Dança

Tadashi Endo dança as dores de Fukushima

Bailarino japonês volta ao Recife para estrear novo espetáculo na Caixa Cultural

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 07/01/2015 às 6:03
Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
Bailarino japonês volta ao Recife para estrear novo espetáculo na Caixa Cultural - FOTO: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Tadashi Endo vive o “estar entre”, como faz questão de se colocar. Nasceu em Pequim com cidadania japonesa; se mudou para a Europa; hoje mora na Alemanha; mantém uma relação artística com o Brasil; e, por essa universalidade, conecta-se com o mundo através da alma, sempre que sobe ao palco. Aos 68 anos, o bailarino e diretor é uma referência na técnica de encenação Butoh MA, levando à cena movimentos precisos e emotivos para expressar com dança os sentimentos-limite dos seres humanos. De volta ao Recife depois de dois anos, Tadashi se apresenta de hoje até sábado no teatro da Caixa Cultural, com o espetáculo Fukushima mon amour, sempre às 20h.

A montagem, guiada pela espiritualidade das experiências com a morte e a vida, mergulha no sofrimento e desespero vivido pelo povo japonês há quase quatro anos, durante um acidente nuclear que vitimou milhares de pessoas. “Esta catástrofe causou muito sofrimento e horror. Mas o sofrimento gerou uma forte solidariedade entre as pessoas, que gerou no povo japonês um sentido extremo de cooperação e sensibilidade que faz com que se ergam”, escreveu o bailarino sobre o espetáculo, cuja estreia internacional acontece na capital pernambucana. 

No dia do acidente nuclear, em 11 de março de 2011, Tadashi estava em São Paulo, se apresentando. Pouco tempo antes de subir ao palco recebeu a notícia que lhe comoveu e chocou imediatamente. “Quando a catástrofe aconteceu, minha mulher me telefonou. Eu precisava ligar para a minha mãe que mora no Japão, para saber como estavam as coisas. Não conseguia, pois o sinal de telefonia não funcionava. Vi na televisão as imagens do tsunami. Naquele momento, a sensação era de estar vendo a catástrofe de Hiroshima e Nagasaki”, conta o artista em entrevista. Ele se apresentou, ainda assim, mas o fato não deixou sua mente em paz.

A decisão de criar um espetáculo sobre Fukushima foi sendo amadurecida. E em parceira com o músico mineiro Daniel Maia, Mon amour foi desenhado. “Essa foi a primeira vez que fiz um trabalho sobre um fato. Antes, sempre falei de sentimentos”, conta o bailarino que, em 2013, apresentou na Caixa Cultural o espetáculo disputadíssimo Ikiru – Um réquiem para Pina Bausch.

Confira o teaser de Fukushima mon amour:

O novo trabalho, como conta o japonês radicado na Alemanha, foi construído em desafios. Da provocação de traduzir o que sente ao ver imagens e ler relatos sobre o acidente, Tadashi levou Daniel a compor uma trilha que transforma ruídos em música. “Ele me desafiou a apresentar minha sensibilidade artística para esse tema, e eu desafiava a ele a criar uma dança a partir da minha percepção”, explica Daniel. O brasileiro, sob direção de Gabriel Villela, já atuou e criou arranjos para espetáculos como Ópera do malandro (2000), Os saltimbancos e Gota d’água (2001), de Chico Buarque; e compôs música para Fausto zero (2004 em São Paulo, 2005 em Moscou), de Goethe, e para Vestido de noiva (2009), de Nelson Rodrigues (as duas últimas indicadas ao Prêmio Shell).

Da melodia, o bailarino desenhou a dramaturgia carregada em sentimentalismo e sofrimento. “Preciso de uma dor para criar. Uma coisa quebrada. Faço uma anti-técnica de dança. Não gosto de uma dança bonita, isso não me toca. Dança não é conforto; é luta pela luz”, explica Tadashi Endo, dono de um fazer artístico que une a sabedoria das tradições da dança e do teatro, ocidental e oriental, construindo um trabalho único e extremamente pessoal. 

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