O vídeo de um desenho animado sobre uma loja de suicídios vem sendo disseminado rapidamente pelas redes sociais com um alerta de que um filme será lançado para incentivar crianças ao suicídio. Na verdade, o vídeo em questão se trata do trecho de uma comédia musical do francês Patrice Laconte, chamada A Pequena Loja de Suicídios, lançada em 2012 e muito bem avaliada pela crítica. Contudo, fora de contexto e em um momento em que o Baleia Azul – que induz jovens ao suicídio – vem aterrorizando pais no mundo todo, o compartilhamento do pequeno trailer preocupa. A ponto de a Polícia Federal já estar avaliando a viabilidade de retirá-lo da internet.
Na mensagem repassada pelo Whatsapp com o vídeo, vem o alerta: “Pessoal, estejam atentos sobre o que as crianças assistem na TV! Saiu um desenho animado para crianças incentivando ao suicídio, será lançado nos cinemas... Por ser um desenho os pais podem achar que não é nada e pode ser que não dêem muita importância, mas temos que ficar espertos...”.
O longa metragem retrata a história de uma cidade triste e depressiva, onde o comércio mais lucrativo é uma loja de suicídios do casal Mishima e Lucrèce. E tenta “vender” o suicídio com frases de efeito. “Com a crise que o desilude, não há nada mais doce que uma morte requintada. Se sua vida foi um fracasso, pelo menos a morte será um sucesso”, canta o dono da loja no trailer do filme. O que o trailer não mostra é que a chegada do terceiro filho do casal, Allan, vai mudar toda a história, pois o menino é pura alegria e positividade.
Uma crítica do filme publicada pelo jornalista, professor, pesquisador e escritor Wilson Roberto Vieira Ferreira observa que ele toma como base a crise européia e traz como mote principal “a cínica visão ideológica de que a crise é um momento de oportunidades e de empreendedorismo”, de ver como negócio o desespero e infelicidade das pessoas.
Outra crítica publicada no blog Cinema Arte avalia: “O diretor soube criar com maestria uma alegoria musical ao redor de um tema tão delicado como esse, e só isso já vale o filme. Uma história que tinha tudo para ser triste, mas que acaba sendo o contrário disso, e termina sendo uma grande lição sobre a vida”.
Mas será que quem assiste apenas o vídeo sem saber do filme tem alcance da sua ironia e humor negro? A psicóloga Érica Nunes, que lida com crianças e adolescentes, acredita que ele sozinho provoca um impacto sobre adolescentes e adultos. “As crianças vão achar interessante porque ele tem crianças, mas não deverão ter a compreensão de que eles estão propondo o suicídio. Agora, as que sabem ler (porque é legendado) vão ter curiosidade para saber o que é suicídio”, avalia. “Já para adolescentes e adultos com comprometimento psíquico o impacto pode ser outro”.
Segundo a psicóloga, adolescentes estão em fase de descoberta, de fantasia, de modismo e a sociedade anda muito depressiva. “Eu mesma fiquei preocupada quando assisti”, diz. “Existe uma ditadura da felicidade, onde as pessoas têm de sair para uma festa todo dia a fim de postar no Facebook. E quando alguém não se encaixa nesses parâmetros e sofre com isso e vê um vídeo desse pode pensar: - Ah, talvez essa seja uma saída”.
A Polícia Federal também vê dessa forma. Conforme o assessor de comunicação da Polícia Federal, Giovani Santoro, o Grupo de Repressão aos Crimes Cibernéticos está buscando fundamentações para que o Google retire o vídeo que circla do Youtube. “Pelo que se vê no vídeo, ele tem tudo para ser um estímulo ao suicídio”, declara.
Nas palestras que vem ministrando sobre crimes cibernéticos, a Polícia Federal passou a abordar não apenas o Baleia Azul, mas também o Jogo da Fada, outro risco para as crianças. “Não se trata de um aplicativo, mas de uma mensagem que passam pelo Whatsapp ou Facebook mandando a criança ligar o gás da cozinha, de madrugada. Não temos nenhum caso no Brasil e na Rússia há um caso de 2015, mas abordamos o tema por prevenção”.
Na Rússia, uma criança de cinco anos sofreu graves queimaduras ao seguir as orientações dadas em um post de internet fazendo uma montagem com imagens da série Clube das Winx: Escola de Bruxas. As instruções são perigosas: “À meia-noite, quando todo mundo estiver dormindo, levante-se de sua cama e circule a sala por três vezes dizendo as palavras mágicas: ‘Reino Alfey, pequenas e doces fadas, me deem o poder. Eu lhe peço”, dizia o post.
E continuava: “Então, vá para a cozinha silenciosamente para que ninguém note você ou a magia das palavras desaparecerá. Ligue o gás do fogão, as quatro bocas, mas não os acenda. Você não quer se queimar, certo? Depois volte a dormir que o gás mágico virá até você, você vai respirá-lo enquanto dorme. De manhã, quando acordar, diga: ‘Obrigado, Alfey, eu me tornei uma fada’. E você se tornará uma verdadeira fada do fogo”.
Neste caso, a psicóloga defende maior acompanhamento de pais e educadores. “O que é preciso é ter monitoramento e diálogo. Internet tem políticas de segurança. E os pais precisam voltar a conversar com seus filhos, pois está acontecendo uma glamourização da morte. As escolas devem entrar nesse processo, promovendo palestras com especialistas, para que as mensagens também sejam levadas para discussão em casa”.