A primeira epidemia de chicungunha em Pernambuco deve ter sido responsável pelo adoecimento e pela morte de um universo de pessoas bem maior do que revelam os números oficiais. Só no Recife, que há um ano anunciou a confirmação dos primeiros casos de transmissão da doença na cidade, quase meio milhão de pessoas, no mínimo, deve ter sido infectado durante o surto de um vírus que surpreende por causar tanta incapacidade nos doentes. A estimativa é do clínico geral Carlos Brito, membro do Comitê de Arboviroses do Ministério da Saúde, que ministrou palestra na Fiocruz Pernambuco, na última sexta-feira (23), para apresentar dados e situações que titulam a chicungunha como a mais grave das arboviroses, o que exige das autoridades de saúde investigação mais criteriosa sobre a doença, principalmente em relação aos casos graves e aos óbitos decorrentes do vírus.
O cálculo de Carlos Brito, também professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi baseado na alta taxa de ataque da chicungunha - ou seja, na capacidade que o vírus tem de fazer vítimas, principalmente em comunidades vulneráveis ao adoecimento. "Se considerarmos a população do Recife, de cerca de 1,6 milhão de pessoas, teríamos em torno de 480 mil casos nesta epidemia. Chegamos a esse número ao considerar que, num mesmo surto, durante três a seis meses, entre 30% e 50% da população (taxa de ataque) são acometidos pelo vírus. Com dengue, esses índices são de 2% a 5%. Por isso, temos plena convicção de que dengue não tem sido a arbovirose mais frequente, como mostram os balanços oficiais", explica Carlos Brito.
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Os dados mais recentes do Recife, até 6 de agosto, mostram que este ano foram notificados 15.832 casos de dengue (8.445 confirmaçãoes) e 8.839 de chicungunha (2.973 confirmações). E segundo dados de até 17 de setembro da Secretaria Estadual de Saúde (SES), 103.344 pessoas adoeceram este ano com sintomas de dengue (27.474 desses casos foram confirmados) e outras 54.203 (22.687 confirmações) com sinais de chicungunha. "A ordem (em relação à incidiência de cada uma das arboviroses) é totalmente inversa. A gente tem convicção disso. Não há dúvida de que que tivemos, neste ano, uma grande epidemia de chicungunha, com poucos casos de dengue", ressalta Carlos.
As estimativas do pesquisador consideraram também a análise de amostras enviadas para o Ministério da Saúde para idenficação de positividade dos casos. "Em 2016, Pernambuco enviou amostras de 1.297 casos suspeitos de dengue. E só foi positivo 1,2% desse universo. É um percentual muito baixo. Então, essas notificações de dengue provavelmente são de chicungunha. São algumas evidências indiretas", acredita.
"De 90% a 95% das pessoas que entram em contato com o vírus da chicungunha têm sintomas. Para dengue, esse índice varia de 10% a 30%", diz Carlos Brito
Além disso, Carlos Brito defende novos dados em relação ao universo de pessoas impactadas com as formas moderada e grave da chicungunha. "Em outros países (onde houve epidemia), a taxa de cronificação (situação em que a doença deixa sequelas por meses e anos) fica em torno de 30% a 40% dos casos. E isso pode ser a realidade brasileira", frisa o pesquisador. Com base nesse raciocínio, ele volta para a estimativa de 480 mil infectados pelo vírus na epidemia do Recife. "Entre eles, 144 mil pacientes na cidade estariam com sintomatologia articular crônica (dores nas articulações que parecem não cessar), o que deixa o sistema de saúde sobrecarregado. E nem sempre essas pessoas conseguem atendimento com um especialista."
MORTES
As reflexões do pesquisador também incluem preocupação sobre a letalidade do vírus. "Hoje já temos o maior número de óbitos por uma arbovirose na história das epidemias de Pernambuco. Setenta óbitos (referente só a chicungunha este ano) é um volume superior, por ano, a todas as mortes confirmadas em epidemias anteriores no Estado. Para dengue, o máximo foram 37 mortes em 2013", informa Carlos Brito. "E chicungunha efetivamente mata mais do que dengue, se comparado com os 20 anos de epidemias anteriores", ressalta Carlos Brito.
Esse balanço oficial dos óbitos acima da média histórica é o suficiente para surpreender, segundo o médico. "Mas não há dúvidas de que esses registros são maiores. Então, é importante que a gente se mobilize", alerta o pesquisador, ao demonstrar preocupação com o universo de pessoas, no Estado, ainda vulnerável à infecção pelo vírus, mesmo após a grande epidemia.