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Um ano após extinção, torcidas organizadas continuam aterrorizando a sociedade

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LOURENÇO GADÊLHA

Publicado em 18/02/2021 às 7:32
Batalhão de Choque foi acionado para dispersar a torcida organizada do Sport, antes do confronto contra o Flamengo, no início de fevereiro. Foto: Wesley D'Almeida / @wesleydalmeidafotografo - Batalhão de Choque foi acionado para dispersar a torcida organizada do Sport, antes do confronto contra o Flamengo, no início de fevereiro. Foto: Wesley D'Almeida / @wesleydalmeidafotografo

Vitória da violência sobre o futebol. Nos últimos anos, este é o cenário cada vez mais corriqueiro protagonizado pelas torcidas organizadas em Pernambuco. Um ano atrás, no dia 18 de fevereiro de 2020, o Tribunal de Justiça decidiu extinguir as uniformizadas de Náutico, Sport e Santa Cruz. O problema é que a esperança de boas novas com uma maior tranquilidade fora de campo não se concretizou. Após exatos 365 dias desde a decisão, os episódios de vandalismo e brigas, que transformam certos locais e bairros do Recife em cenário de guerra, continuaram acontecendo. Uma violência — mesmo com o público impedido de comparecer aos estádios por conta da pandemia do novo coronavírus —, que aterroriza a sociedade e só afasta os verdadeiros torcedores dos estádios.



“A decisão judicial simplesmente não tem o condão de transformar completamente a questão prática. Por isso, tem uma certa frustração das pessoas, porque elas esperavam que com essa sentença, houvesse automaticamente o fim desses episódios tão lamentáveis, mas a gente sabe que não é assim. Infelizmente tem que haver um conjunto de ações e aí já não é mais do Judiciário. Tem que ser um conjunto de ações da polícia, da inteligência, dos próprios clubes, da Federação Pernambucana de Futebol. Temos notícias de dirigentes que apoiam de alguma forma a ação de certas torcidas. Então se não houver uma integração completa, a justiça não vai ter o condão de transformar isso”, destacou o juiz do Juizado Especial Cível e Criminal do Torcedor da Capital, Flávio Fontes.

A decisão do judiciário foi concebida a partir de um pedido do governo estadual, que pedia a extinção compulsória das torcidas Fanáutico, Jovem e Inferno Coral, sob a justificativa de "episódios constantes de violência, vandalismo e brigas". Além disso, a sentença do juiz Augusto Sampaio Angelim ainda ordenou a extinção dos Cadastros Nacionais de Pessoa Jurídica (CNPJ) das organizações. Assim, a Receita Federal foi notificada para realizar o cancelamento dos respectivos CNPJs.

O episódio que levou o Governo de Pernambuco tomar a decisão de entrar com a ação, por meio da Procuradoria-Geral do Estado, aconteceu no dia 3 de fevereiro, após um arrastão da torcida organizada do Sport que interrompeu a festa de 106 anos de fundação do Santa Cruz, que acontecia no pátio de mesmo nome, no Centro do Recife. Na ocasião, houve tumulto, disparo de balas de borracha pela Polícia Militar, detenções e muito terror num dia que deveria ser de paz e confraternização para os torcedores tricolores.

Tricolores comemoravam o aniversário do Santa Cruz quando foram atacados por torcedores do Sport. Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem

No imaginário social, a extinção das torcidas trariam uma maior tranquilidade em dia de jogos, especialmente, nos clássicos. O que se viu, no entanto, ficou muito longe disso. No primeiro encontro entre Sport x Santa Cruz após a mudança, o Clássico das Multidões pela Copa do Nordeste foi marcado por muita violência, com grupos se enfrentando em vias e terminais rodoviários do Grande Recife. Além disso, confrontos com policiais, ameaças aos cidadãos e muita provocação dentro do estádio.

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Logo depois veio a pandemia da covid-19 e as torcidas ficaram impossibilitadas de frequentar os estádios devido a transmissibilidade do vírus, mas os episódios não pararam por aí. Os confrontos entre as facções intituladas de torcidas organizadas continuaram acontecendo com ou sem jogos, independentemente se era clássico ou não De lá para cá, houve grandes brigas nas Avenidas Conde da Boa Vista e Agamenon Magalhães, tentativa de invasão na sede do Náutico pela organizada do Sport e, mais recentemente, no início do mês, vandalismo, arruaça e confrontos antes do duelo entre Sport x Flamengo pela Série A do Brasileiro. 

