Saúde

Gabriel e Michelle: convivendo com a microcefalia

Menino diagnosticado com a anomalia, de caráter genético, evolui com fisioterapia e os cuidados intensivos da mãe

Cleide Alves
Cadastrado por
Cleide Alves
Publicado em 15/11/2015 às 8:08
Foto: Guga Matos/JC Imagem
FOTO: Foto: Guga Matos/JC Imagem
Leitura:

Gabriel fez 14 anos em julho de 2015. Adora o barulhinho do mar. É fã de Nando Reis, Lenine, Luiz Gonzaga e Jack Johnson. O ouvido bom para sons é uma forma de compensar a deficiência visual, crê a mãe do garoto, Michelle Santos Moreira Costa Moura, 32. Gabriel não enxerga muito bem. Ele nasceu com microcefalia genética (crescimento anormal do cérebro, caracterizado pelo tamanho pequeno da cabeça) e passa por maratonas de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional desde os dois meses de vida.

“Ele tem limitações, mas é muito esperto. Não consegue juntar as letras e formar uma palavra, mas fala e sabe todo o alfabeto. Conhece as cores, as formas e os números. A conversa pode ser sem nexo, mas ele se expressa. Para mim, tudo é uma conquista. Gabriel é um presente”, resume Michelle, ao contar como é sua vida desde a chegada do primeiro filho.

Michele tinha 18 anos quando Gabriel nasceu. Durante a gravidez fez pré-natal e ultrassonografias. Mas só ficou sabendo da condição do bebê na maternidade, depois do parto. “Foi um choque. O mais assustador é não saber o que fazer. Nunca esqueço as palavras do médico: ‘não sei como será a vida dele, não tenho prognóstico. Ele pode não andar, pode não falar.’ Eu, pela pouca idade, nem sabia que esse problema existia, e não tinha computador para pesquisar na internet. Aceitei e abracei”, afirma.

Mãe e filho foram se conhecendo nas incontáveis consultas a oftalmologista, cardiologista, infectologista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional. “Você vai a um médico, é encaminhada para outro especialista e assim sua semana vai sendo preenchida. A estimulação visual ele faz desde bebê. No começo, era toda semana. Agora que cresceu, só vai ao oftalmologista a cada semestre”, diz.

A rotina é cansativa. Exige paciência, dedicação, carinho e amor. Nada disso falta a Gabriel. “Faço tudo por ele, desde a hora que ele acorda até a hora de deitar. Dou banho, dou comida na boca, levo para a escola, brinco, escovo os dentes e canto para ele dormir. Ele não consegue fazer isso sozinho.” Michelle até tentou trabalhar quando o filho completou 4 anos, mas desistiu depois de quatro anos. “Eu tinha de estar perto dele, é coisa de mãe achar que só a gente faz as coisas direito”, declara.

Aluno do 4º ano numa escola particular, Gabriel não lê e não consegue escrever. Mas está se socializando com outras crianças. “A escola é uma das piores partes para quem tem um filho com microcefalia. A inclusão existe só na fala. Na prática é muito diferente, não há professores qualificados. A questão não é só acessibilidade. A criança precisa ser aceita.”

Foto: Guga Matos/JC Imagem
"Gabriel é um presente", diz Michelle, a mãe do menino, que nasceu com microcefalia, no Recife - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
"Gabriel é um presente", diz Michelle, a mãe do menino, que nasceu com microcefalia, no Recife - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Com diagnóstico de microcefalia, Gabriel faz fisioterapia desde os 2 meses de vida, no Recife - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Com diagnóstico de microcefalia, Gabriel faz fisioterapia desde os 2 meses de vida, no Recife - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Gabriel, 14 anos, faz sessões de musicoterapia na Fundação Altino Ventura, no Recife - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Gabriel e Michelle na sala de musicoterapia da Fundação Altino Ventura. Ele nasceu com microcefalia - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Gabriel e Michelle na sala de musicoterapia da Fundação Altino Ventura. Ele nasceu com microcefalia - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Gabriel e Michelle na sala de musicoterapia da Fundação Altino Ventura. Ele nasceu com microcefalia - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Com diagnóstico de microcefalia, Gabriel faz fisioterapia desde os 2 meses de vida, no Recife - Foto: Guga Matos/JC Imagem
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Gabriel, 14 anos, faz sessões de musicoterapia na Fundação Altino Ventura, no Recife - Foto: Guga Matos/JC Imagem

Os professores, observa, encontram dificuldades para trabalhar com alunos como Gabriel em sala de aula. “Eu oriento a escola a lidar com ele. Digo como os profissionais fazem nas sessões de terapia”, afirma. “Já passamos por vários colégios, na escola atual ele foi bem aceito pelos colegas.” 

Nesses 14 anos, nas idas e vindas a clínicas de reabilitação, Michelle conta que ficava de olho nas outras mães, em busca de casos semelhantes ao seu, para falar sobre o assunto. “Não encontrei outros iguais. Uma vez, vi uma criança com microcefalia na clínica, numa cadeira de rodas, mas a mãe não se mostrou receptiva para uma conversa”, recorda.

O diagnóstico de Gabriel – microcefalia genética – é diferente dos casos registrados nos últimos meses em Pernambuco e em outros Estados do Nordeste. A suspeita, agora, é de uma anomalia de caráter infeccioso, porque a maioria das tomografias das crianças mostra calcificação no cérebro, o que não acontece na microcefalia genética.

“Sempre vi poucos casos nas clínicas. Quando li as notícias de agora no jornal, liguei para a pediatra que acompanha Gabriel. Revivi tudo o que passei nos primeiros anos. É difícil. Muitas vezes, conversando com meu marido, a gente se perguntava porque nada foi identificado no pré-natal. Saber antes ou depois não iria mudar o rumo que a nossa vida iria tomar, mas, talvez, a gente se preparasse para a chegada dele de forma diferente, lendo e buscando informações sobre a microcefalia.”

ALEGRIA

O menino deu os primeiros passos quando tinha 1 ano e 5 meses de idade e era atendido na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), na Ilha Joana Bezerra, área central do Recife. “Aprender a andar faz parte da evolução normal do ser humano. Mas, ver Gabriel andando foi uma emoção inesquecível, como um gol na final da Copa do Mundo”, compara.

Sensível, carinhoso e falante, ele acompanhou a entrevista na sala de musicoterapia da Fundação Altino Ventura, na Iputinga, bairro da Zona Oeste do Recife, onde é atendido toda sexta-feira. Disse que gosta da água do mar, de cantar e de música. “O passeio preferido dele é ir à praia, ele adora o barulho da água. Toda atividade com música prende a atenção dele.”

Ao ouvir a conversa, o menino olha para a mãe e diz: tio Alexandre. “É o professor de música da escola”, explica Michelle. “Gabriel foi bem estimulado desde pequeno e isso é importante para todos os casos de microcefalia. Como o problema é neurológico, quanto mais cedo a estimulação mais positivos os resultados”, alerta a psicóloga especializada em musicoterapia Eliane Teles, da Fundação Altino Ventura.

Contudo, a resposta depende do grau de comprometimento de cada um, destaca Eliane. “Há crianças com microcefalia que andam e falam, outras não”, observa a psicóloga. Gabriel segura o rosto de Michelle e pergunta: “Que dia é hoje, mamãe?” Ao ouvir a resposta, afirma: “Sexta-feira, dia da alegria.

Últimas notícias