Naná Sodré, uma força cênica; conheça a trajetória da atriz

Atriz celebra 20 anos de carreira e colhe frutos de sua trajetória
Márcio Bastos
Publicado em 05/08/2017 às 15:09
Atriz celebra 20 anos de carreira e colhe frutos de sua trajetória Foto: Leo Motta/JC Imagem


O tipo de interpretação que interessa à atriz Naná Sodré é aquele em que o corpo do ator está tão entregue ao papel que, durante todo o espetáculo, ele desaparece por completo, sendo “habitado” pelo personagem. De fato, observá-la executando seu ofício é uma experiência que convoca o espectador a apagar qualquer imagem prévia que se tenha dela. Da expressão corporal à voz, tudo se transforma. Por trás de cada performance, apenas uma coisa permanece: uma artista múltipla, generosa e com vontade de dar voz aos silenciados.

Celebrando 20 anos de carreira, Naná, nascida Nazaré Sodré da Silva, no Rio de Janeiro, flerta com as artes cênicas desde a infância, quando participava das peças escolares, mas por muito tempo achou “que aquilo não era para ela”. Na sua família de mulheres empoderadas, como ela ressalta, a carreira artística nunca pareceu uma opção.

“Enquanto negras, as mulheres da minha família sempre souberam se impor e conquistar seu espaço, então desde cedo eu sabia que poderia alcançar muitas coisas, como cursar uma universidade, por exemplo. No entanto, ser artista sempre pareceu algo distante, tanto que quando entrei na Universidade Federal de Pernambuco para cursar artes cênicas, achei que tinha dado um tiro no pé”, lembra.

De fato, os anos na graduação não foram doces. Naná lembra que não se identificava com o que via, desde as disciplinas até a própria representatividade – na turma, era uma das únicas negras. Naqueles anos, atuou em vídeos institucionais, campanhas publicitárias, mas pouco nos palcos porque “não se via ali”.

“No começo, eu não entendia muito bem o que acontecia, achava que o problema estava em mim. Sempre era uma das únicas alunas negras, a única professora negra do meu departamento. Mas, é uma questão mais profunda, porque sofremos com essa crise de representatividade e, então, tendemos a achar que não se trata de racismo. Até porque o preconceito é covarde, porque é escondido, faz você se perguntar ‘será?’”, expõe.

Foi então que passou a se dedicar à função de iluminadora, área na qual ganhou proeminência, tornando-se uma das mais requisitadas do Recife. Dedicou-se exclusivamente à área por quase dez anos, até que percebeu a necessidade de voltar aos palcos.

“Para algumas pessoas, era confortável me ver atrás dos equipamentos. Quando fui para a cena, no entanto, houve um certo choque, inclusive de pessoas próximas, quase como se aquele lugar não pudesse ser ocupado por mim. No entanto, também houve muito carinho, acolhimento de outra parcela. Hoje, sinto que essa é uma questão superada e somos muito abraçados pela cena artística”, reflete.

Ao lado de Agrinez Melo e do seu marido, o diretor dramaturgo Samuel Santos, fundou o grupo Poste Soluções Luminosas, em 2004. Desde 2014, o espaço é sediado na rua da Aurora, nº 529. Lá, promovem cursos e sediam atividades artísticas, desenvolvendo pesquisa continuada nas matrizes africanas.

“Quando vou fazer teste para cinema, por exemplo, e o personagem é só a empregada que passa com a bandeja e fica calada, questiono ‘Opa, e a vida dessa personagem?’. Querem nos colocar nesses lugares sempre, mas, em resposta, nos apropriamos das dificuldades e construímos outros discursos”, enfatiza.

EU, ATRIZ

Naná voltou a se dedicar integralmente ao ofício de atuar com Historinhas de Dentro (2008). O grande ponto de virada, no entanto, foi Cordel do Amor Sem Fim, pelo qual ganhou o prêmio Apacepe de melhor atriz, em 2011. Desde então, participou de produções como Anjo Negro (2014) e Ombela (2014), este último uma adaptação do texto do angolano Manuel Rui encenado em português e em umbundo, uma das línguas mais faladas no país africano.

Naná aprendeu logo que teatro é um misto de dedicação e persistência e afirma nunca ter pensado em desistir, apesar dos percalços. “Já teve dia de eu chegar no espaço, me preparar, estar pronta para atuar e não dar ninguém na plateia. É frustrante para o artista, mas sempre tentei entender o tempo das coisas. Temos trabalhado muito duro para construir uma história bacana, criar um público, desenvolver uma pesquisa fundamentada. Agora, sinto que é hora de colher os frutos”, reflete.

Entre seus admiradores está Lázaro Ramos, que assistiu ao espetáculo A Receita – atualmente em cartaz no espaço Poste, todos os sábados de agosto – durante passagem pelo Recife. Assim que terminou a apresentação, o ator passou cerca de uma hora conversando com a atriz e afirmou que o Brasil precisava conhecê-la. O intérprete baiano, inclusive, a convidou para se apresentar em outubro no festival A Cena Tá Preta, em Salvador.

O grupo Poste foi contemplado também com o Prêmio Afro para desenvolver um festival com artistas negros, de diversas linguagens, como música, dança e teatro. O evento vai ocorrer em outubro. Por seu trabalho pela valorização e visibilidade da mulher negra, também foi homenageada este ano pela União Brasileira das Mulheres (UBM) de Pernambuco. Para 2018, Naná, que é professora no Curso de Interpretação para Teatro do Sesc Santo Amaro, planeja abrir com seu grupo uma escola de teatro.

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