Disputada há dez anos pelos governos do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, uma locomotiva de ferro a vapor, de fabricação inglesa, despede-se da cidade do Recife nesta sexta-feira, 10 de outubro. A Justiça deu ganho de causa ao Estado potiguar, que moveu a ação, e a máquina deixará a antiga Estação Central, no bairro de São José, onde se encontrava desde os anos 90.
Em abril de 1916, a locomotiva inaugurou a Ponte do Igapó, na cidade de Natal, diz André Cardoso, representante em Pernambuco da ONG nacional Amigos do Trem. Esse seria um dos motivos que teria levado o governo do Rio Grande do Norte a reivindicar a máquina. De acordo com André, a locomotiva não era usada no transporte de passageiros, mas em manobras de vagões nos pátios.
Na década de 50, com a substituição do vapor pelo diesel, o trem só não foi desmontado porque o ferroviário potiguar Manoel de Souza deu um jeito de esconder a máquina, conta André Cardoso. Tempos depois, nos anos 70, a Rede Ferroviária trouxe a locomotiva do Rio Grande do Norte e usou como peça decorativa na frente da sede da RFFSA, no bairro de São José.
Só no fim da década de 90 a máquina, conhecida como Catita, por ser de pequeno porte, passou a integrar o acervo do Museu do Trem, instalado na Estação Central, ao lado do prédio da RFFSA. Na lateral do trem estão pintadas as iniciais da empresa inglesa Great Western of Brazil Railway, além do número 3 no sino. Há, ainda, uma placa com duas datas (1902-1882) e o nome do fabricante, R & W Hawthorn Engineers, da cidade de New Castle upon Tyne.
Para André Cardoso, consultado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), essa não é a locomotiva número 3 do Recife. “A nossa também era de manobras, mas o modelo é diferente”, diz ele. “Outro consultor argumenta que a pintura feita na máquina (as iniciais G.W.B.R. e o número 3) não é original, pois o comum seriam as letras em relevo”, comenta Adonias Ferreira, funcionário da Fundarpe.
“Temos a memória oral dos consultores, mas o fato é que o Rio Grande do Norte venceu a disputa na Justiça”, diz Adonias. “Por causa do litígio, não podíamos restaurar a locomotiva, que está bem estragada. Nesse tempo todo, só era feita higienização”, acrescenta o artista plástico Márcio Almeida, responsável pelo projeto de reabertura do Museu do Trem, na Estação Central, em andamento.
Terça-feira (7), a Fundarpe e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) fizeram a última vistoria na Catita, para liberar a viagem até o Rio Grande do Norte. “Estamos cumprindo uma ordem judicial, nossa função é auxiliar a retirada da locomotiva, garantindo sua integridade”, diz Márcio Almeida.
Afora a Catita, o governo do Rio Grande do Norte levará um vagão para transporte de cana-de-açúcar, de fabricação inglesa, que faz parte do acervo do Museu do Trem desde 1975. As duas peças vão compor um futuro museu dedicado ao trem, em Natal. “Uma máquina de manobra não necessitava de reboque, essa carroceria não é da locomotiva”, alega André Cardoso.
A Estação Central, defronte à Praça Barão de Mauá, é uma construção do século 19. Passou por obras de restauração e funcionará como Estação Central Capiba, expondo as peças do acervo do Museu do Trem, primeiro museu ferroviário do Brasil, criado em 1972. No local há troles manuais e a motor, locomotivas inglesas e alemãs. A Fundarpe divulgará, em breve, a data de reabertura do prédio.