Sensibilizada com a morte trágica da estudante Remís Carla, 24 anos, a advogada Mariana Teles elaborou um texto em que chama à discussão sobre a violência contra as mulheres. "Não é feminismo. É civismo mesmo. Enquanto a gente precisar discutir o tamanho da saia, a quantidade de bebida, de parceiros ou a cor do batom da mulher, a cultura do machismo continuará a produzir homens que nos matarão", postou em seu perfil no Facebook.
"Um nó na garganta. Uma angústia absurda. Dessa vez não foi Mirella, não foi Gisele, não foi Maria. Foi Remís Carla, 24 anos, universitária. Poderia ser comigo, aquela minha amiga da faculdade, a prima do interior. Qualquer mulher.
E a gente precisa continuar discutindo o óbvio. Precisa! Na semana que um magistrado pernambucano ensaia lançar um livro que em capa brada que a lei Maria da Penha potencializa a discriminação no gênero homem, um corpo de mulher é encontrado em Recife e um namorado é preso.
Não é feminismo. É civismo mesmo. Enquanto a gente precisar discutir o tamanho da saia, a quantidade de bebida, de parceiros ou a cor do batom da mulher, a cultura do machismo continuará a produzir homens que nos matarão. Relacionamentos abusivos e violência emocional, que depois se torna física, patrimonial... E quando a gente repara, estamos sepultando mais uma de nós...
24 anos, poderia ser comigo. Com você.
A gente tem medo de beber, de pegar um uber, de esperar na parada de ônibus sozinha, tem medo de entrar no banheiro da balada, tem medo de sair para balada.
A gente, esse ser que nasce com vagina, cresce demonizando o sexo, inicia a sexualidade com o peso de muitas culpas. E se acostuma a ser definida pela forma como senta, fala, se relaciona.
A gente é estatística. Decoração em mesa. Ilustração em tribunal, congresso. A gente é agredida. Toda hora. Todo tempo. Em casa. Na rua.
Mulher não pode ser bonita e competente. Se se relacionar com um homem mais novo, é uma desavergonhada fogosa, se o homem for mais velho, é uma puta querendo subir na vida.
E mulher julga mulher. Nós julgamos a Marcela do Temmer. A Ana Paula do Roberto. A Brigitte do Macrom. Nós julgamos a moça da academia que usa roupa arrochada. A amiga da turma que só bebe com homem. A secretária que usa decote.
Nós temos uma culpa absurda nisso tudo. O machismo é tão forte e inescrupuloso que não é exclusividade do homem.
A gente julga as Marcelas e enterra as Mirelas, as Remís...
A gente não precisa apenas de novas leis. As leis precisam efetivar o que a cultura reconhecer. Chega de fazer pirotecnia política com tragédia. A gente precisa é de postura. Machismo é um problema de educação. De civismo.
Amanhã é Natal, os pais de Mirella, de Kelly, de Paula, de Remís perderam as filhas simplesmente porque nasceram mulher.
E vai faltar um lugar a na mesa. Vai faltar um presente na árvore e uma gargalhada qualquer...
A gente precisa parar de romancear os abusos. A pequena violência, a concessão que começa ingênua e termina num corpo enterrado em estado avançado de decomposição.
A gente precisa falar do óbvio. A gente precisa falar de direitos. A gente precisa falar de mulher.
Mais que falar.
Educar.
Mais que educar.
Respeitar.
Proteger.
DIGNIFICAR.