Em meados de 2016, o Grupo Magiluth decidiu se lançar em um desafio até então inédito em sua trajetória de mais de dez anos: montar um texto clássico. Os artistas optaram por uma das obras mais revisitadas da dramaturgia mundial, Hamlet. Mas, à maneira que se tornou tão característica do coletivo, o jogo cênico acabou os guiando para caminhos tão diversos que o resultado, apesar de permeado pelo ethos shakespeariano, tem identidade própria. Intitulado Dinamarca, o trabalho estreia quarta-feira e cumpre curta temporada no Teatro Marco Camarotti.
O Ano Em Que Sonhamos Perigosamente, de 2015, provocou um estranhamento ao público em relação à obra do Magiluth. Nele, o grupo levou a novas esferas seu processo do jogo cênico, da relação quase visceral com a plateia, criando um espetáculo com camadas fragmentadas e muitas vezes obscuras. Marcado por uma inquietação política, fruto de um momento em que o país passava por uma ebulição que começou nas ruas, com as manifestações populares, e acabou com a deposição da presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff, o trabalho pode ser descrito como um soco no estômago.
Hamlet, com seus dramas humanos e tramas permeadas pela perspectiva de golpe, de conchavos políticos, pareceu o veículo ideal para o grupo para dar continuidade a essas questões. Porém, prender-se ao texto pareceu insuficiente ao grupo, uma vez em que seus integrantes se deparavam com desdobramentos que surgiam da contemporaneidade.
Por isso, em Dinamarca, a trama de Shakespeare funciona como um alicerce, mas o estado do Brasil e do mundo, em 2017, parece o verdadeiro assunto que o grupo quer dissecar. E a mensagem, dessa vez, será transmitida como quem dá tapa com luva de pelica.
“Entendemos Dinamarca como a segunda peça de uma trilogia iniciada em 2015. O que vivenciamos com O Ano... explodiu neste trabalho, tanto que muitas questões trazidas no trabalho anterior são retomadas aqui de forma sutil. Se antes falávamos de um grupo de jovens no epicentro do caos político, em Dinamarca focamos naqueles que estão encastelados, nos que se consideram o outro – o ideal do dinamarquês, evoluído, de primeiro mundo, top – olhando tudo de forma, como se não fossem afundar junto”, explica o diretor Pedro Wagner.
Dessa forma, a dramaturgia “em frangalhos”, como eles definem”, escrita por Giordano Castro (que também integra o elenco) é ambientada em uma festa de casamento na qual manter a empolgação e o consumo desenfreado dos comes e bebes é quase obrigatório. Isso porque o tumulto lá fora não os diz respeito – eles são diferentes daqueles que brigam por transformações, que não têm privilégios e que, também, querem um pedaço do bolo. A obra shakespeariana aparece explicitamente em alguns momentos, quase que cortando a narrativa, como uma memória ancestral.
“Com esses trabalhos, estamos na tentativa de compreender as bolhas sociais. A gente se engana achando, pelos nossos posicionamentos políticos e olhar em relação a como se organiza a sociedade; pensamos que todos enxergam como nós. Nesse processo, a gente deixa de enxergar as coisas mais abrangentes. Ficamos discutindo picuinhas no Facebook enquanto, depois do golpe sofrido pelo país, as pessoas no poder promovem um desmonte neste país. É sobre isso que estamos falando”, aponta Giordano.
Pedro e Giordano acreditam ainda que o espetáculo, que tem no elenco Lucas Torres, Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Mário Sergio Cabral, terá um efeito diferente do anterior, com menos hermetismos. Porém, uma coisa é certa: a “fofura” presente em obras como Aquilo Que Meu Olhar Guardou Para Você (2012), está morta.
“É um espetáculo mais palatável, mas não menos ácido. Acho que não tem mais espaço para fofura na nossa obra”, afirma Giordano.