De acordo com o juiz Flávio Fontes, a sentença concedeu à polícia o poder de pôr em prática ações sem aquela "necessidade burocrática" do consentimento judicial. “Uma coisa boa atualmente é que a polícia tem toda liberdade de ação quando ela ver qualquer coisa referente a torcida organizada, inclusive, a questão financeira, contábil, a exemplo de lojas que muitas vezes movimentam um dinheiro muito grande. Até o CNPJ das torcidas organizadas, a parte financeira, foi bloqueado. O que a justiça tem a ver com essa questão se a própria justiça já deu instrumento? A polícia sabe onde elas se encontram. Eles não precisam mais da nossa autorização. É só chegar lá e fechar, prender quem tiver”, pontuou o juiz. 

Em 2016, o Jornal do Commercio fez um dossiê sobre o assunto e ouviu também representantes das três uniformizadas.

Por sua vez, o delegado da Delegacia de Repressão a Intolerância Esportiva, Paulo Moraes, alegou que em relação às torcidas organizadas no estado, se faz necessário a formação de uma sede de trabalho, com cada um realizando as suas atribuições. "Já a atuação da Delegacia de Polícia de Repressão à Intolerância Esportiva, nosso maior esforço tem sido nas apurações de crimes de maior potencial ofensivo, tendo trabalhado os tipos penais de roubo e associação criminosa, que fogem as competências dos juizados especiais", disse Paulo Moraes.

PUNIÇÃO E INVESTIGAÇÃO

Um pensamento bastante comum na sociedade, ainda mais envolvendo episódios como os citados anteriormente, é que apesar de serem detidos, os envolvidos serão soltos horas depois do ocorrido ou no dia seguinte pela justiça. Na visão de Flávio Fontes, para que isso mude, é preciso que se faça uma notificação legal dos crimes, mas que se acrescente os delitos mais pesados que são cometidos, como associação criminosa, por exemplo. Dessa forma, a justiça como um todo terá uma prerrogativa concreta para ser mais rígida com os infratores.

"A sugestão que eu dou é que na hora de indiciar essas pessoas, que indicie por mais crimes. No evento do início do mês, o crime de dano é uma pena muito baixa, mas se colocar dano ao patrimônio público com associação criminosa, a situação já muda. Essas pessoas têm que ser catalogadas, porque são sempre as mesmas pessoas, os líderes são os mesmos. Tem que registrar esse pessoal e indiciar por mais crimes, e não ficar só em delitos leves, porque se não vai ter sempre a mesma resposta da justiça. Tem casos de lesão corporal gravíssima. Se a gente vai indiciar a pessoa e diz que foi apenas uma lesão leve, coisas simples, aí realmente decepciona todo mundo, inclusive a própria justiça", disse, antes de ressaltar a importância da tecnologia para mapear os envolvidos.

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"Precisa usar a tecnologia, catalogar as pessoas. Essa parte de identificação está muito avançada. O Estatuto do Torcedor prevê todas essas coisas para punir por anos quem comete esses crimes. Ele (estatuto) é muito avançado, mas não adianta a gente ter leis avançadas, se a gente não praticar. O próprio Dr. Evandro, presidente da FPF, tem vários estudos de universidades em relação à identificação biométrica. Hoje a tecnologia permite que entrem várias pessoas por um portão e que todas sejam identificadas. Um estádio como a Arena de Pernambuco tem uma cobertura total de vídeo", concluiu.

Como se posicionam os clubes

A reportagem do JC ouviu os presidentes de Santa Cruz e Náutico e os quatro candidatos à presidência do Sport sobre como os clubes se relacionam com as torcidas organizadas atualmente.

