O consumo que parece nos unir

Socióloga observa que, cercados por bens materiais mais confortáveis, nos tornamos mais afáveis e não questionamos ausências nas dimensões política e ética da vida
Fabiana Moraes
Publicado em 23/12/2012 às 10:22


A vida boa vendida nos outdoors, justaposta à realidade do entorno pobre onde esses anúncios são tantas vezes colocados, é uma metáfora do próprio Brasil de hoje, onde o consumo elevou nossa auto-estima tanto internamente quanto externamente: ao democratizarmos o acesso a televisões, carros e outros bens, mostrávamos que, enfim, podíamos superar a pobreza. “É a velha aposta que, aumentando o consumo popular, podemos superar velhos problemas. Hoje, essa aposta é mais crível, recebeu o verniz de que estamos superando desigualdades, e o aumento do consumo é a prova cabal de que estamos vencendo”, diz a socióloga Maria Eduarda da Rocha Mota, da Universidade Federal de Pernambuco, autora do livro Pobreza e cultura de consumo em São Miguel dos Milagres (Ufal), no qual mostra as práticas de consumo de uma comunidade litorânea de Alagoas. Ela observa que, para muitos brasileiros, o ato de comprar substitui as lacunas históricas em duas outras dimensões de nossas vidas: a ética e a política. “Acreditamos há tempos que o ‘progresso’ pode dar conta daquilo o que a falta em outras frentes, que a ‘modernidade’ é a resposta. O consumo e a publicidade geram o conforto, e é esse conforto que tende a atenuar os conflitos”, diz.

O publicitário Fernando Lima, diretor de Novos Negócios da agência Ampla, diz que, de fato, o aumento no poder de compra gerou uma mudança no comportamento - fala também na auto-estima - daqueles que o mercado classifica como classes C e D. Mas, pontua, esse acesso faz com que as diferenças sociais apenas pareçam menores. “O que de mais relevante se percebe através de pesquisas de comportamento é que pessoas de classes sociais em ascensão têm orgulho da vida que levam e não se incomodam muito com o conforto excessivo do ‘outro’, buscando o seu próprio conforto e dentro de suas expectativas.” Agora, se levarmos em consideração pessoas que vivem em locais onde as condições estão abaixo da linha da pobreza, a renda não responde às condições mínimas de sobrevivência, eu posso apostar que as imagens sugerem afronta, agressão ou deboche. Deixa de estabelecer uma visão do aspiracional e pode até instigar a revolta. Ser vizinho da felicidade e não ter momentos felizes deve revoltar.”

Não deixa de ser significativo, assim, perceber que a mesma publicidade que em uma leitura serve para criar o mito de que estamos todos bem, seja a mesma a demonstrar que entre nós há uma enorme diferença de vida. Segundo o diretor de marketing da Stampa (que tem frontlights em Joana Bezerra e outdoors na Entra a Pulso), Durval Neto, os clientes nunca se incomodaram em anunciar nas regiões, já que ambas localizam-se em áreas de alta visibilidade, o bem maior de quem quer vender produtos (o aluguel de um frontlight em Joana Bezerra custa, por mês, R$ 7 mil). “O que o clientes querem é o ponto”, sintetiza ele, para quem o contexto não afeta o significado da mensagem publicitária. A empresa está atualmente iniciando uma nova ação: anunciando nas vans gratuitas que levam passageiros para os pontos de ônibus. “Estamos trabalhando com propaganda dirigida às classes D e E”, explica.

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