A Copa do Mundo de 1994 representou para o Brasil muito mais que os berros de “É tetra” do narrador Galvão Bueno quando Roberto Baggio, craque da Itália, isolou a última cobrança de pênalti na final. Foi o Mundial de uma geração questionada, devido os percalços no caminho durante as Eliminatórias. Mas que teve no Recife o apoio que lhe faltou no resto do país, para, enfim, engrenar nos Estados Unidos. Depois de 24 anos, a seleção brasileira voltava a ser soberana no mundo na terra do Tio Sam.
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Os Estados Unidos receberam pela primeira vez a Copa do Mundo em 1994. Lá, o esporte mais popular do mundo era apenas o quarto no gosto dos americanos (perdia para o futebol americano, basquete e beisebol). Fator que não impediu com que o Mundial tivesse a melhor média de público da sua história: 68.991 torcedores por jogo. As arquibancadas estavam cheias e sendo castigadas por um sol escaldante em praticamente todas as partidas, disputadas entre 11h30 e 13h. A ideia era que o fuso horário não atrapalhasse as transmissões na Europa.
A seleção brasileira passou por maus bocados para poder chegar aos Estados Unidos. Empatou com o Equador, perdeu para a Bolívia, depois venceu a Venezuela e derrotou os próprios equatorianos. A campanha ruim fez com que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) levasse o segundo jogo ante os bolivianos para o Recife. Para o calor do povo pernambucano, que recebeu a Canarinho de braços abertos e mãos dadas. Afinal, foi assim que os jogadores entraram no gramado do Arruda, como um sinal de união do grupo. As quatro linhas do campo tricolor viram uma atuação impecável dos comandados de Carlos Alberto Parreira, que venceram por 6x0 e engataram mais duas vitórias nas rodadas finais (contra venezuelanos e uruguaios). O passaporte estava carimbado para a Copa do Mundo.
Os zagueiros Ricardo Gomes e Mozer se lesionaram e acabaram cortados antes mesmo da bola rolar. E, quando ela rolou, foi a vez do pernambucano Ricardo Rocha se lesionar logo no começo do jogo de estreia, contra a Rússia, e ficar de fora de toda a Copa do Mundo. Outra lesão foi mais benéfica para o Brasil. Müller se machucou ainda na fase classificatória e acabou cortado. No seu lugar entrou Romário, que não vinha sendo convocado por Parreira, que só o chamou para o último jogo das Eliminatórias, contra o Uruguai.
Atual campeã, a Alemanha manteve a base do título de 1990. Matthäus, Brehme, Illgner e Klinsmann foram à América, mas sem o mesmo brilho de quatro anos antes. Outra estrela que ficou ofuscada foi o argentino Diego Maradona, pego no doping no jogo contra a Nigéria, pela segunda rodada, e suspenso do restante da competição.
Sem ter nada a ver com os problemas dos outros times, o Brasil começou o Mundial voando. Venceu os russos por 2x0, depois aplicou 3x0 ante Camarões e encerrou a primeira fase com 1x1 diante da Suécia. Os resultados colocaram os Estados Unidos como adversário nas oitavas de final. A partida foi realizada no dia 4 de julho, justamente a data da independência americana, fator que motivou ainda mais os donos da casa. Contudo, no fim, vitória 1x0 e vaga garantida para as quartas.
A fase que antecedeu a semifinal foi composta por grandes jogos. Itália e Espanha se enfrentaram. Os italianos venceram por 2x1. No mesmo dia, brasileiros e holandeses jogaram no Cotton Bowl, em Dallas. O primeiro tempo terminou 0x0. Romário e Bebeto abriram 2x0 na etapa final. Bergkamp e Winter empataram. Porém, aos 36 minutos, Branco tratou de selar a vitória. A Bulgária venceu a Alemanha por 2x1 na outra partida, assim como a Suécia, que empatou em 2x2 com a Romênia no tempo normal e venceu nos pênaltis por 5x4.
Romário e companhia tiveram dificuldades contra os suecos, que surpreenderam naquele Mundial ao chegarem tão longe. Pressionaram do início ao fim, mas o gol só saiu faltando dez minutos para o término da partida. O baixinho subiu entre os zagueiros e cabeceou no canto esquerdo do goleiro. O Brasil voltava à uma final de Copa do Mundo depois de 24 anos. A Itália venceu a Bulgária por 2x1 e também se garantiu.
FINAL ESCALDANTE
Diante de mais de 94 mil pessoas no Rose Bowl, em Los Angeles, os rivais históricos iniciaram a grande decisão sob um sol escaldante. O forte calor no início da tarde americana resultou num adversário a mais para ambos os times. O Brasil tentava atacar pelos lados do campo. Bebeto e Romário tiveram boas chances, mas desperdiçaram. A Itália esperava e partia no contra-ataque. Roberto Baggio, vilão na decisão por pênaltis, jogava com uma lesão na coxa.
O tempo foi passando e o placar não saia do branco. Chegou a prorrogação e, outra vez, o cansaço foi implacável. Restou a cobrança por pênaltis. Aquela foi a primeira Copa do Mundo definida nas penalidades.
Marcio Santos chutou e o goleiro Pagliuca defendeu. Baresi (assim como Massaro) cobrou para fora e tudo continuou igual. Depois, Albertini e Evani fizeram para a Itália, enquanto que Romário, Branco e Dunga anotaram para os brasileiros. Restou a quinta cobrança para Roberto Baggio. Mandou para a lua. Para delírio dos 159 milhões de brasileiros em 1994. Entre eles Galvão Bueno, que pulou ao lado de Pelé, convidado na transmissão da TV Globo. Ele apenas repetiu o gesto dos seus compatriotas. Que foram às estrelas com o chute lunar do craque.
O título veio e trouxe consigo a gratidão da seleção ao povo recifense, que apoiou a Canarinho nos momentos mais difíceis. A capital pernambucana foi a primeira parada após a volta dos Estados Unidos. Mais de 1 milhão de pessoas ocuparam as ruas. Em um verdadeiro Carnaval fora de época.