Eleito há cerca de uma semana, o presidente do Santa Cruz, Joaquim Bezerra acredita que é possível separar as "pessoas de bem e as pessoas do mal" e defende a realização de um trabalho social de conscientização. "A torcida é o brilho do espetáculo do futebol. A gente está vendo a dificuldade que é fazer jogo sem torcida. Vamos separar as pessoas de bem e as pessoas de mal. Em todo canto tem gente do bem e gente do mal. Não podemos jogar todo mundo na mesma vala. A ideia é fazer um trabalho social de conscientização. Teremos um tratamento respeitoso seja ela uniformizada ou não, principal ou secundária. Trabalhar de forma respeitosa e criar um programa de inclusão social para que essas torcias gerem resultados em prol do Santa Cruz", disse.

Edno Melo, presidente do Náutico, se posicionou afirmando que entende e apoia a lei que extinguiu as torcidas organizadas em Pernambuco. "Desde o início da nossa gestão defendemos que o estádio é lugar de harmonia, onde um pai ou uma mãe possa levar seus filhos. As verdadeiras torcidas organizadas são os grupos de amigos e as famílias que se reúnem para assistir a uma partida de futebol e torcer pelo seu clube do coração. Sabemos da importância de todo e qualquer torcedor par ao espetáculo, mas não compactuamos com os grupos que promovem confusões em dias de jogos. Sendo assim, entendemos e apoiamos a lei que extingue estes grupos", afirmou.

Entre os candidatos à presidência do Sport, Fred Domingos, da chapa Sport de Primeira, que representa a situação, afirmou que as torcidas organizadas são um assunto exclusivamente do Ministério Público e dos órgãos de controle. "O que eu não aceito é que pessoas infiltradas nas torcidas organizadas, algumas delas levam para o lado do vandalismo e qualquer pessoa de bom senso não pode concordar com esse tipo de coisa. E eu também não posso generalizar quando se fala em "torcidas organizadas", a gente não pode generalizar. Existem torcidas aí, no caso do Sport, por exemplo, que eu não vejo nenhum incidente que possa denegrir a imagem de uma Bafo do Leão, Treme Terra, de uma Gang da Ilha. Não tenho conhecimento desse tipo de coisa", disse.

Já Delmiro Gouveia, da chapa Juntos Pelo Sport, foi mais breve em sua resposta, afirmando que não permitirá desordem dentro da Ilha do Retiro, caso seja eleito. "Não sou contra torcida organizada, sou contra violência e desordem em qualquer lugar, principalmente na Ilha do Retiro. Na minha gestão, garanto que não permitirei desordem dentro das dependências do Sport. Fora do clube, passa a ser responsabilidade do Poder Público", afirmou.

Nelo Campos, que encabeça a chapa Sport na Raça, também adotou o discurso antiviolência. No entanto, o candidato afirmou que cabe à Justiça penalizar envolvidos em casos de violência. "Não vou aceitar violência, vandalismo, nada que seja fora da lei dentro do Sport. Não teremos nada disso. Mas não podemos penalizar quem é e quem não é. Não somos Justiça. Nada disso o Sport vai acatar. Tudo que for lei, iremos cumprir e não existirá nenhuma regalia", garantiu.

Mais taxativo em seu posicionamento sobre as torcidas organizadas, o candidato Eduardo Carvalho, que disputa a presidência do Sport pela chapa Movimento Sport, Uma Razão Para Viver, afirmou que não haverá espaço para as organizações reconhecidas como torcidas organizadas, se referindo especificamente à Torcida Jovem. Durante a sabatina realizada com Eduardo pelo Blog do Torcedor, na última terça-feira (16), o candidato relembrou um episódio envolvendo o grupo Elas e o Sport, que teve uma faixa retirada da Ilha do Retiro, pela Torcida Jovem e declarou que "essa Torcida Jovem não fará parte do dia a dia da Ilha do Retiro".

"Nunca mais acontecerá, na nossa gestão, este fato extraordinário, absurdo, de pessoas dessa associação criminosa ingressar na Ilha do Retiro e rasgar a faixa de qualquer torcida organizada, muito menos de uma torcida chamada Elas (e o Sport). A Torcida Jovem não fará parte da nossa administração. Nenhum outro candidato assumiu esse compromisso, faço questão de dizer. Nenhum. A atual gestão não pode dizer isto, o candidato dela não pode, ainda não fez e não fará e o candidato Nelo também não assumirá este compromisso", frisou.

 

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