Numa pequena casa da Rua da Matriz, 97, no Centro de Escada, município da Zona da Mata Sul de Pernambuco a 60 quilômetros do Recife, funciona desde maio de 2011 o Espaço Cultural Museu Cícero Dias. O nome é uma homenagem ao pintor modernista escadense, que nasceu no Engenho Jundiá em 1907 e morreu na capital francesa em 2003. Desenhos de Cícero Dias estão expostos no museu ao lado de objetos de outros moradores não tão famosos, mas que ajudaram a fazer a história da cidade.
A serafina de dona Julieta de Sena Wanderley (1917-2012) é um deles. Instrumento portátil, conhecido como órgão de fole, a serafina animava as missas celebradas em engenhos, informa o diretor do museu, Alex Anthony. “Ela se fecha, como um baú, e é fácil de ser transportada. Dona Julieta era professora da paróquia, uma beata fervorosa, e tocou nas missas de campo por muitos anos, durante o século 20”, diz ele.
O museu também exibe imagens de santos que pertenceram a Severina Maria da Silva (1906-2017), afilhada de batismo do Padre Cícero Romão Batista, líder político e religioso de Juazeiro do Norte (CE). “Conhecida em Escada como Biu Romeira, a casa dela era um santuário e foi quebrada por vândalos três anos atrás. A vida toda, até morrer, Biu Romeira consumia apenas água de cacimba e usava luz de candeeiro”, relata Alex Anthony.
Na sala dedicada a peças sacras, ele destaca um oratório com mais de 300 anos encontrado por moradores numa área de mata do município. “Eram católicos e guardaram a imagem de Nossa Senhora em casa por muitos anos. Como a família agora é protestante, fizeram a doação ao museu”, comenta o diretor do espaço cultural.
Uma escultura de mármore de Carrara, sem cabeça, também leva para o museu a história da cidade. A peça ficava no Cemitério São Luiz e indicava o túmulo de Feliciana dos Santos Dias, uma jovem de 13 anos filha do coronel Manoel Antônio dos Santos Dias, primeiro prefeito eleito de Escada. Feliciana foi assassinada no Engenho Jundiá, em 1899, ao ser atingida por tiros quando passava pelo corredor da casa, num assalto forjado à propriedade e atribuído a cangaceiros.
“Como a estátua representava uma menina com a mão no rosto e lágrimas escorrendo dos olhos, as pessoas a chamavam de Maria Chorona. Muita gente acendia vela e colocava flores ao lado da escultura. No início do século 21 a peça foi empurrada e perdeu a cabeça”, diz Alex Anthony. As relíquias da população se juntam a 22 litogravuras do pintor Cícero Dias, doadas ao museu pela família do artista em 2012.
O acervo reúne fotografias; louças de casarões dos engenhos de cana-de-açúcar; imagens dos barões, baronesas, viscondes e viscondessas que viveram em Escada; documentos antigos como a escritura da venda de um escravo de 1875 feita pelo Visconde de Utinga; cadeira, carretel e máquina de som dos Cine Utinga (ruínas) e Cine Arte (demolido) e um charmoso lavabo do século 19 do vagão de primeira classe de uma locomotiva da Great Western of Brazil Railway (GWBR).
Mantido pela Prefeitura de Escada e vinculado à Secretaria de Educação, o Espaço Cultural Museu Cícero Dias resgata a história de um município no passado habitado por povos indígenas Potiguares, Mariquitos e Tabajaras. “Perdemos muitos documentos com registro da presença indígena na cheia de 1970”, lamenta Alex Anthony. Escada, diz ele, já teve mais de 150 engenhos de cana-de-açúcar. “Hoje restam uns 70, alguns ainda de pé e outros em ruínas.” O Jundiá, onde nasceu Cícero Dias, está se acabando.
O visitante do museu poderá contemplar imagens dos Engenhos Firmeza, Cotegy, Sapucagy, Contendas, Limoeiro Velho, Conceição, Barra e Matapiruma, entre outros do município de Escada”, informa o arqueólogo Alex Anthony.
O espaço cultural funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 14h, com entrada gratuita. E promove, todo mês, palestras abertas ao público pelo programa Uma noite no museu. “Temos parceiros que nos ajudam a preservar essa história, com apoio intelectual e financeiro, pelo Projeto Amigos do Museus”, diz ele. Visitas podem ser agendadas pelo e-mail alex_pe15@hotmail.com.