A cena é bastante comum nas estações de BRT (ônibus de trânsito rápido) do Grande Recife: um homem se aproxima pela porta lateral externa e tenta subir na plataforma de graça. O guarda patrimonial até tenta dissuadir o passageiro, mas não consegue e deixa ele entrar, já que o ônibus está se aproximando. O flagrante foi feito na Avenida Dantas Barreto, no bairro de Santo Antônio, no Centro da capital pernambucana.
Atitudes como essa levam à perda de 110 mil passagens por mês no sistema BRT, o equivalente a um prejuizo de R$ 350 mil por mês, de acordo com o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros no Estado de Pernambuco, Urbana. Isso traz preocupação quanto à sustentabilidade do sistema e à segurança dos passageiros. Na última sexta-feira, Arlindo Carlos da Silva, 47 anos, morreu após ser atropelado por um BRT, ao tentar entrar de forma irregular em uma estação em Olinda, na Região Metropolitana do Recife (RMR), no corredor Norte-Sul.
“Nós, do sindicato, temos visto muito essa prática, tanto na linha Leste-Oeste quanto na Norte-Sul. Quando o ônibus se aproxima, os passageiros sabem que a porta vai abrir e sobem na plataforma, entre o ônibus e a estação. O motorista, em um veículo da dimensão do BRT, não tem como perceber. Por causa de uma passagem, perdem a vida. Há uma culpabilidade por parte do Grande Recife Consórcio. Antes, havia vigilantes nas estações, só a presença deles coibia essa prática e os assaltos, que apesar de terem diminuído ainda ocorrem diariamente. A parte da segurança do passageiro cabe ao Estado”, comenta o presidente do Sindicato dos Rodoviários do Recife e RMR, Benilson Custódio.
O contador Gilberto Andrade, 64 anos, usa o BRT para trabalho e lazer e já presenciou cenas de pessoas entrando pelas portas laterais da estação várias vezes. “Uma vez, três meninas entraram. Uma delas caiu, quase ia sendo atropelada pelo ônibus. Vejo acontecer o tempo todo. Antes, tinha vigias em todas as estações, mas hoje quase não tem mais. Acho que precisaria de segurança em todo o BRT para evitar isso”, lamenta.
A técnica em enfermagem Kécia Patrícia, 25, acredita que a prática é perigosa. “Vejo muito, principalmente no Centro do Recife e na Avenida Cruz Cabugá. Inclusive, já vi pessoas entrando pela porta lateral com crianças. Acho que é inadequado e perigoso”, diz.
A evasão de receitas acontece mais no corredor Norte-Sul, chega a 12%. No corredor Leste-Oeste, varia entre 6% e 7%. Em nota, a Urbana afirma que a concepção do embarque e desembarque influencia nas ocorrências de evasão. A entidade constatou a concentração de invasões nas portas externas laterais, sobretudo após a instalação de modelos alternativos de catracas nas estações de BRT. Outros tipos de catraca são facilmente burlados. “Esses são pontos críticos e crescentes de invasão ao sistema”, diz em nota o sindicato que representa as empresas de ônibus. Outro problema citado é a plataforma em si, que serve de acesso ao BRT sem pagamento. Em outros sistemas, essas plataformas contam com soluções que dificultam o acesso irregular.
O Grande Recife Consórcio de Transportes informa que investe em campanhas educativas. Conforme a assessoria de imprensa informou por telefone, todos os BRTs possuem sinalização. Além disso, toda estação tem um guarda patrimonial, que é instruido a abordar e orientar os passageiros que tentam entrar pela lateral. O consórcio também conta com equipe de gerência de segurança volante que ajuda na conscientização dos passageiros. Sobre a denúncia de assaltos nas estações, o Grande Recife afirma que segurança pública é responsabilidade da Secretaria de Defesa Social (SDS). Procuradas pela reportagem, tanto a SDS quanto a Polícia Militar de Pernambuco deram retorno sobre as solicitações à respeito da segurança até o fechamento desta edição.
Mas afinal, o que leva uma pessoa a entrar pela porta lateral, arriscando a vida? No caso de uma passageira que preferiu não se identificar foi a necessidade. “Falta de dinheiro. Uma vez, subi pela porta lateral. Faz nove meses que estou desempregada, estou fazendo cursos profissionalizantes. Eu sei que é perigoso, mas precisei fazer”.
A Policia Militar informa que faz diariamente a Operação Transporte Seguro, onde policiais militares de todos os Batalhões fazem revistas dentro dos ônibus, inclusive em BRT. Os pontos estratégicos de operação vão de acordo com os índices apresentados nas ocorrências. PMPE lembra, ainda, que a Operação Transporte Seguro não para de se aperfeiçoar com reuniões semanais quando são avaliadas as regiões com maior incidência de crimes, para possibilitar uma permanente readequação da distribuição do efetivo de maneira a levar cada vez mais tranquilidade para os usuários do transporte coletivo.
Confira o especial publicado pelo Jornal do Commercio sobre o BRT de Pernambuco.