Um país marcado por restrições às liberdades individuais onde não se pode beber, comer, levantar, atender o celular e, principalmente, abraçar e falar. Essas imposições arbitrárias ordenadas por um general regem a vida dos personagens de Abrazo, espetáculo infantil do grupo Clowns de Shakespeare (RN), que inicia temporada hoje e amanhã na Caixa Cultural. Para garantir a acessibilidade, o espetáculo contará com audiodescrição e visita tátil (estas apenas nas primeiras sessões de cada dia) aos elementos de cenário e figurino utilizados na obra.
Abrazo é a segunda peça da Trilogia Latino Americana (composta ainda por Nuestra Senhora de Las Nuvens e Dois Amores y Um Bicho), um projeto de pesquisa do grupo que teve início há uma década e nasceu do desejo de investigar a história e a cultura dos países vizinhos ao Brasil, a partir da percepção da falta de diálogo entre as nossas culturas, fruto de uma construção eurocêntrica. Entre os pontos em comum das histórias dessas nações estão os sucessivos episódios de golpes de estado, como as ditaduras militares instauradas no século 20.
Sem falas, o espetáculo dirigido por Marco França foi livremente inspirado em O Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano, e tem roteiro dramatúrgico assinado por César Ferrario. No elenco estão Camille Carvalho, Dudu Galvão e Paula Queiroz, que se revezam em vários personagens. No trabalho, a música exerce uma função de destaque, diretamente ligada à ação.
Segundo Fernando Yamamoto, um dos fundadores do Clowns de Shakespeare, a obra tem como base o desejo de trabalhar com as crianças temas como repressão, relações de poder e o histórico de ditaduras da América Latina. Para ele, os espetáculos ganharam uma potência ainda maior após 2016, dialogando diretamente com o Brasil do presente.
“Em 2014, às vésperas dos 50 anos do golpe militar civil e militar (no Brasil), a gente resolve encampar um trabalho para crianças e um para adultos a partir dessa temática, com o desejo, de contribuir para que essa memória continue viva e para que esse tipo de coisa não voltasse a acontecer. Isso sem ter a menor ideia de que em tão pouco tempo depois passaríamos por um processo de um golpe, como aconteceu em 2016 (com o impeachment de Dilma Rousseff), e que seria consolidado com a eleição de um presidente da República com ideais fascistas, misóginos, antidemocráticos, homofóbicos, enfim, tudo isso que a gente está vendo”, afirmou Fernando.
Esse processo de voltar o olhar para a cultura da América Latina continua norteando o coletivo, que tem 26 anos de trajetória e é símbolo da resistência do teatro nordestino. Atualmente, eles executam o projeto Boi Vagamundo, contemplado pelo edital Rumos, do Itaú Cultural, que propõe uma pesquisa para o desenvolvimento do Boi Galado e conta com a participação do pernambucano Helder Vasconcelos. Para tanto, já visitaram festejos populares no Peru, Equador e, em outubro, seguem para a Colômbia.
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OFICINA
Além do espetáculo, o grupo oferece a oficina gratuita O Ator em Composição, dia 14 deste mês. Ministrada por Dudu Galvão, a atividade é focada na pesquisa em preparação corporal para o processo de construção deste espetáculo. A inscrição deve ser feita através do link https://forms.gle/3ND1UKSS29jb171v7