ESCRITA

Exposição sobre Raimundo Carrero tem debate sobre o autor

Condenados à Vida, em cartaz no Museu do Estado de Pernambuco, celebra os 70 anos do escritor pernambucano

JC Online
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Publicado em 07/12/2018 às 17:33
Heudes Régis/Divulgação
Condenados à Vida, em cartaz no Museu do Estado de Pernambuco, celebra os 70 anos do escritor pernambucano - FOTO: Heudes Régis/Divulgação
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Os escritores Nivaldo Tenório e Wellington de Melo são os convidados deste sábado (8) para o Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), quando fazem um debate sobre a obra de Raimundo Carrero, que atualmente é homenageada na exposição Condenados à Vida. O evento acontece às 15h, com entrada gratuita, sujeita à lotação da sala.

Nivaldo vai falar sobre a linguagem da obra de Carrero, pensando o sofrimento e a literatura na escrita do autor, especialmente em Somos Pedras que se Consomem. Wellington, junto com ele, vai se debruçar sobre a paixão nas narrativas de Carrero.

A exposição Condenados à Vida fica em cartaz até o dia 16 de dezembro. Raimundo Carrero também divulgou nesta semana o manifesto que leu na abertura da exposição, falando do desafio dos escritores diante dos tempos atuais.

Confira o Manifesto Brasil, de Raimundo Carrero:

A literatura brasileira viverá dias de combate nos próximos anos, em que as técnicas serão armas de luta para enfrentar o dia a dia, ao lado do discurso angustiante. Desde o final do século XIX começo do século tivemos dois caminhos a seguir: Lima Barreto e Machado de Assis, sem que um desmereça o outro. Mas num momento em que precisamos defender as nossas dores e as nossas angústias precisamos encarar um ponto de vista definitivo, a ele vem, claramente de Lima Barreto, combatente de plantão pronto para a luta literária, que é o nosso campo.

Seremos todos Isaias Caminha, mais jornalista e menos escrivão, dispostos a rejeitar preconceitos, dificuldades e ameaças à sociedade brasileira. Refiro-me, de cara, a Isaías Caminha porque é neste romance que Lima encilha as armas, sobretudo naquele instante em que o personagem chega ao Rio que se transforma em terra estranha, no seu exílio permanente. E hostil, sobretudo hostil. Lembro, perfeitamente, o jovem Caminha, pobre e humilde, que procura se adaptar à cidade, fazendo amizades e interpretando o caráter das pessoas. Fundamental caráter sempre é fundamental. É uma exigência de Lima e de todos nós.

Entre os amigos, na verdade, conhecidos de Caminha, aparece Abelardo Leiva, perfeitamente oscilante, sobretudo na visão do protagonista, que não admitia equívocos, ou, não admitia vacilos . Qualquer dúvida merecia reparos. O escritor combatente criticava com furor o romantismo exacerbado e a admiração que Leiva dedicava às mulheres– o que nele não era esquisito .O que a rigor ele critica é o romantismo do amigo. Caminha e Lima teem pontos muito em comum, com enorme desvantagem para Lima, cujo caráter é exigente, intocável. ÀS vezes intolerante. Vamos, por isso mesmo, rever o perfil psicológico de Leiva.

“Abelardo Leiva, o meu recente conhecimento, era poeta e revolucionário. Como poeta tinha a mais sincera admiração pela beleza das meninas e senhoras de Botafogo. Não faltava às regatas, às quermesses, às tômbolas a todos os lugares em que elas apareciam em massa e a sua musa – uma pálida musa, decentemente abotoada no Castilho e penteada diante do espelhos de B Lopes e Macedo Papança – quase diariamente lhe cantava a beleza olímpica e lirial. Como socialista, dizia-se socialista adiantado, apoiando-se nas prédicas e brochuras do senhor Teixeira Mendes, lendo também formidáveis folhetos de capa vermelha, e era secretário do Centro de Resistência dos Varredores de Rua. Vivia, pobremente, curtindo miséria e lendo, entre duas refeições afastadas, as suas obras prediletas e enchendo a cidade com passos de homem de grandes pernas” Escreve em Lima

Neste sentido, o autor radicaliza ao extremo, detestando qualquer fuga daquilo que considera revolucionário. Não gostava de clubes sociais e chás burgueses. Chamou o escritor Coelho Neto de nefasto, porque havia inaugurado a piscina do Fluminense. Dizia que a simples referência ao nome Coelho Neto lhe causava inquietação. Rejeitava qualquer conciliação com a elite. Teve muitos entreveros com Machado de Assis, de quem exigia uma posição firme a favor da causa dos negros no Brasil, também não parecia disposto a conviver politicamente com o autor de Capitu.

Mesmo assim é preciso considerar que Lima conhecia as chamadas técnicas burguesas literárias e sabia usá-las quando necessário. É o caso do romance que estamos citando, onde surgem o o duplo – tão caro a Dostoievski -, Lima e Caminha, o alter ego - caminha é Lima – a metáfora da viagem de trem, e o nome do personagem caminha, anda, voyeur, observador,e a busca da frases literárias “pardas nuvens cinzas galopavam, e, ao longe, uma pequena mancha mais escura parecia correr engastada nelas.”

Um exemplo a ser seguido, rigorosamente, sem esquecer o seco Graciliano Ramos e feérico Jorge Amado, com a proclamação das mulheres exigentes e belas. Que seja uma literatura de combate, sem perder a ternura.

Pouco a pouco, Lima foi aperfeiçoando sua técnica – queira ou não é uma técnica – deslocando o discurso dos personagens para as ações, para os movimentos, para as cenas e para os cenários – que lhe valeram, pelo menos, um doutorado brilhante de Osman Lins – Lima Barreto e o Espaço Romanesco.

É preciso reconhecer em Lima Barreto, sobretudo , o nosso bastão de comando. Sem meias-palavras.
Para encerrar, exemplo de cenário político-social:

“Vai-se por uma rua a ver um correr de chalets, de porta e janela, parede de frontal, humildes e acanhados, de repente se nos depara uma casa burguesa, dessas de compoteiras na cimalha rendilhada, a se erguer sobre um porão alto com mezaninos gradeados. Passada essa surpresa, olha see acolá e dá-se com uma choupana de pau a pique, coberta de zinco ou mesmo de palha, em torno da qual formiga uma população; adiante, é uma velha casa de roça, com varanda e colunas pouco classificável, eue parece vexada e querer ocultar-se, diante daquela onda de edifícios disparatados e novos.”

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