Em 2006, professoras do Instituto de Educação e Desenvolvimento Social Irma de Castro - Lar Meimei, no Bairro Novo, em Olinda, começaram a sentir falta de um espaço para que as crianças atendidas pela entidade, braço social do Grupo da Fraternidade Espírita Guillon-Domênico, pudessem se dedicar à leitura. Da demanda surgiu a ideia de criar uma biblioteca, que hoje tem um acervo de mais de três mil livros e já está há 13 anos transformando a vida de quem teve a oportunidade de pegar algum destes exemplares.
Uma dessas histórias é a de Marli Ferreira, que conheceu o espaço quando seu filho, hoje com 12 anos, estava fazendo parte da creche. Ela começou a frequentar o espaço para buscar livros para o pequeno ler e, certo dia, resolveu pegar O Pequeno Príncipe emprestado. Levou para casa, se encantou e desde então não se desvinculou mais do espaço. “Meu filho chegava em casa super empolgado dizendo ‘mãe, na creche tem um monte de livros e a gente pode pegar’. Eu comecei a vir e fui lendo, lendo… Até que saí do emprego que estava e vi a oportunidade de me tornar voluntária. Por causa disso voltei à escola, terminei o ensino médio e entrei na faculdade. Hoje sou formada em Letras por ter tido a chance da leitura me mostrar onde eu podia chegar”, conta Marli, que hoje é mediadora da Biblioteca.
As crianças atendidas na creche têm idade entre 3 e 5 anos. Pela manhã, estão nas aulas. À tarde, participam de atividades pedagógicas. A ida à biblioteca, segundo Flávia Melena, articuladora do espaço, é um dos horários preferidos dos pequenos, que mesmo sem ler, já começam a aprender a importância dos livros. “É muito importante que eles já cresçam familiarizados com a prática da leitura. Eles se divertem muito aqui, mesmo sem saber ler já se encantam com os livros, os desenhos… É um espaço para soltar a imaginação”, comenta.
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E não são apenas as crianças que se beneficiam. Qualquer morador das comunidades vizinhas pode pegar títulos na Biblioteca do Lar Meimei, que surgiu justamente com a proposta de criar um espaço de incentivo à leitura aberto à toda a população. “Nós atendemos as crianças da creche, os familiares deles, vizinhos, pessoas que frequentam o Instituto… E para isso sempre trabalhamos com chamadas. Vamos até escolas, vamos às ruas, fazemos projetos e rodas de conversa sempre com o intuito de chamar a população para cá. Queremos usar a leitura para transformar a realidade de pessoas em vulnerabilidade social”, explica. Na programação da biblioteca sempre há eventos de saúde e poesia, mediação de leitura nas escolas e bate papo para mulheres, grávidas e idosos.
Como é um espaço aberto ao público, alguns títulos acabam não voltando às prateleiras. Apesar de preocupar, já que boa parte do acervo vem de doações, Marli e Flávia preferem pensar que os livros podem estar divertindo outras pessoas. “Tem livro que vai e não volta por diversos motivos. Às vezes é porque a criança quer ouvir todos os dias a mesma história, às vezes é porque ele foi emprestado para outra pessoa, às vezes o leitor tem um ritmo de leitura mais lento… É difícil administrar o acervo, mas a gente fica feliz porque ruim é ter livro parado na estante”, brinca Flávia.
O espaço, segundo a articuladora, é exemplo de uma parceria de sucesso. “Nós começamos participando do programa prazer em ler, do Instituto C&A. Recebemos capacitações para saber lidar com o acervo, o público, administrar recursos e até o próprio espaço físico. Hoje estamos com uma parceria com o Instituto Itaú e recebemos muito suporte, o que muitas vezes falta quando estamos falando em bibliotecas comunitárias”, frisa Flávia, levantando a organização como um dos diferenciais.
