Stepan Nercessian volta ao Recife, nesta sexta e sábado, com Chacrinha – O Musical, no Teatro Guararapes. Circulando com o espetáculo, no qual interpreta o eterno Abelardo Barbosa de forma absolutamente mediúnica, ele afirma, em entrevista ao jornalista Bruno Albertim, no Rio de Janeiro, que "sente" a presença do apresentador a cada apresentação e que, se vivo fosse, Chacrinha enfrentaria a censura no Brasil de hoje. Porém, com seu bom humor e inteligência, subverteria a ordem, como sempre fez. "Ele sempre foi moderno", diz o ator.
JORNAL DO COMMERCIO – Parece ser o grande personagem da tua vida. Você tem ideia de até quando o Chacrinha vai ficar contigo?
STEPAN NERCESSIAN – Vou fazer o filme agora. Fiz um planejamento de que esse ciclo pode, inicialmente, parar no Carnaval. Vou desfilar como Chacrinha pela (escola de samba carioca ) Grande Rio, o enredo é Vai para o trono ou não vai. Acho que seria um lugar legal para encerrar esse ciclo. Fiz o especial da Globo e volta e meia alguém fala da ideia de fazer mais quatro especiais, reproduzindo o Cassino do Chacrinha. Antes de terminar, vamos passar pelo Recife, que é a terra do Chacrinha. O espetáculo é o mesmo, mas ele vai evoluindo, cada dia que a gente repete, vai descobrindo mais coisas.
JC – E como o Chacrinha entrou na tua vida?
STEPAN – Foi um convite do Andrucha Waddington, nosso diretor. Uma dia, ele me ligou convidando. A Fernanda Montenegro tinha lhe dito: “Só o Nercessian pode fazer o Chacrinha”. Eu fui fazendo e aconteceu. Perguntei a ela de onde ela tinha tirado essa ideia da cabeça, e ela disse que eu tinha o espírito do Chacrinha. Mais do que uma imitação, eu queria alguém que tivesse o espírito do Chacrinha. Mas, eu também peguei as maluquices dele, os cacoetes, os pânicos. Todo dia, me pergunto: será que eu vou chegar até o fim? Fazer dois espetáculos no mesmo dia é enlouquecedor.
JC – O caminho da construção do teu personagem é mais racional ou emocional?
STEPAN – Eu procurei entender o espírito, né? Do Abelardo Barbosa e do Chacrinha. Uma hora, o Chacrinha domou o Abelardo. Ele dizia que nasceu um e virou o outro. Ele incorporou isso bem. Mas eu procurei ver também o lado que não era o do palhaço, do apresentador, tem o cara que estava dedicado ao drama do filho, as brigas dele com a televisão, suas convicções, os sofrimentos dele com a censura. Não apenas a censura federal, policialesca, mas a censura da igreja, a censura moral, dos bons costumes, a censura até da psiquiatria. Tentaram falar que ele era um louco, que não podia estar na televisão, mas eu sempre me baseei no nordestino, no cara que saiu de Surubim para ser qualquer coisa. Ele tinha essa força do imigrante, e ao mesmo tempo era uma pessoa com pé no chão, com a consciência da realidade. O sucesso, para ele, foi apenas uma conseqüência. No final, dei uma olhada nos vídeos, para pegar um jeitinho ou outro. Mas, na hora, foi o teatro mesmo quem se encarregou.
JC – O personagem te tomou...
STEPAN – Sim, o teatro se encarregou. Parece que o Chacrinha me aceitou, ele me tocou. Eu sinto sim a presença dele, é uma coisa espiritualista. Os artistas que vêm aqui participar, todos eles ficam muito emocionados. O Fabio Jr., Dussek, Xuxa, Ney Matogroso... todos começam a tremer de nervoso, a chorar. Todos veem e se emocionam demais, pelo espírito que lembra muito o programa dele, de verdade. E todos dizem: “É impressionante, porque você desaparece”. E isso é tudo que eu queria, desaparecer.
JC – Como as pessoas se referem a você?
STEPAN - Quando acaba, as pessoas vêm falar comigo e me agradecem o fato de terem visto o Chacrinha. O filho mais velho dele, Jorge, me encontrou na saída do espetáculo e disse que queria me agradecer porque nunca imaginou que ia ter a chance de ver o pai de novo. Eu fico agradecido, enormemente agradecido, e eu procuro não fazer isso. O que procuro é não atrapalhar o Chacrinha, o meu trabalho, se tiver algum mérito, é desaparecer, sumir, deixar o ego fora de cena, deixar qualquer perspectiva de histrionismo. É uma emoção grande, a plateia se emociona. Então, eu vejo isso, fico muito feliz.
JC – O Chacrinha foi bastante patrulhado. Você acha que ele sobreviveria ao patrulhamento moral dos dias correntes?
STEPAN – A gente tá vivendo um momento especialmente triste de divisão da sociedade. As pessoas com muita certeza e achando que tudo que pensam é o certo, eu acredito que o Chacrinha hoje resistiria e enfrentaria tudo isso hoje com galhardia. Mudaria as formas e o conteúdo da repressão. Eu acredito que o Chacrinha hoje resistiria e enfrentaria tudo isso com galhardia. Pode mudar, mas o conteúdo da repressão é sempre o mesmo, existe a liberdade e aquele que quer destruir a liberdade. Tinha um bandido famoso no Rio de Janeiro, virou até filme, que disse: “Existem dois tipos de homem, o perseguido e o perseguidor, e eu disse: eu sou feliz porque eu posso ir aonde eu quiser, já ao perseguidor só resta seguir meus passos”. Essa perseguição é de ordem moral, social, sexual, e não só não devemos dar o braço a torcer, como enfrentar. O Chacrinha enfrentou tudo isso, e pagando um preço muito alto. Eu acho que, hoje, ele seria uma figura emblemática, nessa luta do rochedo contra o mar. A proposta dele era de liberdade. Chacrinha era um cara que se fantasiava, de doido, de mulher, de enfermeiro. Ele sempre foi moderno.
JC – Trazer de novo o musical para o Recife tem um significado, sim?
STEPAN – É a terceira vez que vamos ao Recife, todas as apresentações têm essa coisa do encantamento. A plateia, além de ver o Chacrinha, vai ver um pernambucano. A plateia tem uma vibração de torcida. Emociona.
Serviço: Chacrinha, o musical. Recife. Teatro Guararapes. 20 de outubro (sexta) – 21h; 21 de outubro (sábado) – 17h / 21h. Preços: Plateia - R$ 100,00; Plateia Promocional – R$50,00; Balcão - R$ 70,00; Balcão Promocional - R$ 40,00
Capacidade: 2359 lugares
Duração: 2h40 (com intervalo)
Classificação etária: 12 anos