RIO - Ao longo de dois anos de investigações sobre complicações decorrentes da infecção pelo vírus zika, pesquisadores já estão certos de que a microcefalia não é o único sinal da síndrome congênita causada pelo vírus. Mas há perguntas que continuam sem respostas. “Há muita coisa ainda para se descobrir. Há alguns aspectos que só vamos conhecendo ao longo do tempo de acompanhamento dessas crianças. Atualmente, por exemplo, temos avaliado casos de obesidade nessa população. Isso leva a estudarmos se distúrbios endocrinológicos podem estar associados ao zika”, informou a infectopediatra Angela Rocha, que ministrou palestra durante o 20º Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado na última semana no Rio de Janeiro.
Em comparação com o universo de crianças com a síndrome congênita do zika que têm problemas para ganhar peso por causa da disfagia (dificuldade de deglutição com risco de broncoaspiração), o grupo com sobrepeso é pequeno, mas é uma condição que intriga os especialistas, que buscam avançar na compreensão de características da zika congênita. “Precisamos saber os hormônios que podem estar mais alterados e possivelmente relacionados ao aumento de peso. Há crianças que estão bem obesas. Existe muita coisa para se descobrir”, destacou Angela.
Como chefe do Setor de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), em Santo Amaro, área central do Recife, a médica já avaliou centenas de crianças com suspeita de microcefalia – o sinal mais expressivo da síndrome congênita do zika, que acomete 421 meninos e meninas em Pernambuco. Outros 337 casos permanecem em investigação. Só no Huoc, mesmo passado o período de explosão de nascimentos de bebês com zika congênita, cerca de 80 pequenos pacientes continuam em acompanhamento.
Entre as suposições levantadas para explicar o excesso de peso em crianças tão pequenas está a possibilidade de a alteração neurológica provocada pelo zika interferir também na parte hormonal. Seria mais uma característica relacionada à infecção congênita, que já tem elo comprovado com complicações do sistema nervoso central, deficiências auditivas e visuais.
O médico Francisco Bandeira, chefe da Divisão de Diabetes e Endocrinologia do Hospital Agamenon Magalhães, explica que qualquer condição que leve a um sofrimento intrauterino (conjunto de sinais que indicam que o feto não está bem) pode favorecer o desenvolvimento da obesidade ao longo da vida. “Em relação ao zika, essa questão está em suposição. Precisamos de tempo para investigar como a infecção pelo vírus pode estar relacionada a um estresse intrauterino, capaz de causar sobrepeso”, destaca Francisco Bandeira. Segundo o endocrinologista, esse estresse pode ativar uma parte do sistema endócrino e levar a alterações metabólicas. A análise das crianças está sendo feita através da dosagem laboratorial de hormônios.
Se for confirmado que o zika impacta o sistema endócrino, o espectro da síndrome passa a ser ampliado, o que exige ações preventivas para frear, nessa população infantil, a obesidade, considerado um dos maiores problemas de saúde pública no mundo.
A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Infectologia