Mãe de bebê com microcefalia ensina como ir além dos medos e incertezas

De classe média, Isabel Albuquerque, 38 anos, só soube da malformação na sala de parto. Seu bebê, Matheus, já está com cinco meses
Ciara Carvalho
Publicado em 07/03/2016 às 7:30
De classe média, Isabel Albuquerque, 38 anos, só soube da malformação na sala de parto. Seu bebê, Matheus, já está com cinco meses Foto: Guga Matos/JC Imagem


A crueza da frase despedaçou Isabel:

“Eu vou levar seu filho que ele não é normal.”

Ali, na sala de parto, Matheus havia acabado de nascer. Mal tinha sido colocado nos braços da mãe, foi arrancado. Nem deu tempo de segurá-lo. Acalmar o seu choro, sentir aquele pedacinho de gente agarrado ao peito. A médica neonatal anunciou a sentença e levou o menino para longe dos olhos de Isabel. Ela ficou lá, sem saber o que fazer. Começou a chorar um choro de desamparo. O médico obstetra, ainda costurando sua barriga, tentou lhe acalmar. Tudo passava pela mente. Seria alguma síndrome? Alguma insuficiência? Ele ia ficar bem? Nada foi dito sobre o tamanho da cabeça.

O hospital particular, o plano de saúde, o cuidado extremo durante a gravidez. De pouco tudo isso parecia servir naquele momento. Só no dia seguinte, já no quarto, Isabel teve de novo Matheus junto ao seu peito. Ela olhava, olhava e não via nada de errado. Foi quando veio o complemento da frase bruscamente disparada no dia anterior, na sala de parto. “Seu filho tem microcefalia.” Era setembro do ano passado. Ninguém ainda havia ouvido falar sobre a explosão de casos da anomalia. Os exames feitos na gestação não davam nenhuma sorologia positiva para o que, até então, a medicina entendia como causadora da malformação. Não se suspeitava do zika vírus. Nem se imaginava. Isabel ia descobrir, um pouco depois, que estava entre as primeiras mães de bebês com microcefalia associada à infecção transmitida pelo Aedes aegypti. Puxando pela memória, depois de tantas perguntas para entender “por que?”, lembrou da única coisa que parecia ter sido diferente. Tinha acordado, aos três meses de gestação, com manchas vermelhas no corpo e dores nas articulações. “É só uma intoxicação alimentar”, disse o médico, na época. No mês seguinte ao nascimento de Matheus, a multiplicação de casos de microcefalia era manchete nos jornais do Brasil e do mundo.

“Por que comigo?” Essa era uma pergunta ainda mais difícil de ser respondida. Os primeiros dias foram (como não seriam?) de um choro sem fim. Dia e noite. “Eu chorei da maternidade até o segundo, terceiro mês. Chorava todo dia, o dia todo.” Isabel não entendia. Fez um pré-natal minucioso. Diversas ultrassonografias (a última, uma semana antes do parto), alimentação saudável, vacinas, vitaminas, tudo foi tão organizado. Matheus, tão esperado. Diante do choque, não havia como negar um sentimento de revolta que lhe tomava o peito. Nunca contra Matheus, amado desde sempre, mas pela situação. Pela dificuldade, quase intransponível naquele momento, de entender: “Por que comigo?”

Matheus fez cinco meses. Basta a mãe lhe sacudir nos braços que ele abre um sorriso tão largo que inunda a casa. Está aprendendo a sentar, já se vira, emborca para um lado, desemborca para o outro. Todo dia é um ganho, uma novidade, uma esperança. O tempo tem sido generoso também para Isabel. Não que o medo diante do futuro incerto não lhe assalte o coração, sobretudo na hora de dormir, único momento em que realmente consegue parar para descansar. Mas, nesses cinco meses, foi aprendendo a ser mãe de Matheus. O apoio do marido tem sido essencial. “A espiritualidade, a presença dele, o amor pelo nosso filho, tudo isso me enche de força e coragem.” Com tantas mães enfrentando, sozinhas, o desafio de cuidar de seus bebês com microcefalia, o companheirismo experimentado por Isabel chama a atenção. Não deveria ser assim. Mas é.

Isabel sabe, a condição financeira mais favorável não lhe coloca numa situação melhor. “É todo mundo no mesmo barco. É pedir a Deus que a medicina avance o máximo possível para que a gente possa dar o melhor para os nossos filhos, que eles aprendam a ser independentes, consigam andar, falar. Eu não me vejo num lugar pior ou melhor, sou apenas uma mãe, como todas as outras.” Mesmo com acesso a médicos particulares, ela tem cumprindo, todos os dias da semana, a mesma rotina em instituições e hospitais públicos que viraram referência no tratamento de bebês com a malformação. Fundação Altinho Ventura, Hospital Oswaldo Cruz, AACD. Isabel vai onde for preciso ir. Buscar a coisa mais importante hoje em sua vida: ajudar Matheus a ter uma vida o mais normal possível. Com um amanhã cheio de possibilidades.

Isabel Albuquerque, mãe de Matheus e de Lucas, 17 anos, é bancária e no final deste mês, terá que voltar a trabalhar. O coração já anda apertado. Precisará aprender a ficar, pela primeira vez, longe de seu bebê algumas horas por dia.

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