Se fôssemos munidos de potentes óculos de terceira dimensão, ou mesmo se induzidos por uma das porções mágicas ou cogumelos responsáveis pelas alterações de tamanho e de consciência na saga da personagem, não seríamos tão bem projetados para dentro do clássico de Lewis Carrol como diante da versão de Alice no País das Maravilhas conduzida pela veterana companhia mineira Giramundo em parceria com a banda Pata Fu. Sinestésico, francamente psicodélico, o espetáculo Alice Live produziu uma corrente de encantamentos, em sessão dupla no Santa Isabel, na noite desta quinta (6), durante a abertura do Festival Sesi Bonecos do Mundo.
O festival está de volta ao Recife, em seu 13º ano de realização, depois de um hiato de cinco sem aportar na cidade. “Estou especialmente feliz em trazer esse festival para casa, porque quando o idealizei, ele foi pensado com as referências daqui”, dizia uma contente Lina Rosa Vieira, realizadora da maratona que, depois de aportar em Maceió na última semana, traz para o Recife nada menos que 46 apresentações de teatro de bonecos, até domingo, de nove países, oito estados do Brasil, distribuídos entre o Santa Isabel e o Parque Treze de Maio. Todos com apresentações gratuitas.
No parque, por exemplo, onde as atrações são apresentadas durante o final de semana, o espetáculo da Giramundo é reapresentado no começo da noite do sábado. “Esse é um festival de dupla integração social, de levar todas as classes aos dois lugares, para democratizar a arte do boneco. São sim espetáculos de teatro e de bonecos. Mesmo na rua, com o mesmo cuidado de luz, som e projeções que se tem no teatro”, diz a realizadora.
Mais que um espetáculo de bonecos, o espetáculo da Giramundo com o Pato Fu sobre o universo de Alice é uma prima peça de teatro contemporâneo. Fronteiras borradas, linguagens fundidas, temos em cena, como estrutura dorsal, a manipulação de marionetes. E que estrutura: uma dezena de bonequeiros dando vida a cerca de 65 objetos. Fundidas a eles, como se em dimensões paralelas e nada limítrofes, a música da Pato Fu, especialmente composta para, executada ao vivo, e animações projetadas sobre a tela que protege - relevando a ação numa plasticidade absolutamente onírica.
Sem muitas pausas para respiração, Alice assume muitas formas – sempre na voz doce de Fernanda Takai, em alguns números recrutada de uma plataforma suspensa para o proscênio cantando sua Alice em primeira pessoa. Ainda que editado com as sinapses necessárias para caber num espetáculo de uma hora e meia, o texto de Carrol é, respeitosamente, mantido de uma forma em que nossa imaginação parece materializada diante da narração.