zona sul carioca. Suave.

Um homem que encara a idade e cujo corpo é incapaz de desenvolver passes e dribles com as bolas nos pés dos tempos outros, cantado com nostalgia em Jogo de Bola. Acima de tudo, Chico é esse homem frágil. Ciente que é quebrável e não imortal. Por isso, deixa ficar a fragilidade no gogó. E é adorável ao fazê-lo. Não se engane, contudo, nada é fora do lugar. Quando soa vulnerável, o faz de forma proposital. Porque Chico quer, descaradamente, duvidar de si, dele, o compositor, o cantor, o amante que não tem sua contraparte.

Canta amores, ainda. É a temática mais presente em seu Caravanas São sentimentos de diferentes tamanhos e amargores - mas há pouco melaço para fazê-lo sorrir. É como o amor efêmero de A Moça do Sonho, parceria com Edu Lobo, vagarosa, de voz, violão e violoncelo. Uma musa de sonho, uma fumaça que se vai ao abrir dos olhos e a cama, ao lado, está vazia.

Sofre o velho Chico, machucado por esses amores não correspondidos, proibidos ou mesmo impossíveis. Coloca-se para baixo, como um jovem a sofrer a fossinha de uma paixão que nunca ganhou sabor. Nem beijo nem gozo. Ficou ali, distante, no fértil campo das ideias do compositor. "Fico admirado por incomodar-te assim. Jamais pensei que pensasses em mim", canta em Desaforos, a oitava das nove faixas de Caravanas. Tão cabisbaixo, um dos maiores compositores do País se posiciona no personagem falho, capenga. "Custo a crer que meros lero-leros de um cantor possam te dar tal dissabor." Lero-leros, Chico? De alma devastada, ele segue, de cantarolar em cantarolar, derrota em derrota.

O passado já foi generoso com Chico, o eu lírico. Tinha mais sorte no amor, esse romântico de olhos verdes. Ao menos, alternava-se entre vitória e fracasso. Agora, canta os insucessos. Em Tua Cantiga, a polemizada, ele enciumado, cala-se; exagerado, ajoelha-se; desesperado, tenta; sem saída, vai-se embora com a promessa do retorno imediato. Derrotado, se dispôs a "virar menina" para namorar a protagonista de Blues Para Bia e prometeu voltar a Cuba em Casualmente (parceria com Jorge Helder), para encontrar aquela que provavelmente já lhe esqueceu. Quebrável, Chico perdeu. Todas elas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

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