O espaço é pequeno mas a organização faz com que tudo funcione bem. Os livros ficam dispostos em estantes, há computadores liberados, mesa, tapete e até almofadinhas. O acervo está sendo digitalizado e os cadastros também. Atualmente, 301 pessoas têm cadastro para pegar títulos na biblioteca, preparada para emprestar ainda mais livros. Doações de obras literárias para todas as idades são aceitas. Quem tiver interesse em ajudar com a renovação do acervo pode entrar em contato com o Lar Meimei pelo telefone (81) 3494-4724.
Mapeamento das bibliotecas comunitárias de Pernambuco
A biblioteca do Lar Meimei está fazendo parte da VI etapa de um levantamento de espaços de leitura e bibliotecas comunitárias de Pernambuco. Realizado com o apoio do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), o mapeamento busca, desde 2012, identificar a realidade de bibliotecas comunitárias espalhadas pelo Estado. Para além do diagnóstico, a intenção do jornalista e doutorando em Literatura e Interculturalidade pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) André Cervinskis e do pedagogo e mestre em políticas educacionais Gabriel Santana, responsáveis pelo projeto, é despertar nestas iniciativas o conceito de sustentabilidade financeira e a mobilização, a partir da procura pelo Poder Público, para que os projetos possam ser apoiados e desenvolvidos com melhores condições.
“A gente pensou em um projeto que pudesse mapear e identificar bibliotecas comunitárias no Estado, porque percebemos que, até hoje, a tônica da política de leitura é justamente identificar os sujeitos que as fazem. A partir do momento que identificamos estas pessoas, os conectamos numa rede para que eles possam cobrar dos gestores políticas públicas de leitura e investimentos em prol destes espaços, que muitas vezes surgem para suprir a falta de bibliotecas públicas nas cidades”, explica Gabriel Santana.
Seis cidades - Caruaru e Garanhuns, no Agreste; Goiana, no Grande Recife; e Petrolina, São José do Egito e Afogados da Ingazeira, no Sertão - já foram visitadas. Outras quatro - Palmares, na Zona da Mata Sul; e Olinda, Paulista e Igarassu, no Grande Recife - entrarão no mapeamento nesta nova fase de visitas. Nas bibliotecas analisadas, segundo os pesquisadores, a realidade costuma se repetir. “A gente percebe que, na maioria das vezes, as iniciativas partem de pessoas que usam recursos próprios, tiram do seu bolso, para proporcionar a criação destes espaços, que muitas vezes são sub espaços cedidos para tal funcionamento. Infelizmente, nem todas conseguem ir para frente, mas costumam ser experiências exitosas e que, se tivessem apoio do Poder Público, teriam impacto ainda maior na vida das pessoas daquela localidade”, pontua André Cervinskis.
Outro equipamento visitado pela dupla foi a Biblioteca Doutor Galvão Cavalcanti, que funciona no Centro Social São José do Monte (CSSJM), em Caruaru, no Agreste do Estado. Por lá, quem vive no entorno da Comunidade do Morro Bom Jesus, especialmente as crianças que recebem acompanhamento CSSJM, que atua dando suporte educacional no contra turno escolar, podem fazer pesquisas e procurar obras que queiram ler. Apesar de não ter tanta estrutura, o espaço é fruto de muito trabalho e colaboração de quem acredita na leitura como agente transformador. “Ela surgiu por causa da precariedade das bibliotecas em Caruaru, principalmente quando falamos das comunidades ao redor do Centro. Com a ajuda de professores, amigos e familiares conseguimos doações de livros e montamos o espaço. A assistência não é muita, não temos muitas condições, mas sempre fazemos de tudo para atender quem precisa fazer alguma pesquisa ou se interessa por algum dos livros que temos”, explica a coordenadora pedagógica, Ana Lúcia de Oliveira.
A cada etapa uma publicação é lançada com os diagnósticos das cidades mapeadas. Depois que os novos municípios sejam visitados, o passo seguinte será a criação de um site onde todo o material será hospedado para que pesquisadores, gestores públicos e outras bibliotecas possam ter acesso ao material.
Quem tiver interesse em ajudar a Biblioteca do CSSJM pode entrar em contato a administração do Centro pelo telefone (81) 3721-0214. Livros infanto-juvenis e didáticos podem ser doados para ampliar o acervo.