Foram 37 semanas entre idas e vindas ao hospital e a preocupação de que ocorresse mais um parto prematuro. Internada desde o dia 3 de janeiro no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), a técnica em enfermagem Michele Rafaela Maximino, de 38 anos, conhecida como 'a maior doadora de leite materno do Brasil', deu à luz ao seu quarto filho nesta terça-feira (4). O pequeno João Miguel nasceu saudável, pesando 2,480kg. Com a vinda dele, renasceu também a esperança da família de salvar mais vidas: a expectativa é de que Michele faça doações para os bebês que estão internados na UTI do Imip.
"Foi uma gravidez muito conturbada. Como já é a quarta cesária, se torna uma gravidez de alto risco. Michele teve placenta baixa e apresentou sangramentos. Teve que ficar de repouso absoluto desde as 14 semanas. Ela chegou a ficar dez dias internada em Garanhuns e ainda teve uma infecção urinária", conta o marido de Michele, o professor Ederval Trajano, de 48 anos. Ele comenta que, em janeiro, a doadora foi transferida para o Imip, onde está internada desde então, aguardando a chegada de João Miguel.
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Foi na gestação da terceira filha, Mariana, agora com sete anos, que a família percebeu a importância da doação de leite. Como a menina nasceu prematura, teve que ficar internada na UTI. Ederval e Michele puderam acompanhar o drama das mães que não tinham leite para amamentar suas crianças. "Michele tinha muito leite. A partir daí, a gente percebeu que dava para salvar vidas e começamos a não desperdiçar mais", comenta o professor, que chama o leite de "néctar da vida". O casal ainda tem o jovem Richard, de 20 anos, e Gabriel, de nove anos.
"A gente está muito feliz porque é sempre uma dádiva ter filhos, principalmente porque a gente ainda vai poder ajudar outras famílias. Michele tem sido 'mãe de leite' destes meninos e é gratificante saber que a gente contribuiu de alguma forma", completa. O professor acrescenta que a família irá retornar para a cidade de Quipapá, na Zona da Mata de Pernambuco, quando Michele e João Miguel receberem alta do Imip.
Cidade não tem banco de coleta e doação de leite materno
A doação do leite materno produzido por Michele demanda uma logística que envolve tempo e dinheiro da família. Isto porque a cidade onde a mulher mora, na Zona da Mata de Pernambuco, não possui banco de doação ou de coleta do líquido. Para que o leite não seja desperdiçado, visto que na última gravidez a técnica em enfermagem produzia cerca de três litros por dia, o marido tem que levá-lo, três vezes por semana, para a cidade de Caruaru, no Agreste do Estado, que fica a cerca de 70 quilômetros de Quipapá.
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"Na cidade não tem banco de leite. Eu venho lutando desde 2013 para ter um banco, pelo menos, de coleta, só para arrecadar este leite. Porque o banco de doação requer uma estrutura maior. É muito triste saber que a cidade que tem a maior doadora de leite do Brasil não tem sequer um banco de coleta de leite", relata Ederval. Segundo ele, mesmo o líquido durando 15 dias congelado, não era possível fazer a viagem até a cidade do Agreste, devido à falta de dinheiro para combustível. "Eu trabalho, não tenho tempo para fazer isto. É uma luta. Eu espero que, com o nascimento do João, a gente consiga sensibilizar o governador ou o prefeito para que a gente tenha este local de coleta", relata.
Conheça a história de Michele
Em 2013, Michele Rafaela orgulhou o Estado após chegar ao marco de aproximadamente 480 litros de leite materno doados. De acordo com ela, os médicos desconfiaram, à época do nascimento de sua terceira filha, que havia um aumento na glândula hipófise que explicaria o volume de leite produzido por ela. Mas os exames realizados não detectaram nenhuma síndrome ou distúrbio que esclarecesse o fenômeno.
"Ele disse que era um dom", explicou Michele, em entrevista ao JC em agosto do ano passado. Ela afirma que fez a doação do líquido durante a amamentação dos três filhos, mas só contabilizou o volume na da caçula, que passou quatro anos mamando. "Eu doava três litros por dia, fora o que minha filha tomava".
Polêmica envolvendo Danilo Gentili
Em 2016, o apresentador Danilo Gentili foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) a pagar R$ 200 mil em indenizações a Michele após chamá-la de 'vaca' em rede nacional. O caso aconteceu em 2013 e, à época, o Gentili apresentava o programa "Agora é Tarde".
Apenas no ano passado a técnica em enfermagem voltou à Quipapá, sua cidade natal. Sua família veio morar no Recife após sofrer chacotas no município da Mata Sul de Pernambuco, devido à exposição em rede nacional. Michele chegou a deletar todas as suas redes sociais porque, segundo ela, os fãs de Gentili mandavam "pornografia e mensagens rudes" para ela.
Doação de leite
De acordo com o Instituto Nacional Figueira (Fiocruz), cada litro atende dez crianças e qualquer quantidade é aceita pelos bancos de leite materno. Segundo o Instituto, no Brasil, em 2018, 182.740 mulheres foram doadoras e 185.414 crianças receberam o leite que, no total, somou 215.328 litros captados. Pelo caráter sazonal das doações, os bancos sofrem com estoques baixos principalmente em festas de fim de ano, onde há escassez de até 60% do volume.
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