Brasileiros que moram no exterior em situação ilegal encontraram brechas para receber o auxílio emergencial de R$ 600 mensais. A Controladoria-Geral da União (CGU) está apurando as denúncias, confirmou o órgão ao Estadão/Broadcast, mas ainda não tem ideia da quantidade de pessoas que fraudaram o sistema para se inscrever no programa. Quem for identificado será obrigado a devolver os valores e poderá sofrer sanções civis e penais - não explicitadas pelo órgão, no entanto.
Mais de dez milhões de pessoas enquadradas nos requisitos do auxílio emergencial ainda aguardam o processamento de seus pedidos. Enquanto isso, entre as fraudes já apuradas, o Estadão revelou que militares - recrutas que prestam serviço obrigatório e pensionistas - receberam o benefício de forma irregular. Já o jornal O Globo mostrou que estudantes universitários, mulheres de empresários, servidores aposentados e seus dependentes também conseguiram obter o benefício.
O auxílio é pago pela União para ajudar trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados com renda per capita de até R$ 522,50 mensais ou renda familiar de até R$ 3.135, o equivalente a três salários mínimos.
Não têm direito ao auxílio aqueles com emprego formal, que estejam recebendo seguro-desemprego ou benefícios previdenciários ou assistenciais (exceto o Bolsa Família) e que receberam rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559.70 em 2018, de acordo com declaração do Imposto de Renda.
A burla ao sistema acontece na base de dados da Receita Federal. Brasileiros que estão em situação regular no exterior - ou seja, que se mudaram para outro país de forma definitiva ou que passaram à condição de não residente em caráter temporário - são obrigados a apresentar a Declaração de Saída Definitiva do País ao órgão.
Quem imigra ilegalmente não presta essa informação ao Fisco e, por isso, conta como residente no Brasil, sem emprego formal ou renda. Por causa dessa falha, é identificado como elegível nas operações de cruzamento de informações realizadas pela Dataprev, responsável por dar suporte tecnológico para o Ministério da Cidadania no reconhecimento do direito do auxílio aos cidadãos. "A empresa utiliza as informações constantes nas bases oficiais do governo federal para cruzar os dados e realizar a elegibilidade dos cidadãos, conforme previsto na legislação", disse a Dataprev.
Em comunidades em redes sociais que reúnem brasileiros residentes em outros países, o próprio Itamaraty tem orientado os cidadãos a baixarem o aplicativo do auxílio emergencial em lojas do Google e da Apple "brasileiras". Os consulados do Brasil em Tóquio, Roma e Madri publicaram em suas páginas no Facebook orientações para o recebimento do benefício.
Nos comentários dessas publicações, brasileiros confirmam ter recebido o dinheiro, enquanto alguns cobram consciência e acusam os demais de estarem se apropriando de recursos que deveriam ficar no Brasil. Aqueles com dificuldades em fazer o pedido pelo celular recebem orientações dos demais. A principal dica é fazer a solicitação pelo site do auxílio.
Assim, é possível preencher os dados com um celular de um familiar ou amigo que tenha um número nacional.
Em dólares, na cotação em que a moeda fechou ontem no mercado oficial, R$ 600 equivalem a US$ 107,98. O auxílio equivale a £ 88,28 no Reino Unido, a € 98,71 nos países da União Europeia e a 11.634,67 ienes no Japão.
À frente das investigações de fraudes dentro do Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro Bruno Dantas afirmou que as pessoas que se inscrevem no programa com informações falsas cometem crime de falsidade ideológica e de declaração falsa a órgãos públicos - cuja pena é de reclusão de um a cinco anos e multa, conforme artigo 299 do Código Penal Brasileiro.
"São criminosas e devem ter seus nomes enviados ao Ministério Público para serem processadas", afirmou. Segundo ele, embora a lei não cite que é preciso morar em território nacional para receber o dinheiro, a interpretação do governo é razoável e válida. "Não faz sentido pagar benefício assistencial para alguém que mora em outro país."
A Caixa, que realiza os pagamentos, não se pronunciou sobre o caso. O Ministério da Cidadania informou ter firmado parceria com a CGU para acompanhar o processo de pagamentos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.