O diretor do Organismo internacional compreende que no Brasil sempre existiu por uma parte da sociedade, uma cultura favorável ao trabalho infantil, como forma de tirar crianças e jovens do consumo de drogas ou de atividades ilícitas. Mas, o diretor insiste que devem ser rebatidos os argumentos que apoiam o uso de mão de obra precoce no país, para que os números do trabalho infantil voltem a cair.
"As pessoas têm que entender que no momento em que se tira um filho da escola e o coloca para trabalhar, na verdade, você está hipotecando o futuro dessa criança, da família, o futuro econômico do país. Porque as crianças, quando entram nesse mercado de trabalho, entram em uma armadilha de pobreza. Então, as famílias pobres são pobres porque colocam as crianças no mercado de trabalho. Elas deixam de estudar, permanecem pobres e não conseguem ter emprego de qualidade. Um ciclo vicioso da pobreza".
Dados
No ano passado, cerca de 42,6% dos que se encontravam em trabalho infantil exerciam atividades em três grandes grupos: 27,9% no comércio, 22,8% na agricultura e 6,7% nos serviços domésticos.
O crescimento do trabalho de crianças e jovens de 5 a 17 anos no campo preocupa especialistas, como a coordenadora do IBGE, Adriana Beringuy. "Muitas vezes, o trabalho infantil está dentro de um contexto de vulnerabilidade da família, de domicílios de mais baixa renda e essa situação é bastante presente, por exemplo, em áreas rurais do país. Em parte, isso, explica uma tendência maior de crianças, em situação de trabalho infantil, envolvidas nas atividades agrícolas."
Em 2022 havia, no país, 582 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade que realizavam atividade econômica e residiam em domicílios assistidos por programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família. A coordenadora Nacional das Medidas Sociais Educativas e Programas Intersetoriais do MDS, Ana Carla Costa Rocha, explica que o dado mostra a vulnerabilidade econômico-social deste público. "Os programas e benefícios sociais assistenciais são complementação de renda, não são a renda mínima. Então, precisamos dialogar ainda mais sobre o trabalho para os adultos, a questão do horário integral na educação e validar, cada vez mais, o plano do Brasil Sem Fome".
A proporção de pretos ou pardos em trabalho infantil é de 66,3%. "A questão de raça é estrutural, tanto do mercado de trabalho como da sociedade. Então, de novo, está associado ao mecanismo das armadilhas de pobreza", declarou o diretor da OIT-Brasil.
As crianças que trabalham nas ruas não entraram nas estatísticas no IBGE. Durante a apresentação da Pnad, os presentes sugeriram mudanças nos futuros levantamentos para tirar a invisibilidade da situação e contribuam na elaboração de políticas públicas específicas.
Lista TIP
Em 2022, havia 756 mil crianças e adolescentes no país exercendo as piores formas de trabalho infantil, que estão descritas na Lista TIP. O diretor da OIT-Brasil, Vinícius Pinheiro, se preocupa com os riscos de acidentes e prejuízos à saúde de crianças e adolescentes trabalhadores nessas atividades proibidas. "São 50 mil crianças a mais nesses setores. Talvez, essa seja uma das cicatrizes mais nefastas que a pandemia deixou. São 8% de aumento em relação a 2019, nas piores e mais nefastas formas de emprego. Isso é extremamente preocupante."
Consequências negativas
O trabalho infantil é ilegal e priva crianças e adolescentes de uma infância normal, com jornadas excessivas, práticas perigosas e que impactam a educação e a saúde do público infanto-juvenil. É o que esclarece a coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT-Brasil, Maria Cláudia Falcão.
"Sabemos que, muitas vezes, o trabalho impede que essa criança consiga realmente se desenvolver em todas as suas capacidades intelectuais. Há a questão da saúde. Determinados trabalhos podem comprometer o desenvolvimento físico dessa criança, se ela carrega um peso maior do que ela consegue", exemplifica.
Especificamente, sobre atividades perigosas que constam na Lista TIP, Maria Cláudia Falcão diz que devem ser eliminadas. "Todos os tipos de trabalho infantil precisam ser eliminados. As atividades perigosas têm um caráter prioritário, porque essas, sim, de acordo com uma lista, foram devidamente analisadas por médicos do trabalho, por psicólogos, e afetam o desenvolvimento físico e psicológico dessa criança. E muitas vezes, sabemos que existe até uma subnotificação de óbitos relacionados a esse tipo de trabalho."
["O trabalho infantil] é um problema também de desenvolvimento do país. Um país que não cuida de suas crianças e seus adolescentes e que os coloca em uma situação de um trabalho não protegido, isso afeta, sim, a geração futura que vai estar à frente desse país", conclui Maria Cláudia Falcão.